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Os “salves” que deflagraram a guerra entre PCC e CV

Mensagens de PCC e CV incluídas em estudo de pesquisadora mostram as divergências para guerra entre as duas maiores facções do país

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Rafaela Felicciano/Metrópoles; Reprodução/TV Record
Marcola e Marcinho VP
1 de 1 Marcola e Marcinho VP - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles; Reprodução/TV Record

A guerra entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), deflagrada em meados de 2016, foi precedida pela divulgação de “salves”, comunicados internos às facções e ao mundo do crime. As mensagens indicavam uma deterioração irreversível na relação anteriormente amistosa entre as facções paulista e carioca, as duas maiores organizações criminosas do Brasil.

O estudo “Dinâmicas de violência e políticas de segurança nas regiões brasileiras: o impacto das facções criminais — Macrorregião Norte”, da pesquisadora e professora da Universidade Federal do ABC (UFABC) Camila Caldeira Nunes Dias, mostra algumas dessas mensagens (veja abaixo).

Divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) dentro da publicação “Dinâmicas da Violência e da Criminalidade na Região Norte do Brasil”, a pesquisa também analisou o contexto de expansão das facções prévio ao conflito, seus motivos e desdobramentos.

A guerra aberta entre PCC e CV tem sido travada desde 2016, com momentos mais e menos agudos, sobretudo em rebeliões sangrentas dentro de presídios, e incluiu facções criminosas menores aliadas de cada uma delas em alguns estados. O conflito entre paulistas e cariocas e seus respectivos aliados também envolveu mortes fora das cadeias, que, como lembrou o estudo, contribuíram para elevar as taxas de homicídio no país.

Os “salves” das facções incluídos no estudo de Camila Dias mostram as brigas dos grupos criminosos entre si — e não somente por interesses comerciais conflitantes no tráfico de drogas. Segundo a pesquisadora, embora os interesses econômicos, o acesso a fornecedores, rotas de tráfico e territórios tenham sido inegavelmente componentes do rompimento, questões ideológicas, morais e estruturais de PCC e CV contribuíram para um tensionamento entre as facções, desde 2015.

“Os salves do PCC e do CV que anunciam a ruptura entre os dois grupos lançam mão de uma série de narrativas e argumentos de base moral e relacionados aos acordos tácitos ou explícitos vigentes entre os dois grupos, especialmente àqueles que concernem às posturas de cada um deles no âmbito do processo de expansão das respectivas facções e aos limites estabelecidos nessa competição – naquele momento, uma competição ainda fria e sem conflitos explícitos – em regiões diferentes daquelas nas quais esses grupos fincaram suas origens”, escreveu a estudiosa.

Veja a seguir as mensagens apresentadas no estudo:

PCC, junho de 2016: “Possível rompimento de diálogo com o CV”

O “salve” do PCC em junho de 2016 reclamou que o Comando Vermelho se aliava a inimigos da facção paulista em diversos estados e prometia retaliação: onde o PCC fosse predominante, o CV não “batizaria” mais criminosos afiliados — caso contrário, “padrinho” e “afiliado” deveriam ser executados. “Não procuramos ser donos do crime no País, mas nosso nome tem que ser respeitado”, disse a mensagem.

“Salve geral para os irmãos dos estados (…) Deixamos todos nossos irmãos cientes que em virtude de estarmos vivendo um momento conturbado em vários Estados do País, com inimigos se aliando ao CV, se fortalecendo contra nós, estamos em risco crescente em várias regiões.

Ocorre que sempre respeitamos todas as facções fora de São Paulo e não buscamos exclusividade (…). Porém estamos sendo tratados desta forma em várias regiões que predominam o CV. Nossa resposta será de igual, onde tivermos predominância, qualquer lugar que for, o CV não batiza mais ninguém e se ocorrer resistência, será aplicado os mesmos critérios que eles mesmos declararam contra nós, ou seja, o afilhado e o padrinho são decretados pelo Comando e devem ser executados (…).

Deixamos claro que não fomos buscar esse confronto de interesses e que aplicamos a ideologia do crime fortalece o crime. Não procuramos ser donos do crime no País, mas nosso nome tem que ser respeitado (…). Mais do que antes, estamos todos empenhados para uma positiva expansão da nossa ideologia. No país tem espaço para todos ganharem sua moeda e desenvolverem suas atribuições. (…). Todos os irmãos devem estar cientes de um possível rompimento de diálogo com o CV e da possibilidade de tomarmos algumas medidas preventivas para a segurança de todos irmãos do Comando (…).”

Comando Vermelho: “jamais fugiremos das guerras quando se fizer necessário”

Também em 2016, em um mês não especificado pela pesquisa, o salve do Comando Vermelho responde a um comunicado do PCC. O texto citou “amizade e respeito” entre as facções, mas apontou erros do PCC por “brecar o trabalho” em alguns estados, ressaltou que o “CV não recebe ordens de ninguém” e não descartou que a facção carioca fosse à “guerra”.

“Após reunião (…) chegamos a decisão de informar em forma de resposta ao Salve passado para nós pelos amigos do Resumo PCC, onde que temos uma grande amizade e respeito, queremos deixar claro aos amigos que não reconhecemos esse salve de outra facção porque somos CV e CV não recebe ordens de ninguém (…).

Sabemos distinguir o certo do errado. Respeitosamente através desse informativo humildemente queremos trazer a transparência para os amigos do Resumo que preservamos e vivemos pela paz. Porém jamais fugiremos das guerras quando se fizer necessário. Nós poderíamos de imediato diante desse salve brecar o trabalho dos amigos em alguns estados, mas em respeito ao PCC jamais iremos cometer um erro diante de outro erro cometido pelos amigos (…).

Onde sempre estivemos lado a lado buscando a sintonia perfeita pregando sempre a frente e a causa da nossa luta. Estamos espalhados em todos os estados do país fortalecendo o crime dentro dos nossos critérios ideológicos e não queremos brecar a evolução de ninguém mas também não aceitaremos parâmetros para nossa evolução (…). Temos uma proposta de fortalecimento para os amigos que acreditam na nossa ideologia e apresentamos nosso estatuto como referência do que buscamos (…).”

PCC, setembro de 2016: declaração de guerra ao CV após rebelião

No “salve” de 25 de setembro de 2016, o PCC divulgou um “comunicado geral” declarando guerra ao Comando Vermelho. Oito dias antes, integrantes da facção paulista mataram dez lideranças do CV em uma rebelião na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, na zona rural de Boa Vista, em Roraima. A mensagem cita as mortes como desfecho de alianças do CV com facções inimigas do PCC, depois de três anos em busca de “diálogo” com os cariocas.

“Comunicado geral A sintonia do Primeiro Comando da Capital vem por meio deste passar com total transparência a toda massa carcerária e todas as facções amigas o motivo que levou o tal ocorrido no Estado de Roraima. Acerca de três (3) anos buscamos um diálogo com a liderança do CV nos estados, sempre visando a paz e a união do crime no Brasil e o que recebemos em troca foi irmão nosso esfaqueado em Rondônia e nada ocorreu (…).

Como se não bastasse, se aliaram a inimigos nossos que agiram de tal covardia como o PGC que matou uma cunhada e sua prima por ser parentes de PCC, mataram 1 menina de 14 anos só porque fechava com nós. A mesma aliança se estendeu pra facção Sindicato RN que num gesto de querer mostrar força mataram uma senhora evangélica e tetraplégica e uma criança (…). Acreditamos que o crime do país não é cego e consegue enxergar com clareza o que realmente é desrespeito com familiares e quem deu pontapé inicial para essa guerra sangrenta que se iniciou. Para nós do PCC sempre foi mais viável a Paz, mais como nunca tivemos esse retorno por parte dos integrantes do CV que sempre agiram de ousadia nos desrespeitando e desafiando, acabamos chegando a esse embate (…).

Tivemos a ciência de que o CV soltou salves falando que desrespeitamos visitas, que fizemos familiares reféns, pura mentira, os familiares que retornaram para a unidade após o início do confronto não saíram por que não quiseram, teve familiares nosso também, ninguém sofreu nenhuma agressão. Quem fez familiares reféns em Rondônia foi o CV.

Estão agindo com tanto ódio e cegueira que tiraram a vida de 8 irmãos deles, por ai já dá para o crime do País ver a falta de preparo com a própria facção, agora imagina o crime do país sobre esse comando?

Fica aqui o nosso esclarecimento para todo o Crime do Brasil a realidade dos fatos e para aqueles que conhecem nossa luta e nosso trabalho e a sinceridade do Primeiro Comando da Capital o nosso forte e leal abraço. Estamos a disposição para esclarecimentos.

Resumo Disciplinar Estado e Países.”

 

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