Black Mirror? Marcas vendem roupas que só existem digitalmente
Especialistas estimam que, em 10 anos, peças virtuais serão tão consumidas quanto as reais
atualizado
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Se alguém te dissesse que em 10 anos estaremos comprando roupas digitais que podem ser usadas apenas em fotos, você acreditaria? Caso a resposta seja não, é melhor repensar o futuro.
De acordo com especialistas do universo fashion, essa é a próxima fronteira a ser cruzada pela moda.
Vem saber sobre essa novidade comigo!
Em novembro de 2018, a multimarcas escandinava Carlings lançou sua primeira coleção de roupas digitais. O compilado de 19 itens chegou ao mercado com preços que variavam entre 10 e 30 euros, com uma produção limitada a 12 peças por modelo.
Intitulado Neo-Ex, o trabalho foi inspirado em jogos de videogame e apresentava calças laminadas com prints animais nas laterais, casacos de pele de crocodilo e puffer jackets com textura de plástico.
O mecanismo para o uso dos produtos era simples: os clientes forneciam uma foto, e os designers da empresa manipulariam a imagem, de maneira que os compradores parecessem vestir a roupa adquirida.
Embora estranha, a ideia conquistou admiradores. Após uma semana, a coleção estava esgotada, graças aos influenciadores que foram contratados para divulgar o trabalho.
Kicki Perrson, um dos diretores da Carlings, diz que a resposta foi extremamente positiva e que a empresa já planeja lançar sua segunda coleção digital ainda em 2019.
“Na vida real, roupas como essas custam milhares de libras e costumam ser usadas nas mídias sociais uma vez, por causa de seu design distinto. Ao vender peças digitais a 15 libras, nós democratizamos a moda e, ao mesmo tempo, abrimos a oportunidade de inovar no estilo sem deixar um rastro de poluição”, disse Persson à Elle.
Tal conceito pode parecer surreal à primeira vista. Porém, se formos analisar o que já ocorre no mundo dos jogos, não é algo tão insano. O game Covet Fashion, da Glu Mobile, permite que os jogadores comprem roupas e acessórios para seus personagens. Apenas em 2018, os desenvolvedores do software lucraram US$ 53,4 milhões.
O jogo Kim Kardashian: Hollywood, que possibilita aos usuários vestirem um avatar com peças de Roberto Cavalli, Balmain e Karl Lagerfeld, gerou mais de US$ 240 milhões em vendas desde o lançamento, em 2014.
O popular League of Legends ganha milhares de dólares na comercialização de suas tão desejadas skins, ao passo que o Fortnite, da Epic Games, fatura US$ 300 milhões por mês com o mesmo tipo de produto.
“O dinheiro gasto em conteúdo virtual na indústria de jogos é enorme. A moda está apenas começando a perceber que pode haver uma oportunidade nisso”, afirmou Matthew Drinkwater, diretor do setor de inovação da London College of Fashion, à Vogue.
A Moschino, por exemplo, já está a par dessa movimentação. Recentemente, a grife apresentou uma coleção-cápsula inspirada no jogo The Sims. Ao comprar uma peça, o cliente pode transferi-la, em formato digital, para os personagens do game.
Em maio, a Nike lançou duas skins para o jogo Fortnite. Os usuários podem ter, com exclusividade, um modelo de tênis desenvolvido especialmente para o software.
Os cool hunters do segmento enxergam um enorme potencial nas peças on-line, na medida em que as pessoas passam a gastar com jogos e exibir suas vidas nas redes sociais com mais frequência.
Essa tendência ganha força, também, junto ao crescente movimento sustentável que toma a moda.
A influenciadora Daria Simonova adquiriu algumas peças da Carlings e disse que, definitivamente, compraria mais roupas digitais no futuro.
“Eu realmente amo essa ideia. Em primeiro lugar, é ambientalmente amigável. Em segundo lugar, a roupa, hoje, é uma forma de arte para mídias sociais. A roupa digital é conveniente e bem mais barata”, defendeu à Elle.
Não é segredo que a moda causa danos irreparáveis ao meio ambiente. A indústria contribui mais para as alterações climáticas do que as emissões anuais de viagens aéreas e viagens marítimas juntas. Logo, a ideia de consumir um visual com zero impacto ambiental se torna atrativa.
Matthew Drinkwater afirma que muitos podem achar isso irreal, mas os fatos não mentem. Segundo ele, as roupas virtuais estão a, pelo menos, cinco anos de serem enxergadas como algo normal.
Porém, o profissional chama a atenção para uma negociação ocorrida no ano passado. Em maio de 2018, um CryptoKitty (essencialmente, uma arte digital única) foi vendido por US$ 140 mil, o que mostra o quanto as pessoas estão dispostas a pagar por designs renderizados.
Para o diretor da London College of Fashion, a novidade possibilita aos designers empurrar os limites da criatividade sem se preocupar com orçamentos. “De repente, esses arreios são liberados, e você pode começar a ir além de tudo já visto antes”, acrescenta Drinkwater.
No entanto, o especialista diz que existem barreiras significativas para a entrada dos produtos no mercado. Designers de moda, tradicionalmente, não são treinados em modelagem 3D, e a arte de criar peças digitais não é fácil.
Uma marca disposta a entrar nesse segmento teria que contratar um artista capacitado para desenhar manualmente, pois não há códigos que imitam o aspecto de lã ou seda, por exemplo. Algumas startups oferecem esse tipo serviço, mas a maioria das criações em 3D, como as dos jogos para celular, ainda são relativamente cruas.
A Fabricant, uma casa de moda virtual de Amsterdã, recebe diversos pedidos de coleções de roupas todos os meses, mas o custo e tempo envolvidos em um projeto assim faz com que apenas encomendas superiores a 25 mil euros sejam rentáveis.
Para se ter uma ideia, um projeto demandado por uma varejista de artigos de luxo de Hong Kong precisou de uma equipe de cinco pessoas, que levou três semanas para produzir 15 peças, com muitas horas extras incluídas no processo.
Já podemos começar a nos preparar para essa nova realidade, mas o caminho rumo ao fast fashion digital ainda levará um tempo para ser percorrido.
Colaborou Danillo Costa