metropoles.com

Número 2 da Igualdade Racial: 30% de negros no governo seria só o começo

Em entrevista à coluna, Roberta Eugênio defendeu vagas para negros no serviço federal; “Diversidade não é ter dois negros entre 40 brancos”

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
Divulgação
Roberta Eugênio, secretária-executiva do Ministério da Igualdade Racial
1 de 1 Roberta Eugênio, secretária-executiva do Ministério da Igualdade Racial - Foto: Divulgação

O terceiro andar do bloco C é diferente de todos os outros da Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Mulheres e homens negros ocupam quase todos os cargos de liderança, a começar pelo mais alto. Na primeira mesa da repartição, foi estendido um lenço amarelo em homenagem a Marielle Franco, vereadora cuja morte completa cinco anos na próxima semana. A poucos metros dali fica o gabinete da irmã de Marielle, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco.

A número dois de Anielle é a advogada Roberta Eugênio, que ajuda a coordenar o ministério recriado depois de sete anos. Em entrevista à coluna, Eugênio defendeu a reserva de pelo menos 30% das vagas do serviço público federal para negros. O ministério está debruçado sobre o tema e prepara uma proposta de decreto ao Planalto.

“30% [das vagas] é só o começo de uma conversa. É uma conversa para a mudança de uma realidade. Não deveria ser um espanto”, disse a secretária-executiva, que, assim como a ministra, entrou na Universidade Estadual do Rio de Janeiro por meio da política de cotas raciais.

Mestre em direito, Roberta Eugênio afirmou também que a pasta estuda criar um programa social para quilombolas e estruturar um Museu do Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, o maior porto negreiro das Américas no século XIX.

Leia os principais trechos da entrevista:

Quais programas sociais têm sido estudados pelo Ministério da Igualdade Racial, recriado depois de mais de sete anos?
Vamos relançar o Aquilomba Brasil, um programa inspirado no Brasil Quilombola, lançado em 2007, durante o segundo mandato do presidente Lula. Naquela época, os focos eram a regularização fundiária, as cessões de terra às comunidades quilombolas e as indenizações a essas pessoas. Agora, será um programa social amplo: passará também pelo acesso à educação, ao emprego, à saúde e à alimentação. Nosso secretário que cuida desse assunto, Ronaldo dos Santos, vem de uma comunidade quilombola em Paraty (RJ) e foi diretor da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). Vários ministérios vão nos auxiliar no programa. Com a Saúde, vamos retomar o Programa Nacional de Saúde da População Negra.

Por que o ministério pretende rebatizar o programa Juventude Viva para Juventude Negra Viva?

O Juventude Viva já era um programa voltado para os negros, mas o novo nome do programa busca resgatar essa conexão, até como um processo educativo. O racismo desumaniza de tal modo as pessoas negras que as crianças e os jovens negros não são considerados como tal. As crianças negras são adultizadas, os jovens negros são criminalizados. O programa considera que o enfrentamento ao genocídio dessa juventude não se dá apenas pelo eixo da segurança pública, mas de mais acesso a educação, cultura, transporte e emprego. A gente sempre olha para a juventude negra a partir dessa chave entre a morte e a relação com a segurança pública. A gente quer discutir a vida da juventude, e não apenas a morte.

Roberta Eugênio, secretária-executiva do Ministério da Igualdade Racial

O ministério prepara uma proposta de decreto ao Planalto para reservar vagas para negros no serviço público federal. A ministra Anielle Franco citou um possível percentual de 30%. Com que cenário vocês têm trabalhado?
Eu e a ministra Anielle somos fruto de políticas de cotas raciais na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). É uma resposta a todos que perguntam qual é o resultado dessas políticas. Algumas vezes existe um medo de que a população negra esteja sobre-representada. A população negra já é sub-representada de uma forma muito grave. 30% é só o começo de uma conversa. É uma conversa para a mudança de uma realidade. Não deveria ser um espanto. É dar condições mínimas e democráticas de acesso de alguns grupos que historicamente foram submetidos às mais graves violências, pelas quais a sociedade nunca se responsabilizou. Vamos fazer um programa nacional de políticas afirmativas, pensando em eixos que passem tanto pelo acesso à educação, mas também pela permanência dessas pessoas nos estudos. As ações afirmativas são a principal política que o Brasil desenvolveu de reparação à população negra. É uma política que foi questionada desde o seu nascimento. Isso é vinculado à mentalidade racista sobre o acesso da população negra. Para muitos, as cotas são um benefício indevido. Para nós, têm relação muito mais com uma reparação e responsabilização do Estado.

Que ações o ministério tem tomado sobre as pessoas resgatadas de trabalho escravo em vinícolas gaúchas? Praticamente todas são negras.
Enviamos ofícios para as autoridades locais e estamos acompanhando o caso de perto. Estudamos também se vamos criar um Disque Racismo, um canal próprio para colher denúncias desse crime. Esse canal já existe no Disque 100, o Disque Direitos Humanos, mas avaliamos algumas mudanças, inclusive o treinamento dos funcionários que recebem essas denúncias.

Como estão os estudos para a criação de um Museu da Escravidão no Brasil, no Cais do Valongo?
Na viagem aos Estados Unidos com o presidente Lula no mês passado, a ministra Anielle Franco se encontrou com os diretores do Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana, em Washington. Vamos retomar o grupo de trabalho com diversos órgãos públicos, que vai tratar sobre esse museu do Cais do Valongo. O nome do museu não está fechado. O acervo arqueológico do Cais do Valongo é um patrimônio cultural inestimável e que está abandonado. É necessário compreender que o resgate de memória, justiça e verdade sobre a escravidão no Brasil é um dos pilares pelos quais o país precisa passar para pensar nas políticas para o futuro. A gente não consegue seguir em frente sem olhar para o passado.

Como é estar na linha de frente do Ministério da Igualdade Racial depois de anos de ataques racistas feitos publicamente dentro do próprio governo federal? 
No dia 27 de fevereiro, tivemos uma das primeiras reuniões gerais aqui no ministério. A ministra quis ouvir como cada um estava. Algumas palavras foram recorrentes: entusiasmo, orgulho e esperança. Voltamos para fazer aquilo que deve ser feito para a população negra. Nos sentimos muito emocionados, responsáveis e atentos. Chego todos os dias entre 7h e 8h e as pessoas já estão aqui. Tem um servidor que deve dormir aqui [risos]. Eu saio depois das 21h e ele ainda está aqui. É uma equipe com muita energia.

Qual é o percentual de funcionários negros no ministério?
Os cargos ainda estão sendo preenchidos, mas consigo te dizer que temos pessoas negras em todos os principais cargos de gestão e liderança, ou pelo menos em 95%. São secretários, diretores e também a ministra. Certamente é a maior proporção da Esplanada dos Ministérios. Mas as políticas de promoção da igualdade racial são para toda a população, e de responsabilidade de todos. Precisamos pensar sobre a inclusão não apenas neste ministério. Temos que parar de naturalizar que a diversidade é ter duas, três pessoas negras dentro de um mar de dez, 30, 40 pessoas brancas. A diversidade também pode ser o contrário, né? Aqui é o contrário. Aqui temos diversidade, nós temos pessoas brancas [risos]. É um ministério diverso.

10 imagens
Crime imprescritível é aquele que não prescreve, ou seja, que será julgado independentemente do tempo em que ocorreu. No caso do racismo, a Constituição Federal de 1988 determina que, além de ser imprescritível, é inafiançável
O racismo está previsto na Lei 7.716/1989 e ocorre quando pessoas de um determinado grupo são discriminadas de uma forma geral. A pena prevista é de até 5 anos de reclusão
Segundo o advogado Newton Valeriano, “quando uma pessoa dona de um estabelecimento coloca uma placa informando "aqui não entra negro, ou não entra judeu", essa pessoa está cometendo discriminação contra todo um grupo e, dessa forma, responderá pela Lei do Racismo”
Ainda segundo o especialista, “no caso da injúria racial, prevista no Código Penal, a pena é reclusão de 1 a 3 anos, mais multa. Nesses casos, estão ofensas direcionadas a uma pessoa devido à cor e raça. Chamar uma pessoa de macaco, por exemplo, se enquadra neste crime”
Em situações como intolerância racial e religiosa, a vítima deve procurar as autoridades e narrar a situação. “Se o caso tiver sido filmado, é importante levar as imagens. Se não, a presença de uma testemunha é importante”, afirmou Valeriano
1 de 10

No Brasil, os termos racismo e injúria racial são utilizados para explicar crimes relacionados à intolerância contra raças. Apenas o primeiro é considerado imprescritível

Ilya Sereda / EyeEm
2 de 10

Crime imprescritível é aquele que não prescreve, ou seja, que será julgado independentemente do tempo em que ocorreu. No caso do racismo, a Constituição Federal de 1988 determina que, além de ser imprescritível, é inafiançável

Xavier Lorenzo
3 de 10

O racismo está previsto na Lei 7.716/1989 e ocorre quando pessoas de um determinado grupo são discriminadas de uma forma geral. A pena prevista é de até 5 anos de reclusão

Vladimir Vladimirov
4 de 10

Segundo o advogado Newton Valeriano, “quando uma pessoa dona de um estabelecimento coloca uma placa informando "aqui não entra negro, ou não entra judeu", essa pessoa está cometendo discriminação contra todo um grupo e, dessa forma, responderá pela Lei do Racismo”

Dimitri Otis
5 de 10

Ainda segundo o especialista, “no caso da injúria racial, prevista no Código Penal, a pena é reclusão de 1 a 3 anos, mais multa. Nesses casos, estão ofensas direcionadas a uma pessoa devido à cor e raça. Chamar uma pessoa de macaco, por exemplo, se enquadra neste crime”

Aja Koska
6 de 10

Em situações como intolerância racial e religiosa, a vítima deve procurar as autoridades e narrar a situação. “Se o caso tiver sido filmado, é importante levar as imagens. Se não, a presença de uma testemunha é importante”, afirmou Valeriano

FilippoBacci
7 de 10

No caso do racismo, qualquer pessoa pode denunciar, independentemente de ter ou não sofrido a situação. Para isso, basta procurar uma delegacia e relatar o caso. Se for de injúria racial, no entanto, é necessário que a vítima procure pessoalmente as autoridades

LordHenriVoton
8 de 10

Além disso, a vítima também pode pedir uma reparação de danos morais na Justiça

LumiNola
9 de 10

Recentemente, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o crime de injúria racial é uma espécie de racismo e, portanto, é imprescritível. Os ministros chegaram ao posicionamento após analisarem o caso de uma idosa que chamou uma frentista de “negrinha nojenta, ignorante e atrevida”

Marcelo Camargo/Agência Brasil
10 de 10

Plenário do Senado Federal

Waldemir Barreto/Agência Senado

Quais assuntos você deseja receber?

Ícone de sino para notificações

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

Ícone de ajustes do navegador

Mais opções no Google Chrome

2.

Ícone de configurações

Configurações

3.

Configurações do site

4.

Ícone de sino para notificações

Notificações

5.

Ícone de alternância ligado para notificações

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comGuilherme Amado

Você quer ficar por dentro da coluna Guilherme Amado e receber notificações em tempo real?