UFRJ afirma que Melhem criou rede misógina para atacar denunciantes
Estudo em posse do Ministério Público de São Paulo analisou 77,9 mil posts em redes sociais e reportagens sobre o caso
atualizado
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O Ministério Público de São Paulo (MPSP) tem em mãos um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que apontou que Marcius Melhem, ex-diretor de humor da TV Globo réu por assédio sexual, criou uma comunidade virtual de teor misógino para atacar as mulheres que o denunciaram. O estudo identificou um comportamento orquestrado em busca de desmoralizar as denunciantes e até prejudicar campanhas publicitárias com uma de suas acusadoras.
A pesquisa foi produzida pelo Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais da UFRJ (NetLab), sob a coordenação das pesquisadoras Marie Santini e Débora Salles. O grupo analisou 77,9 mil posts de redes sociais e reportagens sobre o caso Melhem. Foram coletados conteúdos de sete plataformas: Facebook, Instagram, Twitter, YouTube, TikTok, WhatsApp e Telegram. O MPSP pediu acesso à íntegra do documento, que foi obtido pela coluna.
Em março, a coluna publicou uma entrevista exclusiva com algumas das mulheres que acusam Marcius Melhem de assédio sexual e moral. Um grupo de 11 pessoas que integraram ou integram a área de humor da TV Globo, contou, pela primeira vez, as experiências que viveram ao lado do ator. Depois, o diretor do “Zorra” Maurício Farias apontou supostas mentiras de Marcius Melhem, e o ator Luís Miranda confirmou o assédio de Melhem à colega Dani Calabresa. Também entrevistado na ocasião, Melhem negou ter cometido o crime e afirmou ser alvo de atos de vingança.
A pesquisa também identificou atuação do jornalista Ricardo Feltrin, defensor de Melhem nas redes, na mobilização para os ataques misóginos. O estudo destaca que Feltrin participou de uma live “red pill”, com conteúdo misógino. O termo se refere ao movimento que estimula o ódio contra as mulheres, em busca de uma suposta valorização da masculinidade. Procurado, o jornalista Ricardo Feltrin não quis se manifestar.
“Marcius Melhem e Ricardo Feltrin instigam e incitam suas audiências a se engajarem em ataques contra as denunciantes, criando uma comunidade com atuação multiplataforma que reforça violências e misoginia online”, afirmou o estudo. Segundo a pesquisa, “canais conservadores e antifeministas dão espaço aos argumentos de defesa de Melhem”.
Em linhas gerais, foram destacadas sete teses principais usadas pelo grupo de Melhem com o objetivo de desqualificar as denunciantes: as relações eram consensuais; nem sempre as mulheres têm razão; ele traiu, mas não assediou; a mídia busca fazer escândalo com o caso; as denunciantes buscaram roubar seu lugar na Globo; vítimas de assédio não agem dessa forma; e as mulheres prestam um desserviço ao feminismo. O estudo mostra que esses argumentos foram replicados por uma teia de perfis, em diversas redes.
No Instagram, a pesquisa mapeou uma ação direcionada para atacar campanhas publicitárias feitas pela atriz Dani Calabresa, uma das denunciantes de Marcius Melhem. Calabresa fez propagandas para as marcas Vigor e Óticas Diniz. De acordo com as pesquisadoras, os comentários nos posts da campanha cresceram rapidamente após uma ação “aparentemente” coordenada dos apoiadores de Melhem. Essas ondas aconteceram durante e depois de lives de Melhem no YouTube.
Nessas transmissões, Melhem dá dicas para o ataque à campanha da Vigor, com piadas usando o nome da marca. O ex-diretor agradeceu aos apoiadores por “comentarem com vigor” e pediu: “Façam muito barulho, mostrem as opiniões de vocês!”. Cerca de 80% dos comentários nessas campanhas publicitárias atacavam a atriz. Uma parcela expressiva dos perfis que comentou nas publicações das empresas também interagiu com as lives de Melhem. “Comportamento de trollagem, que busca descredibilizar, minimizar e ironizar as denunciantes”, afirmou a pesquisa da UFRJ.
Segundo o estudo, Melhem monetiza seu canal no YouTube, ou seja, receberia dinheiro com a audiência dos ataques às denunciantes. A maioria dos vídeos monetizados contra as denunciantes de Melhem foi produzida pelos canais de Marcius Melhem e Ricardo Feltrin. “Com a produção de conteúdo sobre o caso no YouTube, Melhem e Feltrin passam a integrar o ecossistema misógino pré-existente na rede”.
Ainda de acordo com a UFRJ, os comentários feitos nos vídeos do YouTube têm um padrão que indica que a ação foi orquestrada: “Os ataques são marcados por padrões de orquestração, como o frequente compartilhamento de comentários com textos idênticos e links de vídeos a favor de Melhem”.
Melhem é investigado no MPSP
Réu por assédio sexual contra três mulheres, Marcius Melhem também está sendo investigado pela suposta prática de violência psicológica e perseguição contra suas denunciantes, por meio de publicações nas redes sociais e em entrevistas à imprensa.
A investigação foi aberta em 22 de agosto pelo MPSP e mira vídeos que Melhem publicou em seu canal no YouTube, rebatendo as acusações feitas por Dani Calabresa e outras ex-colegas da Globo ao Metrópoles. O ex-diretor do núcleo de humor da emissora exibiu trocas de mensagens antigas com as mulheres, algumas delas com conteúdo sexual.
Na representação, o promotor Paulo Henrique Castex afirmou que as atrizes se dizem vítimas de uma campanha difamatória, o que teria gerado ataques de ódio na internet direcionados a elas e causado transtornos psicológicos e psiquiátricos.
A coluna enviou, na última sexta-feira (6/10), 12 perguntas a Marcius Melhem com trechos da pesquisa que permitissem a ele responder às indagações feitas. Melhem foi questionado, por exemplo, se concorda com a conclusão do estudo de que ele age de forma orquestrada e reforça a misoginia, e se incitou ataques às redes de empresas que patrocinam a atriz Dani Calabresa.
O humorista não respondeu a nenhum dos questionamentos. Os advogados de Melhem enviaram uma nota em que criticaram o estudo da UFRJ. “A pesquisa usa o nome e a credibilidade da UFRJ para imputar a Melhem a grave acusação de produzir desinformação. Um pretenso estudo que parece ter sido feito sob encomenda para servir como peça acusatória e tentar tirar de Melhem seu legítimo direito de defesa, razão única de ter criado seu canal”, afirmou, completando que o laboratório da UFRJ está “se deixando usar para disseminar uma grave fake news”.
“Ou trata-se de um estudo de metodologia duvidosa com inconsistências gritantes que precisam ser escondidas ou se esconde as informações de má-fé para não permitir que o estudo seja analisado, e eventualmente rebatido, com argumentos científicos rigorosos”, afirmou o comunicado da defesa de Melhem, alegando “narrativas falsas” do estudo: “É de se estranhar que uma universidade pública, centro público de excelência e orgulho de todos os brasileiros, seja usada agora para produção de narrativas falsas para atender ao interesse de um grupo”. “As conclusões encaminhadas soam mais como acusações”, acrescentou a nota.