Vereador detido em Curitiba acusa PM de racismo e mentiras
“Policiais foram vendo os vídeos e adequando a versão na delegacia”, diz Renato Freitas
atualizado
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Renato Freitas, vereador de Curitiba pelo PT, acusou a Polícia Militar do Paraná de racismo e de mentir no boletim de ocorrência de sua detenção, na última sexta-feira. Em conversa com a coluna, o advogado de 37 anos chorou ao relatar outras prisões que sofreu por racismo na cidade e afirmou que apresentou no início do ano um projeto de lei na Câmara de Curitiba contra a violência policial.
Segundo o parlamentar, ele e seu amigo, David Eustachio, jogavam basquete na tarde da última sexta-feira, na Praça 29 de Março, região nobre de Curitiba. Eram os únicos negros ali. Do outro lado do parque, policiais militares abordaram um rapaz que fumava um cigarro “análogo à maconha”, conforme o boletim de ocorrência. Quando viram Freitas e Eustachio na quadra de esportes, foram até o campo e pediram para que abaixassem o volume da música. O grupo usava uma caixa de som durante o jogo.
“O PM entrou na quadra dizendo para o meu amigo, dono da caixa de som: ‘Abaixa essa bosta aí ou vou quebrar e levar para a delegacia com vocês junto’. Ele já começou a conversa num nível de tensão altíssimo. De imediato, percebi o ato claro de racismo. Havia cerca de dez pessoas na quadra. Só nós dois éramos negros. Então, perguntei por que o policial estava falando daquela forma, com preconceito. Meu amigo também questionou o agente, que respondeu: ‘O quê? Vai me bater?”. Toda a ação policial foi gravada pelo vereador e pessoas da praça.
Ainda de acordo com o vereador, o policial jogou a caixa de som no chão e chutou o equipamento. Em seguida, deixou a quadra e voltou com reforço policial para prender Freitas e Eustachio. Durante a detenção, os policiais tentaram algemá-los e colocá-los no porta-malas da viatura. O vereador, mestre em direito penal pela Universidade Federal do Paraná, informou que o STF havia definido que essas medidas só deveriam ser adotadas em casos excepcionais. A contragosto, foi atendido.
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“Policiais foram vendo os vídeos e adequando a versão”
Em seguida, a polícia foi questionada por outras pessoas do local por que havia ignorado o homem que supostamente fumava maconha, do outro lado da praça. Em resposta, a PM também levou esse rapaz à delegacia. Na 1ª Companhia do 12º Batalhão da PM, segundo o parlamentar, os policiais mentiram, acusando os detidos de terem chutado e cuspido nos agentes. Enquanto isso, a live que o vereador fazia durante a detenção se espraiava pelas redes, além de vídeos de pessoas da praça. Isso foi determinante para a mudança de versão da polícia, afirmou o vereador.
“Os policiais foram vendo os vídeos e adequando a versão. Primeiro, tinham alegado que havíamos agredido, desacatado, cuspido e chutado os agentes. Era tudo mentira, como os vídeos mostravam. Depois de quatro horas e meia na delegacia, fomos liberados”.
No boletim de ocorrência, a PM fez um relato bem diferente do parlamentar: a equipe policial tentou uma “resolução pacífica do conflito” e “tentou conversar”. Depois de atos “ríspidos” de Freitas e Eustáquio, a polícia “teve que utilizar de força moderada”. Quanto ao rapaz abordado por suposto uso de maconha, os policiais escreveram que na verdade ele carregava uma caixa de cigarros contrabandeados, e afirmou que esse homem “estava com os demais”, insinuando que os três eram amigos. Segundo o vereador, outra mentira. Não eram nem sequer conhecidos. “Imagine se fosse a gente com um cigarro de maconha. Seríamos o bode expiatório perfeito para a política de segurança pública deles”, analisou Freitas.
Os crimes apontados pela polícia no documento foram desobediência; perturbação do trabalho ou sossego alheio; resistência; e drogas para consumo pessoal, para o rapaz abordado antes do tumulto. Atribuir crimes a alguém sabidamente inocente é vedado pelo Código Penal e a Lei de Abuso de Autoridade, mas, procurada, a Secretaria de Segurança Pública do Paraná não respondeu.
Abordagem de 2017 causa choro
Renato Freitas se disse tomado por uma “profunda tristeza”, mas declarou não ter ficado surpreso com a ação da PM de Curitiba. Ele contou outras três abordagens truculentas e racistas nos últimos anos. Em 2016, quando tentava se eleger vereador pelo Psol, foi interpelado enquanto entregava panfletos e acusado de ter falsificado sua carteira da OAB. Na delegacia, foi deixado sem roupas. Dois anos depois, desta vez concorrendo a deputado estadual, também entregando material de campanha com amigos, levou tiros de bala de borracha. Mas o episódio mais marcante e que ainda leva o vereador às lágrimas ocorreu em 2017, num domingo de sol em meio ao clima festivo de um jogo do Coritiba, às portas do estádio Couto Pereira, também com o amigo David Eustachio.
“Eu fui atender um cliente de uma torcida organizada do Coritiba. Só havia brancos ali. No caminho, um policial militar ficou me encarando. Brinquei com o meu amigo: ‘Não é possível que vão nos enquadrar no meio dessa multidão’. Quando o jogo começou e a multidão entrou no estádio, depois que conversei com o cliente, os policiais nos abordaram. Jogaram nossas coisas no chão, colocaram arma na minha cabeça e nos acusaram de roubo de carro e celular, porque nossas descrições físicas coincidiam com denúncias anônimas. Fui humilhado na frente de clientes, que depois não me contrataram. O policial disse: ‘Seus lixos, quero ver vocês enterrados”, contou Renato Freitas, aos prantos. Como no ano anterior, em outra abordagem, havia sido acusado de fraudar a carteira da OAB ao se apresentar como advogado, daquela vez não mencionou sua profissão. A ação policial foi filmada por uma colega de direito na UFPR que passava pela rua.
(Atualização às 18h46 de 7 de junho de 2021: Em nota, a PM do Paraná declarou que seguiu as técnicas policiais e respeitou os direitos humanos. “A abordagem policial e a identificação a um agente da segurança pública são previstas na lei e instrumentos importantes para a identificação de pessoas em qualquer situação, seja ela corriqueira ou de crime ou contravenção”, acrescentou.)