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“Não pode falar mal do mestre”: as regras da escola de filhos de Olavo

Fundado por Tales e Luiz de Carvalho, filhos de Olavo, ICLS é apontado como “seita” por ex-esposas e filhas de Tales, que o acusam de abuso

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Luiz Gonzaga de Carvalho Neto, o Gugu, e Tales de Carvalho, filhos do escritor Olavo de Carvalho
1 de 1 Luiz Gonzaga de Carvalho Neto, o Gugu, e Tales de Carvalho, filhos do escritor Olavo de Carvalho - Foto: Arte/Metrópoles

atualizado

Em seu terceiro dia, a série de reportagens da coluna com entrevistas de mulheres sobre abusos, violências e torturas supostamente cometidos por Tales de Carvalho, filho do escritor Olavo de Carvalho, traz agora os relatos das denunciantes e detalhes sobre a entidade que elas dizem ser uma seita: o Instituto Cultural Lux et Sapientia (ICLS).

O ICLS foi fundado por Tales e seu irmão, Luiz Gonzaga de Carvalho Neto, o Gugu, há pouco mais de 10 anos, e se destina a vender cursos on-line para “formação humana e espiritual”. Segundo disseram à coluna Calinka Padilha de Moura, ex-esposa de Tales, e as filhas do casal, Julia Moura de Carvalho e Ana Clara Moura de Carvalho, o ICLS gira em torno de uma doutrina controversa criada por Gugu.

A Tales, relataram elas, o instituto não serviria somente para captar dinheiro, mas também esposas, como uma jovem que abandonou tudo repentinamente para se casar com ele, também entrevistada pela coluna, e outra ex-mulher dele, Y., localizada pela coluna, mas que não quis gravar entrevista.

O filho de Olavo de Carvalho se diz muçulmano desde 1998. Entretanto, uma série de relatos sobre as práticas dele vão contra o Alcorão, como a forma de tratar as suas esposas, o consumo de álcool e a falta do costume de rezar.

Desde quinta-feira (27/6), a coluna publicou três reportagens da série. A primeira trouxe relatos de Calinka e as filhas, Julia e Ana Clara, de 26 e 24 anos, respectivamente. Elas atribuem a Tales episódios de violência física, psicológica e sexual, humilhações e abusos, que teriam ocorrido ao longo de mais de duas décadas, além da formação de uma espécie de seita em torno do ICLS.

Em outra reportagem, na sexta-feira (28/6), a coluna mostrou que a Polícia Civil do Paraná soube em 2021 de acusações contra o filho de Olavo, mas não abriu inquérito. Mesmo tomando conhecimento dos relatos de torturas, estupros e violências psicológicas, a Polícia Civil do Paraná até agora não fez nada e segue dizendo que cabe à vítima procurar a polícia novamente.

No mesmo dia, foram publicados os relatos da jovem que deixou tudo para trás para se casar e viver com Tales, mas também se separou dele. A moça teve o anonimato preservado na reportagem e foi identificada como X. Ex-aluna do ICLS, onde, ainda menor de idade, conheceu o astrólogo e passou a admirá-lo, ela também afirma ser vítima dele.

Gugu, o guru

Os depoimentos de Calinka, Julia, Ana Clara e da jovem são uníssonos sobre um aspecto crucial para entender o ICLS: Luiz Gonzaga de Carvalho Neto, o Gugu, é apontado por elas como um mentor intelectual e espiritual do instituto, um guru, profundamente admirado pelos frequentadores dos cursos. Nas palavras da ex-cunhada e das sobrinhas, Gugu criou uma doutrina em torno das próprias ideias, distorcendo fragmentos de diversas religiões.

A “confusão sem fim” citada por Calinka é tamanha que, segundo a jovem X., há profunda curiosidade entre os frequentadores do curso sobre qual seria, afinal, a religião de Gugu. Em foto publicada pela coluna, datada do começo dos anos 2000, ele aparece em trajes islâmicos em meio a um grupo de pessoas, incluindo Tales, Calinka e Julia. Gugu foi procurado pela coluna, mas não quis se manifestar e, no melhor estilo Olavo de Carvalho, disse que todos os jornalistas são “filhos da puta”.

“Não pode falar mal do mestre [Gugu]. Não pode falar mal, tudo que é de ruim é ‘boato’, é ‘mentira’, são ‘pessoas que estão no interesse por trás, que querem ferrar aquela família’, eles são sempre superbons, não existe maldade ali. Então acaba que quando você está naquele meio de alunos, acaba acreditando naquilo, acha que aquilo é verdade, mas não é”, diz a jovem X., citando regras condizentes ao perfil de uma seita, que Calinka pronuncia sem titubear.

“A gente foi percebendo que aquilo ali virou uma seita. As pessoas entram no ICLS com promessa de acolhimento, compreensão da própria religião, da realidade, de Deus e de repente estão idolatrando o Gugu, seguindo passo a passo tudo o que ele fala”, resumiu Calinka.

De acordo com as denunciantes, o ICLS é usado por Tales de Carvalho para obter dinheiro das assinaturas dos alunos e também de “benfeitores”, como são chamados os alunos que, após um longo processo de convencimento sobre a necessidade de seguir os preceitos estabelecidos pela entidade, contribuem com quantias mensais, além das assinaturas. Em alguns casos, segundo Calinka, as cifras chegariam a até R$ 100 mil.

Embora Tales de Carvalho e Luiz de Carvalho tenham fundado o ICLS há mais de 10 anos, no começo de 2014, a empresa com o CNPJ do ICLS só foi registrada na Receita Federal em 6 de outubro de 2021. Nenhum dos irmãos Carvalho, contudo, aparece no registro da Receita Federal entre os sócios formais do ICLS. O capital social, ou seja, valor inicial da companhia, informado ao fisco é de apenas R$ 1 mil.

O conteúdo da doutrinação pelo ICLS

O ICLS diz ter como objetivo “disponibilizar cursos de formação humana, espiritual, cultural e de Filosofia, buscando cultivar o espírito dos nossos alunos e ter uma cosmovisão real”. Apesar de a religião ser um dos temas mais presentes nos cursos, o ICLS nega ter uma denominação religiosa oficial e oferece bolsas de estudo integrais a religiosos, seminaristas e monges, entre outros. Não há certificado dos cursos, porque, segundo o ICLS, “sua formação será seu melhor comprovante”.

Por assinaturas de R$ 59,90 por mês em planos semestrais (R$ 49,90 em promoção), o carro-chefe do ICLS é o “Seminário de Formação”, ministrado por Gugu. O curso inclui de duas a quatro aulas mensais do “guru”, das quais duas são inéditas, além de sessões de perguntas e respostas com ele. O plano também dá direito ao acervo do instituto, com aulas antigas, e não há agenda fixa para os seminários dos outros cinco professores listados do ICLS. Tales não aparece no “corpo docente”, por assim dizer, do ICLS. “Tales é um empresário, é o dono do ICLS. Então ele manda, ele fala quanto cobra por cada aula, ele faz as diretrizes dele”, relatou X.

O “Seminário de Formação” com Gugu tem 26 horas com conteúdos sobre “perdão”, “introdução à ideia de religião”, “matrimônio”, “astrologia horária” e “teoria da percepção”. Uma das primeiras aulas é denominada “Educação e Inteligência – Propósito do ICLS”.

No acervo do ICLS, estão disponíveis cursos como “Sentido da Vida”, com 17 horas, incluindo temas como “comentário para noivos e casados”, “macho e fêmea na espécie humana”, “educação de crianças e violência”, “o que é família” e “o trabalho e as vocações”; e “Piedade – Vida Religiosa”, com 53 horas de aulas abordando “oração”, “jejum e esmola”, “a tradição mística no Catolicismo”, “liturgia e jejum” e “como não destruir a sua religião”.

Os alunos também têm acesso a aulas de “Leitura dos Clássicos”, com obras como “O fio da navalha”, “Crime e castigo”, “A tragédia de Hamlet” e o livro bíblico de Gênesis. Há um curso específico com leituras de Platão, que dura 42 horas, e outras disciplinas, como “Cosmologia – Antropologia e Psicologia”, “O princípio da felicidade”, “Simbolismo das esferas planetárias”, “Espiritualidade do rosário” e “Como ouvir música?”.

Olavo de Carvalho e o ICLS

Embora mantivesse sua própria plataforma de conteúdos, o Curso Online de Filosofia (COF), Olavo de Carvalho foi um importante chamariz de alunos para os cursos ministrados pelos filhos no ICLS. Olavo participou da primeira transmissão ao vivo do instituto no YouTube, em junho de 2014, poucos meses após a entidade ser criada. No vídeo de mais de uma hora e meia, ao lado de Gugu, Olavo situou si próprio e o filho entre nomes que vêm “renovando a alta cultura no Brasil” por meio de seus cursos on-line. “Nas universidades não há nada que se compare”, gabou-se o escritor.

“Gugu era tomado como se fosse o sucessor do Olavo de Carvalho. Mas os olavistas não gostavam desse segmento do Luiz, então tinha uma questão de racha ali. Ou era o COF ou era o ICLS”, diz a jovem ex-esposa de Tales de Carvalho.

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Reunião dos integrantes da Tariqa de Tales de Carvalho
Luiz Gonzaga de Carvalho, Tales de Carvalho e Calinka de Moura, com amigos
Tales de Carvalho e Calinka de Moura
Tales de Carvalho e Calinka de Moura com as filhas Ana Clara e Julia
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Olavo de Carvalho com a família no Rio de Janeiro, incluindo Tales de Carvalho (à direita, embaixo)

Arquivo pessoal
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Reunião dos integrantes da Tariqa de Tales de Carvalho

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Luiz Gonzaga de Carvalho, Tales de Carvalho e Calinka de Moura, com amigos

Arquivo pessoal
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Tales de Carvalho e Calinka de Moura

Arquivo pessoal
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Tales de Carvalho e Calinka de Moura com as filhas Ana Clara e Julia

Arquivo pessoal

O ICLS, por sua vez, costumava exaltar Olavo de Carvalho, considerado um dos maiores teóricos da extrema direita brasileira. Em novembro de 2014, o perfil do instituto no Facebook escreveu que a atuação de Olavo e Gugu estava “criando as condições necessárias para que surjam pessoas com um grau de autoconsciência muito maior do que nossa Terra já presenciou”. Após a vitória de Jair Bolsonaro na eleição de 2018, o ICLS apoiou a ideia, aprovada pelo próprio Olavo, de que ele fosse nomeado embaixador do Brasil nos Estados Unidos.

O escritor, no entanto, por alguma razão, externou publicamente o desagrado com ao menos uma prática dos filhos. Em 2016, Olavo publicou no Facebook que, se algum de seus filhos se aproximasse de seus alunos convidando-os para aderir a alguma “tariqa” islâmica, ele não tinha “nada a ver” com isso. Tales se diz integrante de uma “tariqa”, como se chamam as confrarias esotéricas islâmicas que são regidas também sob o Alcorão, mas contam cada uma com um líder religioso próprio e práticas distintas entre si.

Outro lado

A coluna enviou, na quarta-feira (26/6), ao advogado de Tales de Carvalho, Frank Reche Maciel, 13 perguntas sobre as acusações feitas por Calinka, Julia e Ana Clara, que incluíram questionamentos sobre o ICLS.

Ele não abordou o assunto na nota enviada à reportagem. O texto disse que as acusações da ex-esposa “foram utilizadas por ela para tentar privá-lo da guarda da filha menor”. “A Justiça não deu crédito a essas mentiras, a guarda foi decidida em favor de Tales, e Calinka se comprometeu em não repeti-las em troca da extinção de duas queixas-crime (vã promessa, como se vê)”, afirmou a nota.

Calinka, entretanto, nega à coluna que Tales tenha ganhado a guarda de Raquel, filha mais nova deles. Os dois entraram em acordo judicial, comprovado nos autos do processo, sobre a guarda da adolescente, atualmente com 14 anos.

Luiz Gonzaga de Carvalho, o Gugu, o filho de Olavo apontado como “guru da seita do ICLS”, também foi procurado pela coluna por meio de um telefonema. Ao ser informado do teor da reportagem, desligou a ligação. Antes, num estilo fiel ao DNA, disse: “Não confio em jornalista. Jornalista é tudo filho da puta”. O espaço está aberto a manifestações.

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(CEO Lilian Tahan; DIRETORA DE REDAÇÃO Priscilla Borges; EDITORES-CHEFES Otto Valle e Márcia Delgado; REVISÃO Viviane Novais; EDIÇÃO DE ARTE Gui Primola; DESIGN Caio Ayres; COORDENAÇÃO AUDIOVISUAL Gabriel Foster; CAPTAÇÃO AUDIOVISUAL Bethânia Cristina, Vanessa Neiva; GERENTE DE MÍDIA AUDIOVISUAL Blandu Correia; EDIÇÃO DE VÍDEO Bethânia Cristina, Bruna Lima, Vanessa Neiva; VIDEOGRAFISTA Tauã Medeiros; FINALIZAÇÃO Gabriel Foster; TECNOLOGIA Saulo Marques)

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