O caladão do WhatsApp
Queda do aplicativo de mensagens pode ser uma oportunidade para ser humano refletir e não virar fio desencapado no meio de um curto-circuito
atualizado
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Um dia sem WhatsApp foi uma experiência pedagógica para o mundo. Não é que não se possa mais viver sem WhatsApp. Não se pode mais viver sem uma ferramenta como o WhatsApp – e a ferramenta na qual estão todos ou a imensa maioria conectados, inscritos, adaptados e reunidos é essa: WhatsApp. Não há possibilidade de um transplante sumário.
Instagram e Facebook caíram também – e também são, para grandes parcelas das populações, insubstituíveis sumariamente. Os apocalípticos protestaram: essas redes/aplicativos são uma ratoeira. Depois de atrair todo mundo lá para dentro, prendem e controlam tudo. Os não-apocalípticos acham que essas redes/aplicativos são um bom ponto de encontro das sociedades, facilitando e potencializando as atividades humanas, com alguns riscos importantes que talvez venham sendo subestimados.
Parte desses riscos nem tem a ver com os controladores das plataformas e apps. Decorrem simplesmente do fenômeno da comunicação total – onde a repercussão de cada soluço é potencializada à dimensão do estrondo. O problema não está só na irradiação de fake news ou boatos. Os fatos reais também ganham frequentemente um super dimensionamento. Sentimentos são exacerbados pela velocidade da comunicação – as reações sendo mais rápidas que o pensamento e o discernimento.
A pandemia trouxe o medo (inevitável). Mas a irracionalidade tende a fermentar o medo. E a comunicação total, com sua rapidez que puxa a reação para antes do pensamento, tende a aumentar essa irracionalidade – e aumentar o medo. Isso não se resolve com mudanças nos apps ou nas plataformas. Só se resolve com mudanças no indivíduo – na sua capacidade de passar a filtrar, refletir e não virar um fio desencapado no meio de um curto-circuito. O caladão do WhatsApp pode ter sido uma oportunidade para essa reflexão.
Mas tem também a parte da direção dessas empresas – e aí já estamos tendo que dar uma pontinha de razão aos apocalípticos. As tentações de controle da opinião pública estão materializadas um pouco além do inevitável. Dizemos inevitável porque sabemos que os grandes veículos de comunicação eventualmente escorregam da influência para a manipulação. Não vamos cair no engano de santificar o ser humano. Mas também não vamos fazer vista grossa para o desvio.
Todos viram (ou deveriam ter visto) os e-mails vazados de Anthony Fauci, o todo-poderoso homem da saúde da Casa Branca que já atravessou vários governos. A conversa dele com Mark Zuckerberg, o barão das redes sociais, esboçando uma colaboração para o fortalecimento de determinadas versões dentro da pandemia é grave. Como se viu, por exemplo, a hipótese de origem laboratorial do SarsCov2 – cuja investigação hoje é admitida pelo próprio Fauci – foi tratada durante mais de um ano como absurda, sendo inclusive objeto de perseguição e embargo nas redes.
O ambiente da ultra conexão digital continua sendo predominantemente positivo, virtuoso e democrático. Mas também por causa dele o senso comum está ficando com a boca torta em algumas matérias importantes. Assim como a questão da origem do vírus ficou embalada num tabu por manipulação explícita, os temas do lockdown, dos tratamentos, das vacinas e das obrigatoriedades crescentes não estão tendo uma circulação plena e sadia de informações e opiniões contrastantes. A tentação de aparelhar as redes para induzir certos juízos e perseguir outros é óbvia.
Vamos investir no discernimento, na pluralidade e na liberdade para evitar um apagão de consciência.
* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.