Presidente da Anvisa reage a ameaças de morte: “Contra a democracia”
“É muito difícil lidar com isso”, disse Antonio Barra Torres em entrevista; presidente da Anvisa cobrou punição a ataque antivacina
atualizado
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O diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, afirmou que as ameaças de morte recebidas pela agência atentam contra o Estado brasileiro e a democracia. Em entrevista à coluna nesta sexta-feira (5/11), Barra Torres compartilhou as dificuldades de lidar com os ataques antivacina e cobrou punição para os autores das ameaças.
Desde a semana passada, a Anvisa recebeu três ameaças, cobrando que a agência não aprove a vacinação em crianças. Dias antes da primeira mensagem, a Pfizer anunciou que pediria o aval da Anvisa para estender a imunização para crianças de cinco a onze anos, como fez nos Estados Unidos.
“É muito difícil lidar com isso. É uma coisa muito grave. Se não for corrigida duramente agora, a gente abre um precedente muito grave de banalizar esse tipo de episódio. Amanhã surge outro, depois outro. Daqui a pouco o Estado democrático de direito deixa de existir”, afirmou Barra Torres.
Contra-almirante da reserva da Marinha, Barra Torres detalhou mais providências após as ameaças, disse torcer para que Jair Bolsonaro tome a vacina e desconversou sobre a atuação política de comandantes militares nas redes sociais.
Leia os principais trechos da entrevista:
Como o senhor soube da primeira ameaça de morte enviada à Anvisa?
A primeira ameaça chegou no último dia 28, quinta-feira, pelos e-mails das cinco diretorias da Anvisa. Os e-mails chegaram ao mesmo tempo, às 8h39 da manhã, e isso rapidamente se tornou o assunto entre nós. Num primeiro momento até foi cogitado se essa ameaça tinha fundamento. Mas por causa da minha formação militar, já fui encarregado de alguns inquéritos policiais militares, desde o primeiro momento eu valorizei e pedi seriedade no caso. Isso foi acatado por todos. Em seguida, acionamos as autoridades. No dia seguinte, recebemos outra ameaça, aparentemente de outra fonte. Mais recentemente, nesta semana, recebemos mais uma ameaça dessa segunda fonte. Então foram três ameaças. Passamos a viver um clima de insegurança, o que não é nada bom.
Nesse período, o senhor conversou com o presidente Bolsonaro?
Não. Naquele momento o presidente estava na Europa, nos afazeres do G20. Mas tomamos outras medidas. Ontem (quinta-feira, 4/11), solicitamos à Polícia Federal proteção para os nossos servidores que trabalham uniformizados em portos, aeroportos e fronteiras, nossos prédios em Brasília, nossos diretores, a presidência e a gerência geral de medicamentos, que trabalha com a vacina. Além disso, pedimos uma reunião presencial para as autoridades, incluindo o presidente, os presidentes da Câmara e do Senado, do STF, o diretor da PF. Entendemos que os documentos não são suficientes.
Como a Anvisa responde a essas ameaças?
Com trabalho. Todo nosso esforço vai se concentrar para que a ameaça não influencie no nosso trabalho. Temos de buscar energias, forças de onde não sabemos nem mais de onde tirar, porque todos estão trabalhando no limite. Confio nos servidores da agência. Vamos manter uma atenção muito firme em relação às respostas dos órgãos de apuração. O que talvez estejamos sentindo falta neste momento é da palavra das autoridades em público dizendo isso. Os servidores já viram que as atitudes que tínhamos de tomar já foram tomadas. Mas é necessário ouvir isso das autoridades de apuração.
As ameaças podem intimidar os técnicos da Anvisa?
Em absoluto. Não, não. A intimidação é o efeito desejado dessas forças, que talvez possamos chamar de antivacina ou coisas desse tipo. O que o ato de terror procura é colocar medo e cercear o trabalho. Não vamos deixar isso acontecer em hipótese alguma. É importante informar que até agora não há nenhum pedido de análise de vacina para crianças de cinco a onze anos. Mas tudo indica que o receberemos muito em breve. E vamos dar a mesma análise técnica, científica. A Anvisa é o elo do meio dessa linha da vacina. O primeiro elo é o produtor, o laboratório. O segundo é a agência reguladora. E o terceiro é o Ministério da Saúde, que aplica a vacina no braço dos cidadãos. Será que depois o foco será o ministério, as pessoas que trabalham nos postos de saúde? Será que os laboratórios serão ameaçados? Essas perguntas são muito graves. É preciso coibir de maneira enérgica esse tipo de atitude criminosa. Ameaça é crime. Não precisa nem concretizar.
No início da sua gestão, em março de 2020, o senhor foi criticado por acompanhar Bolsonaro em um protesto contra as instituições e descumprir medidas contra a Covid. Depois, o senhor se contrapôs publicamente ao presidente, inclusive na CPI da Pandemia. O senhor mudou nesse tempo?
Não tem mudança nenhuma. Tenho 57 anos. Acho muito complicado alguém na sexta década de vida mudar a personalidade em torno de um ano. Sempre fui o mesmo e continuarei sendo até quando Deus permitir. Os pontos que conflitam com o presidente ou qualquer outra autoridade brasileira existem na área do trabalho, no conceito que temos das coisas. Isso é natural. Não temos necessariamente que concordar com todos, nem 100% com os nossos próprios amigos. No evento de 15 de março, não fiz nenhuma manifestação contra as instituições como Congresso e STF. São órgãos pelos quais tenho o maior respeito e apreço. Na época se falou que eu poderia ter uma postura contra essas instituições. Isso não existe. Se eu ficar até o fim do meu mandato, em 2024, o que eu pretendo, haverá bastante tempo para que aqueles que não têm coisa melhor para fazer e querem me analisar possam fazê-lo de maneira bastante confortável. E as divergências são públicas. Quem atingiu sua maturidade não vai mudar isso de uma hora para a outra.
Então Bolsonaro, também em idade avançada, não mudará de opinião sobre a vacina, certo?
Acredito sempre no poder do convencimento. Você mudar um conceito não é sinal de imaturidade, mas de que você está com a mente sempre trabalhando. Eu ficarei muito feliz no dia em que o presidente se vacinar. Eu espero que ele mude esse conceito. Acredito em mudanças até os 45 do segundo tempo. Enquanto o juiz der condição de jogo, o gol pode ser marcado. Acredito e torço por isso. Não penso que seja razoável ninguém se apegar a um conceito, constate que era ilógico, inadequado, e não abra mão dele só por questão de orgulho. Não quero crer que seja isso.
O senhor acredita que a ameaça antivacina pode ter sido estimulada por autoridades, incluindo o presidente?
Não. Não penso que autoridade alguma tenha estimulado esse tipo de coisa. A própria Anvisa sofreu ao longo de sua trajetória na pandemia críticas e pressões de todos os matizes políticas, mas nunca vi nada parecido com ameaça clara e objetiva à vida humana. Como consta no primeiro e-mail, quem fizer determinada coisa “será morto”. E a fonte criminosa coloca que não é uma “ameaça”, é um “estabelecimento”. É uma coisa muito grave. Se não for corrigida duramente agora, a gente abre um precedente muito grave de banalizar esse tipo de episódio. Amanhã surge outro, depois outro. Daqui a pouco o Estado Democrático de Direito deixa de existir. Isso não pode ser.
Como militar com cargo no governo Bolsonaro, o senhor é uma exceção e não faz comentários políticos nas redes sociais. O que pensa disso?
Não tenho nenhuma rede social. Se você identificar alguém com meu nome, pode denunciar (risos). Nem sei usar, confesso. Não tenho muito interesse. Gosto muito da conversa frente a frente. Não sou comentarista político, não estudei para isso. O que eu tinha para comentar, comentei quando estava na ativa. Como militar da reserva, o livro está fechado e colocado de volta na estante. Como presidente de agência reguladora, o contribuinte, que é quem me paga, espera que eu seja gestor da agência, e não comentarista. Me mantenho na minha discrição, no meu quadrado, o que penso que reforça a credibilidade da agência. O cidadão tem de acreditar em alguma coisa. Espero que a Anvisa esteja incluída nisso.
O comandante da Aeronáutica curtiu um post no Twitter que comparava medidas sanitárias para combater a Covid ao comunismo.
Até nem sabia. Não tenho Twitter (risos) e não posso nem sequer tomar conhecimento disso.
Como está o clima na Anvisa após as ameaças?
Nenhum de nós é uma pedra, um bloco de granito. Somos feitos de carne e osso, emoções e sensações. É lógico que é um impacto quando nossos chefes e nossas chefes de família da Anvisa recebem essas ameaças. Foi uma ameaça a diretores, servidores e até a funcionários terceirizados, aos nossos prédios. Ou seja, o Estado brasileiro sofre uma ameaça dessa natureza. Essa ameaça precisa ser investigada, dura e exemplarmente combatida, até como um desestímulo a quem achar que é razoável atacar o Estado brasileiro dessa maneira. Não quero crer que vamos banalizar algo grave e que se for tratado de maneira mais elementar é um convite a que esse tipo de coisa venha se perpetuar. Ninguém quer isso. Estamos num compasso de atenção. Temos um desafio para o qual não há treinamento, preparo. É muito difícil lidar com isso.