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Não remoer ditadura é erro que se repete, diz jornalista e escritor

Lucas Figueiredo, que investiga a ditadura militar, vê poder civil tutelado por Forças Armadas quase 4 décadas após fim do regime

atualizado

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Arquivo Público do Distrito Federal
Golpe de 1964
1 de 1 Golpe de 1964 - Foto: Arquivo Público do Distrito Federal

A decisão de Lula de, em nome da manutenção de boas relações com as Forças Armadas, não relembrar o golpe militar de 1964, que completou 60 anos nos últimos dias, é a prova de que o poder civil no Brasil segue tutelado pelo poder militar, 39 anos depois do fim da ditadura (1964-1985). A avaliação é do jornalista e escritor Lucas Figueiredo, que investiga o regime e é autor de sete livros, primeiro entrevistado pela coluna na série de lives “Remoer para não se repetir”.

Na entrevista, Figueiredo lembrou como todos os presidentes eleitos desde 1985, de Tancredo Neves a Lula 3, tiveram dificuldades com a caserna, com sua autoridade testada pelos militares. O episódio mais notório do que ele chama de “cultura golpista” das Forças Armadas foi o 8 de Janeiro, antecedido por maquinações golpistas no governo Bolsonaro que envolveram oficiais da ativa.

O jornalista avalia que, enquanto estratégia política, a contenção diante dos militares é um erro grave, que corrobora a ideia de que há um poder civil tutelado pela Forças Armadas no país.

“Isso é uma estratégia política que está sendo adotada desde Tancredo, em 1985, e ela não está funcionando, é um erro. Os presidentes civis eleitos pelo povo estão tentando fazer mais ou menos isso, não remoer o passado, com diferenças aqui e ali. Mas, grosso modo, é isso que a gente faz há 39 anos. E o 8 de Janeiro é prova de que isso não deu certo. É preciso rever essa estratégia. Se a questão é garantir a democracia, a estratégia está errada”.

Na entrevista, Lucas Figueiredo lembrou sublevações militares da segunda metade do Século XX que precederam 1964, durante os governos Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros, e apontou o sentimento das Forças Armadas como “poder moderador” – tese estapafúrdia que o STF vai enterrar nos próximos dias, ao concluir um julgamento na Corte no qual já há maioria contra essa ideia.

Para ele, se os presidentes civis seguirem agindo tal como Lula e seus antecessores, episódios de turbulência com a caserna, a exemplo do 8 de Janeiro, devem se repetir: “os militares têm uma cultura golpista, eles se acham como poder moderador há quase um século”.

“Há 39 anos a gente saiu de uma ditadura e iniciamos uma transição democrática, mas até hoje não se tem o poder militar subordinado ao poder civil. Então a gente saiu de uma ditadura e não chegamos à democracia. Estamos numa transição e é isso que precisa ficar bem claro para todo mundo. Não completamos a transição democrática porque o poder militar ainda não se subordina ao poder civil, o poder civil ainda vive sob a tutela”, disse.

Comissão da Verdade foi positiva a militares

Pesquisador da Comissão Nacional da Verdade (2012-2014) instaurada durante o governo Dilma Rousseff para investigar violações aos direitos humanos pelo regime militar, Lucas Figueiredo avaliou que a comissão, na realidade, “caiu como uma luva” às Forças Armadas, por não ter podido funcionar como deveria.

Isso porque, relatou ele, os militares não forneciam acesso a documentos sensíveis de ações como o combate à Guerrilha do Araguaia – era comum dizerem que os registros haviam sido destruídos.

“A comissão é criada para dar errado. Ela não tinha tempo, não tinha meios, não tinha condições de fazer e ela não tinha respaldo do Executivo. Nós, que estávamos lá dentro, qualquer documento que se pedisse aos comandos militares, os documentos mais sensíveis, não eram atendidos”, contou.

Em razão as dificuldades às apurações do colegiado, Lucas Figueiredo avalia o relatório final da Comissão da Verdade como um documento sem grandes novidades e revelações, mas que serviu ao governo e às Forças Armadas.

“E aí, qual foi o final da história? Lula e Dilma saem bem na fita, porque eles dizem ‘olha, a gente fez a Comissão Nacional da Verdade, fizemos a nossa parte’. Os militares saem fingindo essa dor de cotovelo, porque a Comissão Nacional da Verdade é uma maravilha para eles. Porque é como se eles tivessem sido submetidos a uma Comissão Nacional da Verdade que funciona. Então tem essa dor de cotovelo fingida dos militares, mas para eles foi um ‘negocião’”, completou.

Veja abaixo a íntegra da entrevista:

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