A bravata é livre
Bravata não mata ninguém. Em geral, fala mais sobre o bravateiro do que sobre o bravateado
atualizado
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Fafá de Belém sugeriu receita gastronômica para envenenar Bolsonaro. Não é tão original assim. Brizola pediu o fuzilamento de Fernando Henrique. Inúmeras bravatas já insinuaram a eliminação de mandatários, tipo Gabriel Pensador cantando que matou o presidente (Temer). Dos seus cinco anos de mandato, Sarney passou pelo menos dois ouvindo praga de tudo quanto é lado. Bravata não mata ninguém.
Em geral, fala mais sobre o bravateiro do que sobre o bravateado. Quase sempre é alguém em busca de atenção tentando pegar carona em alguma claque momentânea. E é sempre bom lembrar que a atividade mais fácil do mundo é jogar pedra em governo – ser “contra tudo isso que aí está”, lição número um do revolucionário imberbe.
Em 1999, Leonel Brizola era um político decadente, cujo populismo tinha morrido na praia. Fernando Henrique Cardoso tinha sido reeleito prometendo não desvalorizar o real – e teve de iniciar o segundo mandato fazendo uma maxidesvalorização da moeda, após o agravamento da crise da Rússia. Passou o ano apanhando que nem boi ladrão – e, para ficarmos na metáfora bovina, a vaca quase foi pro brejo.
No brejo, estavam todos os que tinham engolido o sapo do sucesso do Plano Real, enfim, os que torcem contra. A crise era apetitosa para as cassandras, e Brizola achou que dava para pular algumas etapas, indo logo para a montagem do pelotão de fuzilamento. Fernando Henrique, por sua vez, não aprendeu nada e repetiu a covardia quase 20 anos depois pedindo a renúncia de Michel Temer.
Claro que o sociólogo educadíssimo não ia falar em fuzilamento. Mas o que se passou em 2017 foi uma conspiração tosca, operada pelo patético procurador-geral Rodrigo Janot (“enquanto houver bambu, vai flecha”) em colaboração com Joesley Batista – cuja delação arranjada acabou suspensa. E FHC aproveitou os holofotes da caçada para tentar empurrar Temer para fora do Palácio (“um gesto de grandeza”), superando Brizola na Escala Richter da covardia.
Foi aí que surgiu Gabriel Predador versejando sobre a sua felicidade por ter “matado o presidente”, no embalo dos mesmos holofotes que iluminaram até subcelebridades da música popular pedindo “Diretas Já” – num dos momentos mais patéticos da história da pantomima fantasiada de resistência democrática. Enfim, a bravata é livre.
Temer também não aprendeu nada. Já apareceu por aí em galhofas antigovernistas, inclusive “aconselhando” o atual presidente a tomar o caminho da roça e desistir de um novo mandato. A receita da Fafá de Belém é só uma alegoria malcriada para essa velha propensão à maledicência contra qualquer mandatário – o que, naturalmente, qualquer criança birrenta faz.
Nenhuma das bravatas acima descritas se referia a ações de governo – que é o que interessa na crítica a presidentes. Todas buscavam a caricatura pessoal do governante. O neoliberal, o vampiro, o fascista, etc. Entender o que de fato está acontecendo com as políticas públicas dá mais trabalho e menos munição ao franco-atirador. Ninguém escapa: nos seus dois primeiros anos de governo, Lula atuou em conjunto com a equipe antecessora para consolidar a estabilidade monetária – e isso não dava tanto ibope quanto suas dificuldades linguísticas e seus hábitos alcoólicos.
Cornetar é sempre mais fácil.