Apropriação cultural: Prada é acusada de copiar sandálias nordestinas
Após divulgar peça nas redes sociais, grife italiana foi repreendida por brasileiros, que apontam semelhanças com calçados típicos da região
atualizado
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Diálogos sobre apropriação cultural são cada vez mais frequentes no mundo da moda. Apenas em 2019, grifes como Carolina Herrera, Louis Vuitton e Max Mara foram criticadas por reproduzirem padrões característicos dos povos mexicanos e asiáticos em suas criações. Agora, chegou a vez da italiana Prada enfrentar o crivo do consumidor, cada vez mais atento às possíveis réplicas e plágios do mercado de luxo. Depois de postar uma das sandálias da coleção de verão em suas redes sociais, a etiqueta recebeu dezenas de comentários afirmando que a peça seria uma cópia dos calçados vendidos nas feiras nordestinas. Regina Casé e Walério Araújo estão entre os nomes que se manifestaram sobre o caso.
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Para os acessórios da temporada de primavera/verão 2020, a Prada investiu em acabamentos trançados de couro e palha. A coleção com foco na simplicidade foi apresentada em setembro do ano passado, durante o Milão Fashion Week.
A estética agradou aos clientes internacionais: no início desta semana, o CEO da marca, Patrizio Bertelli, relatou que a coleção fez a empresa chegar aos dois dígitos de crescimento na Ásia. “As vendas estão crescendo com taxas significativas, chegando aos dois dígitos. Estamos confiantes de que essa tendência continuará nos próximos meses”, disse o executivo ao WWD.
No Brasil, o novo compilado de Miuccia Prada também tem se destacado, mas não pela aceitação dos consumidores. Depois que a empresa italiana compartilhou uma das sandálias criadas para esta temporada nas redes sociais, muitos brasileiros identificaram que o design da peça é semelhante às rasteirinhas de couro produzidas no Nordeste. “Da feira de Caruaru!!! Brasil!”, comentou a atriz e apresentadora Regina Casé, em postagem no Instagram da label.
Após a chuva de críticas, a marca se apressou em apagar o post na rede de compartilhamento de imagens, todavia, não fez qualquer comentário sobre o caso. “Do Nordeste do Brasil para as vitrines da Prada”, “É a cara do Nordeste. Ou melhor, da feira de Caruaru” e “Estética do cangaço, não é Prada? Te entendo! Apaixonante mesmo” foram algumas das respostas à publicação deletada.
Feita em pele de bezerro, com bico arredondado, solado de borracha e fecho de fivela, assim como os exemplares vendidos na região, a rasteirinha da grife entrou na Farfetch ao preço de R$ 4.400, o que incomodou os brasileiros. O item, todavia, não consta mais no e-commerce e está esgotado no site da Prada.
Na terça-feira (7/7), em entrevista ao UOL, o estilista pernambucano Walério Araújo defendeu que não vê problema em uma marca de luxo se inspirar em artesãos regionais. Ele lembrou que ele mesmo já reinterpretou as sandálias de couro em sua primavera/verão 2012.
“É bom para mais pessoas conhecerem a história tão forte e tão bonita do povo nordestino. Usei na minha coleção masculina e, para a feminina, pedi ao Fernando Pires para copiar o modelo, mas incluir saltos e plataformas de madeira. Fica feio é quando não falam qual foi a inspiração. Essa vista grossa é um absurdo”, comentou.
Em relação ao preço, apontado como inflacionado, se comparado às peças vendidas nas feiras nordestinas, o designer pontuou a diferença entre os públicos. “A sandália feita pelos artesãos nordestinos costuma ser mais rústica, enquanto a da Prada deve ter um outro acabamento. Além disso, os clientes da marca podem pagar esse preço”, afirmou.
A percepção de Walério vai ao encontro do conceito de apreciação cultural, que, ao contrário da apropriação, visa entender, respeitar e aprender as heranças de outros povos, em vez de utilizá-las para interesse próprio sem conhecer o significado que determinados objetos e comportamentos têm para as sociedades que os originaram. No caso da indústria têxtil, as reivindicações são para que as etiquetas de luxo, ao se inspirarem nos artesanatos regionais, criem vínculos com as comunidades e artistas, por meio de remunerações ou divulgando o trabalho que serviu de referência.
Em julho do ano passado, após a Louis Vuitton utilizar bordados típicos de um povoado mexicano em uma cadeira, a então secretária de cultura do México, Alejandra Frausto, sugeriu que a grife pensasse em “benefícios diretos e concretos para todas as partes”, já que a arte supostamente copiada era “resultado de conhecimentos e habilidades transmitidos por muitas gerações”.
Colaborou Danillo Costa