Feira de presidenciáveis
Moro ainda tem a mesma voz, mas a cabeça é um tanto quanto diferente. Nessa feira, ele colabora com a dúvida sobre o panorama eleitoral
atualizado
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Desde que Sergio Moro se assumiu como político paira uma interrogação sobre o panorama eleitoral brasileiro. Não só sobre quem é a tal terceira via. A situação atual autoriza o brasileiro a ir além e perguntar quem é a oposição. Muitos dos que querem a substituição de Bolsonaro estão se sentindo a pé – e têm lá suas razões para se sentir assim.
O eleitor que chamou um Uber e encontrou Sergio Moro ao volante titubeou. Aquele discurso de filiação soou meio esquisito para uma viagem longa. Uber tem disso mesmo. Dependendo da trilha sonora, o passageiro pode preferir continuar a pé. O problema não é a voz de Moro. Ela continua a mesma. Mas, a cabeça, quanta diferença.
Daria até para dizer que é outra cabeça. Aquele juiz austero, sisudo, praticamente um escravo da objetividade, saiu falando pelos cotovelos. Sobre tudo. Sergio Moro no palanque é a antítese do Sergio Moro que milhões de pessoas aclamaram como herói. Retórica genérica, pitacos politicamente corretos, indiretas colegiais contra o governo (ao qual serviu), enfim, tudo errado. Um “case” de marketing desastroso.
Nem dá para saber se é um ex-juiz desajeitado dentro de uma roupa que não é dele ou se é um aventureiro medíocre que já foi juiz. A não ser que o Moro político ainda surja – se desfazendo desse figurino patético que vestiram nele –, o eleitor da “terceira via” que sonhou com um furacão de moralidade na figura do herói da Lava Jato vai ter de chamar outro Uber.
Qual? Tem o Henrique Mandetta, aquele que ao lado de Moro inaugurou a figura do ministro de oposição. Com solenidade de líder do enfrentamento à pandemia, seguiu um script propagandístico e demagógico para contrariar seu chefe e se cacifar para substituí-lo. Outro cálculo pueril, outro “case” de marketing míope. Serviu para eternizar diretrizes equivocadas, como o fica em casa até sentir falta de ar, fora a despedida patética do cargo fazendo festinha aglomerada após um mês mandando ninguém chegar perto de ninguém. Esse Uber não tem gasolina para meio percurso.
Sempre se pode recorrer a um tucano quando não há ideia melhor. Mas os que estão na passarela apostaram tudo nessa mesmíssima demagogia pandêmica. Alguém acha que isso vai dar voto? Eduardo Leite bloqueou gôndolas de supermercado, transformando o Rio Grande do Sul numa União Soviética e fingindo que essa boçalidade era segurança sanitária. Depois de todo o assanhamento ditatorial, deu entrevista sobre questões pessoais íntimas, procurando se humanizar com suposto ativismo progressista. De novo, tudo errado. Tudo artificial. Tudo teatro de quinta categoria.
João Doria foi na mesma onda, com o agravante da sua conduta pessoal reiteradamente em contradição com as suas medidas cerceadoras. Difícil alguém acreditar numa plataforma desacreditada por seu próprio executor. E ainda vemos a reaparição de Geraldo Alckmin nesse papo estranho de vice de Lula. Ou ele se desculpa com o petista por tê-lo tratado como bandido ou tem de dizer agora que não conversa com criminoso. Ficar em cima do muro, desta vez, não é uma opção.
Ainda temos a reaparição de Joaquim Barbosa, o algoz dos mensaleiros que saiu do STF e passou a surgir de vez em quando no debate público de forma não muito consistente, como uma espécie de precursor do caso Sergio Moro. Nos dois fenômenos, o mais provável é que sejam percebidos menos como políticos do que como palpiteiros de internet.
Barbosa afeta um charme de esquerda, Moro afeta um charme de centro-esquerda, que pode virar centro ou até centro-direita quando Bolsonaro sair de cena. Já Ronaldo Caiado, que sempre encarnou a direita ruralista raiz, repaginou seu perfil mais para o médico empático, naturalmente calculando uma semeadura antibolsonarista nessa conversão. As calculadoras do mercado político brasileiro estão todas com defeito. Ou serão seus usuários?
Entre os governadores tem o mineiro Romeu Zema. Talvez seja o mais sério da atualidade – ou o que menos caiu na espetacularização autoritária da crise sanitária. Pareceu um pouco tímido diante das propensões tirânicas do prefeito de Belo Horizonte. E não se lançou ao Planalto. Pode estar correndo por fora.
Um dos mais autênticos na feira de presidenciáveis é Ciro Gomes. Mantém-se firme na postura de ser fiel a si mesmo sobre todas as coisas, partidos e pessoas. Com o marqueteiro de Lula, que também foi preso, manteve-se forte na doutrina “dou uma pinta de tudo que pode parecer bom para continuar oferecendo nada – com muita ênfase e indignação”.
Já Amoedo é candidato ao Oscar de melhor Ciro Gomes penteado e sem palavrões. Jamais um “liberal” conseguiu tão rapidamente ficar com a cara de um velho político personalista, incondicionalmente dedicado a si mesmo. Tudo novo de novo.
E sempre tem a Marina Silva. Que horas ela volta? Entre os presidenciáveis profissionais é a que atrai os intelectuais de maior envergadura. André Lara Resende, Eduardo Giannetti, enfim, grandes cérebros por trás de conceitos criativos, como “democracia de alta intensidade”. Se a vida fosse uma palestra, Marina seria a solução definitiva.
Parece que teremos também Rodrigo Pacheco. Rodrigo quem? Deixa pra lá. Relê o verbete do Amoedo e toca em frente. Pra onde? Sei lá. Pergunta pro Waze.
* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.