“Por dignidade”, diz advogada que propôs descriminalizar aborto no STF
Professora da UFRJ, advogada Luciana Boiteux apresentou ação que pede ao STF a descriminalização do aborto até 12 semanas; leia entrevista
atualizado
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A semana foi de celebração para a advogada Luciana Boiteux, autora da ação que pede ao STF a descriminalização do aborto até 12 semanas de gestação. Boiteux já havia comemorado quando a ministra foi sorteada como relatora do processo. Em entrevista à coluna, a advogada defendeu que o Supremo vote pela descriminalização e assim o Estado proteja “mulheres da vida real”.
“Negras, mães solteiras, sem estrutura familiar e que ganham até um salário mínimo. São as mulheres que não conseguem pagar por abortos seguros e morrem de vítima de mortalidade materna”, afirmou Boiteux, que é professora de direito penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Atualmente vereadora carioca pelo PSol, Boiteux protocolou o processo no Supremo em 8 de março de 2017. O caso foi distribuído ao gabinete de Rosa Weber, que neste mês liberou a ação para julgamento virtual e deu o primeiro voto favorável. Weber se aposentará na próxima quinta-feira (28/9). A votação seguirá no plenário físico, mas ainda não há previsão para o julgamento. No STF, a expectativa é que só seja pautado no ano que vem.
O aborto é crime no Brasil, ressavaldas três exceções: gravidez decorrente de estupro; feto anencéfalo; e risco de vida à gestante.
Leia os principais trechos da entrevista.
Você apresentou a ação ao Supremo há seis anos e meio. Em que contexto isso aconteceu?
No final de 2016, o PSol elegeu onze vereadoras, entre elas Marielle Franco. A ação foi uma construção das mulheres do PSol. Fomos procurados pela professora Debora Diniz e fizemos uma parceria com o Instituto Anis. Protocolamos o processo em 8 de março de 2017, Dia Internacional das Mulheres. Avaliamos que o STF era o espaço mais aberto a esse debate. Citamos o aborto no primeiro trimestre, que é o que acontece na maioria dos países desenvolvidos. É um limite até bem conservador. Há países que estendem mais.
O STF teve três ministras em 132 anos de história, sendo duas atualmente no cargo. Portanto era mais difícil que o processo fosse sorteado para uma mulher. Isso ajudou no avanço da pauta?
Eu comemorei muito quando o processo foi distribuído para uma mulher. É o tipo da pauta que nos toca muito profundamente. A maior dificuldade de tratar desse tema no Parlamento é a ausência de representatividade. Na verdade, nem o STF nem o Parlamento são lugares em que as mulheres estão representadas proporcionalmente.
Na sua fala no julgamento, você defendeu a proteção a “mulheres da vida real”. Quem são?
Mulheres negras, mães solteiras, sem estrutura familiar e que ganham até um salário mínimo. São as mulheres que não conseguem pagar por abortos seguros. São a cara da mulher que morre de vítima de mortalidade materna. As pobres e negras são muito maltratadas e isso pode levá-las ao risco de morte. Muitas vezes, aqueles que têm o poder não estão conectados com a realidade.
Com a aposentadoria em breve da ministra Rosa Weber e com o julgamento pausado para ir ao plenário, qual é sua expectativa de que a ação volte a ser analisada?
É muito difícil ter uma expectativa. Vai depender do ministro Luís Roberto Barroso, o próximo presidente do Supremo, que é quem define a pauta. Como ele é reconhecidamente sensível à causa, imagino que ele vá esperar que a sociedade mature o voto da ministra Rosa Weber. Então acho que vai demorar um tempinho. Só espero que não demore eternamente [risos].
Em 2019, Barroso afirmou que “se homens engravidassem, o aborto já estaria resolvido há muito tempo”. Concorda?
Não tenho dúvidas. São 4 milhões de crianças sem o nome do pai na certidão de nascimento. Quem cuida dessas crianças? Quem sustenta? Foi muito importante a ministra Rosa citar no voto a moral da década de 1940, quando foi editado o Código Penal. A mulher tinha uma cidadania incompleta, pois estava sob o controle do poder patriarcal. Em 2023, a gente reivindica essa cidadania da mulher com uma posição igualitária. As mulheres não podem ser tratadas apenas como meras reprodutoras. Não é só autorizar o aborto, é ter uma política de acesso a métodos anticoncepcionais, educação sexual, para que a gente possa dar dignidade às mulheres em suas escolhas.