Os dias de Di Cavalcanti como um mau funcionário do Departamento de Censura
Jornalista reconstitui período curioso da vida de Di Cavalcanti
atualizado
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A biografia de Di Cavalcanti que o jornalista Marcelo Bortolotti lança em outubro pela Companhia das Letras reconstitui um período curioso da vida do pintor, uma dos principais do modernismo brasileiro.
No início da década de 1930, Di, desempregado em São Paulo, conseguiu um cargo no Departamento de Censura, ligado à Secretaria de Segurança Pública do Estado. O ofício, estranho para um artista como ele, sabidamente mulherengo, boêmio e ligado ao Partido Comunista, chegou a ser denunciado no “Diário Nacional”, jornal conservador, que considerou uma verdadeira inversão da natureza das coisas, “estar a serviço da censura teatral e cinematográfica, para ‘zelar’ pela moral e bons costumes, nada mais nada menos que um comunista confesso, colaborador-caricaturista de conhecido órgão de esquerda”.
Bortolotti recupera na biografia alguns dos pareceres, em que Di dá razão ao diário paulista. Ao liberar “O andaime”, peça de Paulo Torres, por exemplo, escreveu Di, sem ligar para a inclinação à esquerda do autor:
“Nada oponho à representação de Andaime, comédia de um legítimo escritor brasileiro. Seria ridículo proibir a um artista, já conhecido por suas ideias, com livros publicados onde elas se afirmam, que trouxesse ao teatro seu ponto de vista”.
Di passou mais de um ano na função. Com a Revolução de 1932, que rompeu com a intervenção de Getúlio Vargas no em São Paulo, uma das primeiras medidas dos revolucionários paulistas foi mandar o censor liberal para a cadeia.
Em “Di Cavalcanti: modernista popular”, Bortolotti reuniu cerca de 13 mil documentos sobre o pintor, entre correspondência, escritos, ilustrações, documentos de cartório, fichas na polícia etc. O material ajuda a entender passagens até aqui pouco esclarecidas sobre Di, como suas prisões, suas amantes, sua vida em Paris, e seu envolvimento na Semana de Arte Moderna.