Como seria se Eduardo e Mônica se conhecessem hoje?
O Eduardo e a Mônica de hoje teriam grandes chances de amanhecerem rompidos para sempre. E mutuamente bloqueados em suas redes sociais
atualizado
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Está aí um novo filme criado a partir da poesia de Renato Russo, na interessante linha conduzida pela produtora Bianca de Felippes (de “Faroeste Caboclo”). O líder do Legião Urbana gostava de contar histórias nas suas músicas. “Eduardo e Mônica” é uma suave crônica amorosa de um tempo que, agora percebemos, já sumiu na poeira. Renato simboliza a conquista de liberdades comportamentais nos anos 80 – e não há como voltar a esse período sem perguntar onde elas foram parar.
Claro que não estamos falando desse novo moralismo envernizado pelo politicamente correto – que talvez suscitasse questionamentos do tipo “por que Eduardo e Mônica e não Mônica e Eduardo?”, ou implicasse com o fato de um compositor que era gay ter tematizado um casal hétero. Estamos falando, sim, de um novo moralismo – mas de tipo bem mais dissimulado, insidioso e preocupante.
Simplificando, Mônica era mais culta e madura que Eduardo, na história criada por Renato Russo. Um romance improvável, na mediatriz entre uma lanchonete e um filme de Godard. De fato, entre a obviedade de um hambúrguer e o hermetismo da Nouvelle Vague a única conexão possível é a força bruta do coração. O poeta sabia bem disso e se esbaldou nos versos desencontrados que levavam a um grande encontro.
“Eduardo e Mônica” é uma elegia sutil da liderança feminina, sem panfletos. Ou talvez o compositor nem tenha pretendido isso – e esse juízo seja só uma impressão deste signatário. Talvez Renato dissesse através de Mônica: “Que liderança nada! Cada um na sua.” Coisas da liberdade. Onde ela está?
Ficou difícil o encontro entre meditação e televisão – para usar uma das dualidades divertidas da canção. Em outras palavras: hábitos pessoais viraram credos fervorosos, separando todo mundo em falanges. Se fossem credos mesmo ainda seria possível apelar contra a radicalização. Mas são credos de mentirinha. São bandeiras. Bandeirolas. E toda hora aparece uma nova – exigindo o “posicionamento” que trará a chance de ouro da sua próxima desavença com o próximo. Eduardo, o que você acha da linguagem neutra?
Sei lá, Mônica. Não tinha pensado nisso. Pra quem quiser falar, tudo bem. Eu ainda não aprendi.
Talvez fosse essa a resposta do garotão dos anos 80 que encantou uma intelectual. Ela riria dele, ou melhor, riria com ele. Talvez entrassem num papo cabeça, talvez tivessem um quebra-pau. Terminariam se beijando ardentemente, ou talvez só caíssem no sono. Na manhã seguinte o mundo estaria intacto. Já o Eduardo e a Mônica de hoje teriam grandes chances de amanhecerem rompidos para sempre. E mutuamente bloqueados em suas redes sociais.
Afetação que não é inclusão, patrulha que não é ética, propaganda que não é saúde, segregação que não é proteção, perseguição que não é empatia, checagem que não é autenticidade, panfletagem que não é humanismo, histrionismo que não é estética, exibicionismo que não é solidariedade, estigmatização que não é crítica, chilique que não é indignação, prepotência que não é justiça, discurso que não é ação, estampa que não é alma, slogan que não é ciência, salvacionismo que não é redenção. O que aconteceu? Onde viemos parar?
Festa estranha com gente esquisita.