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“O Brasil perdeu tempo”, diz chefe da Apex sobre exportações aos EUA

Em entrevista à coluna, presidente da Apex, Jorge Viana, afirmou que Brasil está atrasado no comércio exterior

atualizado

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Marcelo Camargo/Agência Brasil
Jorge Viana
1 de 1 Jorge Viana - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Quem via a animada abertura do evento que a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) organizou na semana passada, em Washington (EUA), com diversos nomes do agro brasileiro, de setores como suco de laranja, carne, frutas, café, entre outros, podia facilmente confundir, pelo histórico da relação do setor com o governo Bolsonaro, que se tratava de um encontro dos bolsonaristas que, também naquele dia, discursavam em frente ao Capitólio sobre a suposta perseguição a Jair Bolsonaro. Mas não era.

O anfitrião era um petista, o ex-senador Jorge Viana (AC), que preside a agência de exportação no atual governo Lula, que, logo no primeiro ano, apresentou recorde histórico — não à toa o bom clima com o agro em Washington. Em 2023, o comércio exterior brasileiro teve saldo comercial próximo dos US$ 100 bilhões e aumento no número de empresas exportadoras. As exportações alcançaram US$ 339,67 bilhões, resultado inédito, superando em 1,7% os números de 2022.

Bom de diálogo, com boa interlocução nos Estados Unidos, Viana reunia pela primeira vez em anos adidos comerciais daquele país e do Canadá, a Secretaria de Promoção Comercial do Itamaraty, o corpo técnico e os gerentes da Apex e empresários brasileiros de diversos setores, não só do agro. As discussões, ao longo da semana, resultaram num mapa de possibilidades de exportações para empresas brasileiras, a ser lançado ainda este semestre. O objetivo é que qualquer empresa brasileira, de pequeno ou grande porte, tenha mapeadas as oportunidades para exportar para a maior economia do mundo.

As possibilidades são grandes em meio à briga comercial entre Estados Unidas e China, e à política americana de substituição das exportações chinesas or produtos de outros países.

Nesta entrevista à coluna, na Embaixada do Brasil em Washington, Viana disse que o Brasil está atrasado nessa corrida, que começou ainda na pandemia, e que, segundo ele, não foi aproveitada pelo governo Bolsonaro. Falou também sobre o que ocorrerá com essa estratégia caso Donald Trump saia vencedor em novembro, nas eleições americanas, e disse estar “a serviço do agronegócio”, segmento responsável pela explosão das exportações no ano passado.

Leia abaixo a entrevista.

Na mesma semana em que a Apex reuniu diversos nomes do agro em Washington, uma atividade promovida pelo governo do PT, parlamentares da oposição reuniram-se em frente ao Capitólio para um discurso em que denunciaram uma suposta perseguição a Bolsonaro. Mas os empresários do agro presentes no evento nem tocara no nome de Bolsonaro, a quem apoiaram no passado. Sua relação com o agro na Apex pode ser um modelo para o governo sobre como lidar com o segmento?

Eu não faço nenhum juízo daqueles que saem do Brasil, que vêm aqui para tentar falar mal do Brasil. É opção. Nós saímos do Brasil para vir falar das oportunidades que o Brasil pode ter na maior economia do mundo e das oportunidades que a maior economia do mundo pode ter no Brasil. A minha relação com o pessoal do agronegócio é extraordinária. Eu estou a serviço dessa luta, desse segmento econômico, até porque a maior presença do agronegócio brasileiro fora do Brasil é nos Estados Unidos. Não é na Europa, não é na Ásia, não é em nenhum outro continente. É aqui nos Estados Unidos. Aqui, quase 35% da proteína animal produzida na maior economia do mundo tem a chancela, a marca de empresas brasileiras que venceram. Do suco de laranja ao avião. Um terço dos aviões que pousam aqui, no aeroporto mais movimentado do ponto de vista doméstico de Washington, são aviões da Embraer. Cinco milhões de passageiros que transitam nesse aeroporto, por mês, transitam em aviões brasileiros. Isso não é pouca coisa. Temos tanta coisa boa para falar e para fazer em relação ao fluxo de comércio entre o Brasil e os Estados Unidos que eu não sei como alguns preferem vir com uma agenda tão negativa e tão fora de tempo e de propósito como vieram. São as escolhas da vida.

Qual é a razão do foco nos Estados Unidos neste momento?
O foco maior é o negócio. O negócio que atenda essa expectativa que a gente vive no Brasil hoje, de volta ao jogo, de retomada da presença do Brasil e do protagonismo brasileiro no cenário internacional, com o governo do presidente Lula. Não dá para ter um apetite de voltar para o jogo do mercado internacional, que é complexo, se não pensar nos Estados Unidos como uma prioridade. É a maior economia do mundo. É o segundo país de destino das nossas exportações, com valor agregado, com produtos industrializados, e é também o segundo fornecedor de produtos para o Brasil. Eu acho que não pode ter crise existencial do Brasil [em relação aos EUA] ou de preferências, como tinha no governo passado, em relação ao comércio exterior. Eu estou procurando ser o mais pragmático possível, como presidente da Apex, no sentido de que os Estados Unidos são uma prioridade, independentemente de um cenário político para lá ou para cá, como a Argentina tem que ser, como a China tem que ser, para citar três países que geraram conflitos no governo passado.

Temos alguns produtos brasileiros que ainda enfrentam barreiras tarifárias nos Estados Unidos, como o suco de laranja. Mas essa pauta de negociação, pelo lado americano, é atravancada pelo etanol. Há margem para conseguir negociar?
De fato, a grande cobiça dos Estados Unidos é colocar o etanol no Brasil, o etanol deles. Mas o Brasil é um grande produtor de etanol. Temos um etanol que vem agora do milho. Nós estamos trabalhando essa cadeia produtiva (do etano vindo do milho), que tem os Estados Unidos como líderes mundiais, de longe. Mas nós temos o etanol da cana-de-açúcar, que é fundamental. Eu diria que, talvez, o grande conflito nessa negociação é o açúcar. Os Estados Unidos têm uma lei antiga que estabelece cotas para o açúcar brasileiro, e o açúcar nos Estados Unidos tem um preço extraordinariamente atrativo [para o produtor brasileiro]. O nosso preço é muito melhor, [os EUA] remuneram muito bem e, quem sabe, nessa ideia de etanol americano no Brasil, e açúcar brasileiro nos Estados Unidos, encontramos uma mediação.

O New York Times foi mais um veículo estrangeiro a apontar recentemente a contradição entre o Brasil defender uma transição climática apostando tanto no petróleo. Nas conversas que tem tido nos Estados Unidos, quando se fala de energia limpa, que é uma das áreas em que se vê possibilidade de parceria comercial, essa contradição é apontada? O Brasil é cobrado sobre isso pelo empresariado ou é algo mais restrito aos fóruns sobre mudança climática?
Essa é uma pergunta muito difícil para mim, porque eu tenho uma origem de luta em defesa da floresta, trabalhei com o Chico Mendes e não pode pairar dúvida sobre o que eu acho que é o melhor caminho para ser feito. Mas eu tenho que ter um certo pragmatismo na hora em que eu trato disso. O Brasil tem o pré-sal. O nosso petróleo é muito melhor do que o petróleo que os Estados Unidos produzem, que a Rússia produz, que o mundo árabe produz. Eu estou falando em relação aos danos ambientais que o petróleo causa, que o combustível fóssil causa. Aliás, a gente vive essa crise por conta do uso de combustíveis fósseis. Eles são a grande fonte da crise. Mas o Brasil tem o direito de fazer uma transição energética, explorando o seu petróleo, que o mundo consome e vai consumir por alguns anos, porque o Brasil tem uma matriz energética limpíssima, exemplar na geração de energia, e tem também uma matriz energética muito boa na mobilidade veicular. Não dá para o Brasil, que ainda tem como propósito aumentar o padrão de vida dos brasileiros e diminuir as desigualdades, abrir mão de uma cadeia produtiva que tem mercado e que tem consumo. Então, tem que ter um certo pragmatismo, e isso não pode implicar em nenhum juízo do que eu penso que deve e o que não pode.

O objetivo de aumentar a troca comercial com os Estados Unidos pode ser prejudicado se Donald Trump vencer?
Fizeram-me essa pergunta quando houve o resultado da eleição na Argentina. É óbvio que eu também tenho minhas preferências, mas elas não estão na linha de prioridade nesse momento, seja na Argentina, seja aqui. Negócios à parte… Na missão que eu tenho, no trabalho que o governo do presidente Lula quer fazer, e tem se empenhado pessoalmente, trazendo a diplomacia presidencial de volta, tem que ter pragmatismo. Nós temos que nos inspirar um pouco no que o Itamaraty, que é nosso grande parceiro, deve fazer sempre. É uma política de Estado. Se houver algum senão sobre os governos, não pode ter sobre o país. Os Estados Unidos vivem um conflito com a China desde 2018, um conflito comercial. Não estou entrando na esfera política. E resolveu substituir sua dependência da China, que passava dos 20% até 2018. Isso foi especialmente reforçado com o pós-pandemia, em que houve a leitura de que tinha um grau exacerbado de dependência do mundo inteiro da China. E, hoje, as importações da China nos Estados Unidos beiram uns 10%.

O Brasil perdeu tempo no governo Bolsonaro?
O Brasil perdeu tempo. O Brasil poderia ter sido um dos países líderes nessa substituição dos produtos chineses. Nós perdemos uma janela de oportunidade, mas ainda estamos tentando fazer isso. Quem se aproveitou muito bem disso foi o México, por exemplo. A nossa ideia é essa: fazer uma disputa, porque temos uma logística boa, temos produtos de qualidade, e os Estados Unidos compram manufaturas, compram produtos industrializados nossos. Essa área toda de transição energética, que esse país aqui está investindo bilhões de dólares desde a época do Obama, é uma opção. Há todo um conjunto de componentes de automação de equipamentos que o Brasil tem, porque o Brasil desenvolveu isso já há algum tempo. Então é um mercado enorme que se abre. E a relação do pessoal do agro é muito boa, esse pessoal venceu aqui. Nós temos empresas como JBS, Marfrig, BRFFood, Minerva. O pessoal da área de citros. Não é fácil, porque há muitas barreiras aqui, e eles conseguiram se firmar aqui. Isso deve servir de estímulo. Se conquistaram a maior economia do mundo, uma economia muito exigente, o Brasil está habilitado para conquistar qualquer espaço no mundo.

Quais são os outros mercados que são prioritários para Apex, tal qual os Estados Unidos?
Nós vamos lançar agora uma publicação de atração de investimentos e de oportunidades entre Brasil e Estados Unidos. Devemos lançar essa publicação aqui nos Estados Unidos, daqui a uns dois ou três meses, e no Brasil também. Ela traz um mapa. Só nessa publicação nós devemos apresentar mais de 900 oportunidades de produtos e negócios que podem ser feitos. O Brasil, por exemplo, exporta mel em tonel para os Estados Unidos. E os Estados Unidos distribuem esse mel no mundo inteiro com marcas. Nós podemos valorizar o nosso pequeno produtor de mel. Nós podemos valorizar o nosso mel orgânico, fazer isso e trazer a nossa marca. Nós exportamos café para os Estados Unidos café, mas o café verde, em saca de 60 quilos. E os Estados Unidos são um dos países que mais ganham dinheiro com café sem ter plantação de café, porque eles industrializam o produto, eles têm as cafeterias famosas. Nós vamos reforçar essa tese da Embraer aqui. Agora, a Índia, o país mais populoso hoje do mundo, é uma prioridade. Então vamos fazer um mapa de atração de investimentos com a Índia. Estamos também prontos para fazer o mapa de atração de investimento com a China. Não podemos deixar de ter a China como um país prioritário. Acabamos de lançar, no ano passado, com a União Europeia. Então, veja, os maiores produtores de alimentos do mundo são Estados Unidos, União Europeia e Brasil. Nós estamos nesse triângulo que pode garantir segurança alimentar para o mundo. E não é fácil. Daí a importância de a gente estar muito próximo do pessoal do agronegócio, de a gente trabalhar nos mercados para fazer o Brasil competitivo no mundo.

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metropoles.comGuilherme Amado

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