Presidente de estatal forçou demissão com prisão, diz funcionário
“Assina sua demissão ou vai sair daqui preso, algemado, vamos chamar a imprensa”, disse coronel, segundo servidor
atualizado
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O servidor público Fabio Carbonieri move um processo contra o coronel Ricardo Mello, presidente da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), empresa estatal federal, acusando-o da prática de assédio institucional. Segundo Carbonieri, no início do mês o coronel da reserva da PM ameaçou prendê-lo se não se demitisse.
Após 23 anos de trabalho na companhia, o hoje ex-técnico operacional de 45 anos acionou o Ministério Público do Trabalho (MPT) para retomar seu cargo e será ouvido pelos procuradores no próximo dia 10. Mas com dificuldade: urina na calça e tem taquicardias quando ouve falar na Ceagesp. Também tenta receber um atendimento psicológico na rede pública para lidar com o episódio.
Em conversa com a coluna por telefone, Fabio Carbonieri parecia estar apressado. Falava rápido, alto e num tom de quem tem urgência em contar um incidente.
De acordo com o ex-funcionário e a denúncia de assédio institucional ao MPT, obtida pela coluna, Carbonieri não recebeu nenhuma prova de ter cometido supostos desvios.
“O presidente (coronel Ricardo Mello) me disse que havia nove acusações contra mim. Eu falei: ‘Então deixe eu dar uma olhada’. Ele falou ‘Não, você não vai olhar. Ou você desce e assina sua demissão, ou vai sair daqui preso, algemado, vamos chamar a imprensa”, afirmou o servidor.
O Sindicato dos Empregados em Centrais de Abastecimento de Alimentos de São Paulo (Sindbast), onde o funcionário é dirigente, afirmou aos procuradores que a ação remete a “períodos ditatoriais”.
Esse caso também foi comunicado à Comissão de Direitos Humanos do Senado, que recebeu uma carta apontando “xingamentos e intimidações“ de militares contra servidores na Ceagesp.
O servidor contou que, na manhã do último dia 6, foi interrompido em seu trabalho por dois homens ostentando o brasão da PM de São Paulo, aparentando portar armas. Então, foi comunicado de que era acusado de “roubar energia elétrica”, e deveria ser levado ao gabinete do presidente da empresa.
No trajeto, o técnico foi ameaçado de prisão pela primeira vez. Foi pressionado a desligar o celular e foi xingado de “ladrão” e “verme”.
“Fui humilhado. Me chamaram de ladrão, disseram que eu participava de quadrilha, roubo de energia, e que eles não estavam de brincadeira. Me mandaram desligar o celular e não fazer gracinha, ou eu seria preso. Senti medo o tempo todo”, afirmou.
O constrangimento seguiu na curta conversa com o coronel Mello e no RH da Ceagesp, sempre rodeado por policiais, segundo Carbonieri. Depois de assinar a carta de demissão, foi acompanhado de volta até sua estação de trabalho, pegou seus pertences e foi levado para fora da empresa. Estava desnorteado.
“No RH, eu apontei para as funcionárias que estava com medo e não sabia o que escrever. Quando eu estava assinando a carta de demissão, havia um policial lá dentro, me encarando, e outro fora da sala, batendo na porta e me apressando. Depois, nem para casa eu fui. Não sabia nem o que falar para minha mulher, como olhar para meu filho”, declarou o funcionário, que promete lutar para voltar à empresa onde entrou por concurso em 1998.
“Quando me falam que eu tenho de ir à Ceagesp ou ao sindicato, que é lá dentro, rapaz, me dá uma mijadeira. O coração acelera, eu já tenho pressão alta, um negócio estranho, chego até a urinar um pouco na calça. Estou tentando marcar uma consulta no CAPS (Centro de Atenção Psicossocial da Prefeitura de São Paulo)”, afirmou.
Questionado sobre como se sentiu, não soube responder com exatidão. “Ansiedade, nervoso, medo, não sei”.
Coronel é indicação pessoal de Bolsonaro
“Acreditem: a indicação é pessoal minha”, disse Jair Bolsonaro em um vídeo publicado nas redes sociais em outubro do ano passado, ao divulgar a escolha do coronel Ricardo Mello para comandar a estatal. O coronel assumiu o cargo prometendo “combater a corrupção”.
Em 2017, quando assumiu a Rota, tropa da PM de São Paulo, Ricardo Mello defendeu abordagens policiais diferentes nos Jardins, bairro de elite da capital paulistana, e na periferia.
Segundo essa tese, o policial não seria “respeitado” se abordasse um morador de uma região pobre da cidade da mesma forma que faria com um paulistano em uma área nobre. E esse agente poderia ser “grosseiro” se agisse nos Jardins como na periferia.
A denúncia de assédio institucional — ameaças, perseguições e constrangimentos a servidores — no serviço público federal não é um caso isolado. O governo Bolsonaro já foi alvo de 734 denúncias desse tipo, segundo a Associação dos Servidores do Ipea (Afipea) e a Articulação Nacional das Carreiras para o Desenvolvimento Sustentável (Arca).
Os órgãos com mais reclamações foram Ministério da Defesa, com 23; Fundação Nacional do Índio, com 11; e Ministério da Saúde, com dez.
Procurada, a Ceagesp não respondeu.