O artífice da Ferrogrão que integra ONG ambiental de Sebastião Salgado
Guilherme Quintella, um dos artífices do projeto da Ferrogrão, é destinatário de carta aberta assinada por mais de 20 entidades
atualizado
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Um dos artífices do projeto da Ferrogrão, ferrovia de 933 quilômetros entre Sinop (MT) e Miritituba (PA), entrou na mira de entidades contrárias à obra por ocupar também uma posição de destaque em uma organização ambientalista.
Guilherme Quintella, diretor-presidente da EDLP, é o destinatário de uma carta aberta a ser publicada na segunda-feira (24/6) por 20 entidades representantes de povos indígenas, agricultores, movimentos sociais e comunidades tradicionais da região do Tapajós e do Xingu, que apontam falta de coerência dele.
Além da chefia da EDLP, Quintella é vice-presidente do conselho diretor do Instituto Terra, organização fundada por Sebastião Salgado, um dos maiores nomes da fotografia mundial, e a mulher dele, Lélia Deluiz Wanick Salgado, ambos ativistas ambientais.
A carta aberta pede que Quintella “abandone e denuncie o projeto da Ferrogrão e pare de ajudar na destruição dos nossos territórios e do futuro do planeta”.
A carta ao executivo afirma que as comunidades não foram ouvidas sobre a Ferrogrão e que o projeto vai na “contramão” dos valores do Instituto Terra. Os signatários dizem que, antes mesmo da construção, a obra intensificou casos de grilagem, invasões, desmatamento, destruição e poluição de igarapés e ameaças.
A carta aberta é assinada por Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB); Associação das Comunidades de Montanha e Mangabal; Associação Iakiô; Associação Pariri; Coletivo de Mulheres Indígenas As Karuana; Comissão Pastoral da Terra – Itaituba; Comissão Pastoral da Terra – Regional Pará; Conselho Indígena Munduruku do Planalto; Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA); Conselho Indígena Tupinambá do Baixo Tapajós, Amazônia (CITUPI); Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB); Federação das Associações de Moradores e Comunidades do Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande (FEAGLE); Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS); Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Mato Grosso (FEPOIMT); Guardiões do Bem Viver; Instituto Kabu; Instituto Raoni; Movimento Tapajós Vivo; Movimento Xingu Vivo para Sempre; Rede Agroecológica Trairão; Rede Xingu+; e Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém
A coluna entrou em contato com Guilherme Quintella para ouvi-lo sobre a carta que aponta falta de coerência em sua posição. O empresário não respondeu sobre isso, mas enviou uma nota em que disse que a Ferrogrão é “um projeto do governo federal, incluído no PAC e conduzido pelo Ministério dos Transportes” e que assuntos relacionados à ferrovia devem ser encaminhados às “autoridades responsáveis”.
Veja a íntegra da carta:
Prezado Guilherme Quintella,
Escrevemos essa carta juntos, povos indígenas, agricultores e agricultoras, movimentos sociais e comunidades tradicionais da região do Tapajós e do Xingu, depois que você procurou algumas de nossas lideranças. Como não sentamos sozinhos para conversar com empresas e seus representantes, te convidamos para uma reunião durante o Acampamento Terra Livre, mas, depois de aceitar, você disse não poder participar. Então agora nós te escrevemos para que não tenha dúvidas da nossa posição e esperando que você tome a decisão certa: abandone e denuncie o projeto da Ferrogrão e pare de ajudar na destruição dos nossos territórios e do futuro do planeta.
É isso mesmo. Na contramão da missão e valores do próprio Instituto Terra, você e sua empresa já estão promovendo essa destruição antes mesmo de uma decisão sobre a Ferrogrão ter sido tomada: só a possibilidade dessa ferrovia da morte ser construída já faz com que exista ainda mais pressão sobre nós e sobre os nossos territórios. É muita grilagem, é muita especulação, é muita invasão, é muita ameaça, é muito desmatamento, é muita poluição e destruição dos nossos rios, dos igarapés… E tudo isso em cima de um monte de problemas que a gente já enfrenta há muitos anos!
Muitos de nós já sofremos muito com a construção da BR 163 e com o complexo portuário já instalado na região do Tapajós, que não trouxe benefícios e sim muitas violações de direitos. O povo Panará quase acabou, e muitos morreram. Desde então as plantações de soja e milho só aumentaram e vão aumentar ainda mais se você e sua empresa continuarem apoiando esse projeto da Ferrogrão. Vão derrubar mais floresta para plantar mais soja e milho, vão jogar veneno, e o veneno vai descer e vai envenenar mais os peixes. Vão destruir mais o rio para fazer hidrovias para as barcaças, e vão fazer ainda mais portos que não deixam a gente pescar.
E tudo isso para que? Para dar mais dinheiro para empresas estrangeiras gigantescas? Para facilitar o lucro da Cargill, ADM, Bunge, Louis Dreyfus e Amaggi, enquanto a gente não tem terras demarcadas, não tem direitos respeitados? Nós nem fomos consultados! Você e todos os empresários, políticos e financiadores têm a obrigação de ouvir a nossa voz e respeitar os protocolos de consulta e nosso direito a veto. Deveriam fazer isso pelo bem de vocês, pois a Ferrogrão ameaça todas as gerações que ainda vão vir. O futuro de todos vai ser destruído se a destruição da Amazônia e do Cerrado continuar.
O fato de um trem soltar menos fumaça do que uma frota de caminhões não significa que a Ferrogrão seja boa. Se tivessem feito estudos direito e ouvido os povos e as comunidades afetadas, vocês talvez soubessem disso. Pois saibam: nós não vamos aceitar que a soja e o milho engulam ainda mais os nossos territórios. Não vamos permitir que a Ferrogrão faça ainda mais mal para a natureza para dar mais dinheiro para empresas estrangeiras. Nós já sofremos demais e isso tem que parar. Você e sua empresa podem escolher estar do lado certo da história e em linha com os princípios do Instituto Terra do qual você é vice-presidente do conselho diretor. Pense em nós, e pense nos seus filhos, nos seus netos e na saúde do planeta
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