Linchadores de boa aparência
O caso do jogador de vôlei Maurício Souza não tem nada a ver com sexo. Como assim? O assunto em questão não é homofobia?
atualizado
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O caso do jogador de vôlei Maurício Souza não tem nada a ver com sexo. Como assim? O assunto em questão não é homofobia? Homofobia não é a designação para a discriminação de uma determinada identidade sexual? Como o caso Maurício Souza não tem a ver com sexo?
Não tem, por uma razão muito simples: a polêmica, ou escândalo ou como se queira chamar o que ocorreu em torno do caso, da forma como aconteceu, não guarda relação alguma com a defesa de uma causa. Ou com a proteção de pessoas que possam estar sendo oprimidas pela maneira como vivem sua vida, como lidam com seu corpo e sua personalidade. O que ocorreu foi algo bem diferente do que se pode chamar de humanismo.
Desde que o movimento gay ganhou as ruas em São Francisco, Califórnia, ainda na década de 60, múltiplas conquistas culturais e legais tiraram a questão da identidade sexual do gueto. Os problemas de discriminação não estão resolvidos, mas, nas sociedades livres, deixou de ser “normal” ou aceitável o preconceito por identidade sexual. O refrão “qualquer maneira de amor vale a pena”, dos anos 70, foi se consolidando no universo de valores, nas artes, no mercado de trabalho e nas famílias.
Paulo Gustavo usava um dos seus múltiplos personagens geniais para destroçar o tabu: “Sou bicha! Adoro ser bicha!”. E usava deliberadamente o espalhafato para mostrar que o lugar seguro para os gays não era mais o armário, ou a existência condicionada a protetores de ocasião – que te oferecerão uma barreira para que, atrás dela, você possa viver o que quer ser, ou o que você é. O sucesso estrondoso de Paulo Gustavo não seria possível numa sociedade reacionária.
Reacionários hoje são os que se fantasiam de politicamente corretos para viver de apontar o dedo para os outros. São os que acordam todos os dias procurando alguém para chamar de racista ou homofóbico. São os nostálgicos das sociedades arcaicas aninhados em armários moderninhos.
Racismo e homofobia continuam existindo e demandando reação humanitária. E a pior coisa que pode acontecer no enfrentamento ao problema real é a epidemia de oportunismo demagógico. Como distinguir os oportunistas? É fácil. O caso Maurício Souza não deixa dúvidas.
O demagogo que quer se promover fingindo defender minorias não age contra a discriminação e o preconceito. Ele age para perseguir alguém. Você acha que Maurício Souza foi preconceituoso? Você acha que a sua conduta pública foi homofóbica? Peça a sua punição. Está na lei. Ou então critique. Repudie. Deixe de seguir seus perfis. Torça contra ele nas quadras, se o seu repúdio chegar a esse ponto.
Mas não foi isso o que aconteceu com o atleta da Seleção Brasileira de Vôlei. Maurício foi perseguido, cercado e submetido a uma tentativa de asfixia social e profissional. O clube pelo qual atuava disse que não podia mais mantê-lo, porque os patrocinadores não aceitariam. Os patrocinadores disseram que não poderiam mais patrocinar um clube onde Maurício jogasse, porque seus consumidores os rejeitariam. O técnico da seleção brasileira disse que Maurício não poderia mais atuar na seleção.
Como classificar uma cadeia de covardia que fecha sucessivamente as portas da vida em sociedade para uma pessoa? Que tenta lhe pregar um estigma capaz de fazer desaparecer os seus meios de sobrevivência? Isso é crítica? Isso é julgamento?
Não. O nome disso é linchamento.
Não tem nada a ver com sexo. Nada a ver com preconceito. Nada a ver com direitos humanos. Asfixiar a cidadania de alguém é violência. E isso está sendo feito em nome de uma esperteza mercadológica. Denuncie esses demagogos. Mas não tente fazê-los sumir do mapa. Não seja como eles.
* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.