Saúde mantém controle sobre verba e irrita Congresso
Ministério da Saúde pediu indicações para atender deputados e senadores; valor dessa liberação é R$ 3 bilhões
atualizado
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Pressionado pelo Congresso Nacional, o governo abriu um cadastro para verbas do Ministério da Saúde, mas sem dar qualquer parâmetro de quanto, de fato, cada município pode receber. Na prática, o ministério manteve o controle “técnico” sobre as verbas, o que irritou parlamentares.
O Ministério da Saúde tem um critério para definir os valores que envia a cada município. Os tetos, chamados MAC (média e alta complexidade) e PAP (piso de atenção primária), são definidos com base no número de habitantes e de procedimentos que normalmente são feitos naquele local.
Por isso, a cidade de Maceió (AL), com um milhão de habitantes, tem um teto MAC de R$ 31 milhões em 2023, enquanto a vizinha Rio Largo (AL), com 75 mil, tem apenas R$ 336 mil. Em emendas, as cidades não podem receber mais do que isso nessa modalidade específica.
Com o fim das emendas de relator, porém, R$ 9,6 bilhões do Orçamento de 2023 foram devolvidos do chamado orçamento secreto para a gestão dos ministérios, mas com o compromisso do governo Lula de que seriam pagos de acordo com critérios políticos, beneficiando aliados no Congresso.
Esses recursos, que antes eram formalmente emendas, passaram a ser verba discricionária dos ministros, ou seja, que eles podem gastar como quiser. Dessa forma, eles não obedecem ao limite PAP e MAC.
O governo, no entanto, não criou nenhum limite em valores para os pedidos sobre os R$ 3 bilhões que irá distribuir por meio do Ministério da Saúde. Pode haver, em tese, um pedido de R$ 30 milhões para Rio Largo e de apenas R$ 300 mil para Maceió, por exemplo — ficará a cargo do ministério aprovar ou não indicação.
No Congresso, assessores que trabalham com liberação de recursos no Executivo preveem bate-cabeça. Ao contrário do que ocorria com as emendas de relator (orçamento secreto), não há obrigação de o ministério pagar essas indicações. Os técnicos da Saúde podem não autorizar os repasses se não encontrarem critérios objetivos para beneficiar um município e não o outro. E estarão amparados pela lei.
Com essa estratégia, podem haver pedidos não atendidos por verbas, que vão gerar mais expectativa frustrada — tudo que o governo não precisa. Caso contrário, se deputados e senadores tiverem suas indicações obedecidas sem restrições, podem haver distorções graves no sistema de saúde.
Procurado, o Ministério da Saúde disse que irá respeitar critérios técnicos para decidir se atende ou não aos pedidos e esclareceu que a verba, por ser discricionária, não obedece ao teto de emendas.
“Os pagamentos regulamentados pela portaria 544/2023 dizem respeito a um recurso do orçamento discricionário do Ministério da Saúde previsto na LOA de 2023. Desta forma, as regras relativas a emendas parlamentares não se aplicam a esses valores”, disse resposta do órgão.
“A avaliação quanto à capacidade dos municípios de executarem os recursos solicitados será feita durante análise das propostas enviadas pelas prefeituras, seguindo critérios técnicos e objetivos explicitados na norma.”
A predileção do Congresso por verbas da saúde levou a desvios durante a gestão Jair Bolsonaro. Em julho de 2022, uma reportagem de Breno Pires mostrou que cidades inflavam os números de atendimentos no sistema de saúde para aumentar o teto de repasses nos anos seguintes.
Em outubro daquele ano, a Polícia Federal fez uma operação para prender suspeitos de desvios de verbas do SUS no Maranhão e no Piauí. O esquema era abastecido por emendas de relator repassadas no sistema “fundo a fundo”, do Fundo Nacional de Saúde para fundos municipais.