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Borba Gato e os hipócritas

Revisão histórica não é retocar nem apagar nada, ok? Segurem aí a sanha “checadora”

atualizado

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Estátua Borba Gato em chamas
1 de 1 Estátua Borba Gato em chamas - Foto: Reprodução/Twitter

Vamos pular a parte da complacência de boa parte do noticiário com a violência. Isso já está ficando vergonhoso – ou melhor, já ficou – ainda mais para veículos que resolveram se fantasiar de pregadores da bondade contra o Mal. É lastimável ver a imprensa se demitindo da sua missão jornalística para cair na panfletagem do virtuosismo cosmético. Mas montar esse supermercado de doçura e sancionar a pancadaria é um vexame.

É isso aí. Vocês estão relevando, relativizando a porrada. Em nome de quê? Da oposição aos brutos? Há algo errado aí. Mas vamos focar no Borba Gato. Toda e qualquer notícia sobre um ato violento precisa, obrigatoriamente, reportar em primeiro lugar e acima de tudo a violência desse ato. Não tem essa de dizer que atacaram um símbolo polêmico, que inclusive alguns projetos de lei pretendem remover. Conversa fiada. Isso é uma maneira dissimulada e calhorda de sancionar a violência.

Vocês são, afinal, contra ou a favor da violência? Não existe mulher meio grávida. Vocês são, afinal, contra ou a favor da grosseria, da brutalidade, da intolerância e da ignorância – essas coisas horríveis que vocês vivem dizendo deplorar no suposto debate político? Esse verniz humanitário com supostas causas progressistas que o noticiário vende todos os dias como eletrodoméstico não tem nada dentro? É só fachada mesmo?

Então, resumindo: a notícia não é um ataque político a um símbolo polêmico. A notícia é o ato boçal de incendiar uma estátua. Isso é violência. É crime. 

Você quer discutir Borba Gato? Então se comporta como homem, não como ogro. Senão você não quer discutir nada. Senão você é como os fascistoides que jogam pedra em veículo de imprensa que publica o que eles não querem que seja publicado. E agora estão aí veículos de imprensa transigindo, ou mais que isso, compactuando (veladamente, claro) com a boçalidade. E o que você quer discutir sobre Borba Gato?

Você acha que ele foi violento contra os índios? Aí para repudiar a violência do Borba Gato você sanciona um ataque violento à cidade, à cidadania e à civilização fazendo vista grossa para o homem das cavernas do século 21 numa via pública de São Paulo? Isso pode ser tudo, menos revisão histórica.

Mas vamos supor que os revisores da história soubessem se comportar moral e intelectualmente. O que eles querem rever? 

(Lembrando que revisão histórica não é enfiar um bisturi nos livros para embelezá-los à imagem e semelhança dos desejos do revisor. Revisão histórica não é retocar nem apagar nada, ok? Segurem aí a sanha “checadora”.)

Enfim, qual é o problema com o Borba Gato?

O problema é que ele foi violento com índios, com o intuito de subjugá-los, indicam registros históricos. Ok. E o outro problema é que Borba Gato não estava no zoom batendo um papo com seus amigos cultos da Vila Madalena. Ele estava no século 17, período dos desbravadores – no Brasil e no mundo – quando missões e expedições eram marcadas por conflitos brutais entre povos e também entre os homens e o meio natural, diante do qual os humanos precisavam se impor para não sucumbir. 

Olhar esses movimentos com a lente dos códigos civilizatórios atuais não é preconceito, é burrice. Houve brutalidade por parte de desbravadores e conquistadores, em práticas inaceitáveis pelos códigos modernos. Já a tentação genial de “cancelar” a história ou figuras proeminentes dela pode te fazer parecer bonzinho na cruzada da ignorância digital – mas aí você vai ter que dar uma recuada de uns quatro séculos para botar outro percurso histórico no lugar do que você quer apagar, do contrário você nem poderia estar aqui. Tá vindo de onde?

Cancelem os bandeirantes, os navegadores e os expedicionários em geral com sua ética de ocasião. Quem sabe no futuro apareça alguém para derrubar o monumento ao hipócrita anônimo.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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