Não faz sentido buscar petróleo na Amazônia, critica Nobel de Economia
Em entrevista à coluna, Joseph Stiglitz, Nobel de Economia, disse que buscar petróleo na Amazônia é risco ambiental e erro econômico
atualizado
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Investigar se há petróleo na Amazônia é, além de um risco ambiental, um erro econômico. A opinião é do economista americano Joseph Stiglitz, Nobel de Economia de 2001, e um dos keynesianos mais respeitados no mundo hoje.
Em entrevista exclusiva à coluna, durante sua passagem por Brasília, quando se reuniu com Lula, Geraldo Alckmin e Fernando Haddad, Stiglitz, de 80 anos, afirmou que não faz sentido a Petrobras investir em uma pesquisa incerta sobre petróleo diante do que ele descreveu como um inevitável futuro de carbono neutro, entre 2050 e 2060.
A estatal teve um pedido para explorar petróleo negado pelo Ibama, mas não desistiu de fazer as pesquisas na margem equatorial da foz do Rio Amazonas.
A crítica é uma exceção a uma avaliação majoritariamente positiva do governo Lula. Segundo Stiglitz, Fernando Haddad está fazendo uma condução “excelente” da política econômica, em que a tributação progressiva, mirando os super-ricos, é um dos acertos.
Stiglitz falou ainda sobre taxa de juros, o erro do Federal Reserve, o banco central americano, ao enfrentar de maneira errada a inflação, e o impacto da inteligência artificial sobre a desigualdade social.
Leia abaixo os principais trechos da conversa.
Em março, o senhor disse em um evento no BNDES que a taxa de juros do Brasil, então em 13,75%, era “chocante”. No mês passado, houve uma redução de 0,5 ponto. Qual sua visão?
Ainda acho chocante (risos), mas foi um movimento na direção correta. Então, vou parabenizá-los por isso. Mas a taxa de juros reais do Brasil ainda é muito mais alta do que o resto do mundo e especialmente mais alta do que economias emergentes. Estamos numa situação muito difícil na economia mundial. A China está desacelerando, e isso pesa para o Brasil e para o mundo. Alguns dos principais países europeus estão em recessão, em parte devido às taxas de juros muito altas do Fed americano (Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos). Então, há muitas adversidades. Como o Brasil pode ser competitivo quando o custo de capital é tão alto? O Brasil sempre precisou muito de bancos de desenvolvimento, como o BNDES, e assim o país conseguiu ter cases de sucesso como a Embraer e o desenvolvimento de energia renovável, como o etanol oriundo da cana. Sob Bolsonaro, porém, os bancos de desenvolvimento foram postos de lado. Queriam se livrar do BNDES. Além da diminuição do financiamento público, o país não tem um capital financeiro que invista. Houve uma melhora, mas não o suficiente. Durante anos, eu venho dizendo que o Brasil precisa de um mercado financeiro mais equilibrado, que realmente apoie o investimento. Adam Smith tem um raciocínio de que quando você tem taxas de juros muito altas você só atrai especuladores. Bons negócios não são capazes de competir com taxas de juros tão altas. Portanto, é ruim para a economia brasileira, cria distorções.
O senhor costuma dizer que os bancos centrais de uma maneira geral têm um zelo excessive com taxas de inflação. Por quê?
Vamos quebrar em pedaços. Essa inflação de que estamos falando é diferente da outra inflação. E uma das coisas que eu digo é que os bancos centrais não são bons o suficiente em entender as fontes da inflação e em adaptar suas políticas para refletir as diferenças entre elas. Essa inflação é uma inflação na cadeia produtiva, e em larga medida, durante os anos 1970, ela foi uma inflação causada pelo choque do petróleo. Com esse tipo de inflação, subir taxas de juros pode agravar a situação. Vou te dar um exemplo. Uma das principais fontes de inflação na cadeia produtiva nos Estados Unidos é moradia. Bom, se você tem os preços de moradia subindo, o que você quer fazer? Você quer investir mais em habitação. Mas o que taxas de juros fazem? Elas fazem o investimento cair. Agrava o problema, não é solução. O ponto então é: nós sabemos que subir taxas de juros nesse tipo de inflação pode ser contraprodutivo. Você tem que diagnosticar. Agora, o que ocorre é essa mesma inflação de insumos, causada principalmente pela pandemia, que trouxe interrupções na cadeia produtiva. Os mercados não foram muito resilientes, isso leva tempo. Com apenas dois anos após a pandemia, nós ainda não sabemos quanto tempo vai levar para os preços baixarem. Então, houve uma inflação forte, as taxas de juros foram elevadas e isso vai causar uma recessão. Minha crítica ao Fed é que eles estão errando no diagnóstico da inflação. O Fed não levou em conta os efeitos adversos de subir os juros para o crescimento econômico e para a estabilidade. O que está acontecendo, então? A falência do Silicon Valley Bank. Países superendividados vão entrar em crise e isso será ruim para todo o mundo. O Fed não levou isso em conta como deveria.
O senhor se encontrou nesta semana pela segunda vez neste ano com o ministro Fernando Haddad. Qual sua opinião sobre a agenda econômica brasileira?
Eu acho que está excelente. Estão indo na direção correta em muitas áreas, como por exemplo em adotar a tributação progressiva. O Brasil tem uma das sociedades mais desiguais do mundo. Vocês têm um sistema de tributação regressiva. Por que pessoas que ficaram ricas a partir de heranças deveria pagar impostos mais baixos do que alguém que trabalhe duro? Para mim, é inconcebível. Haddad está tentando corrigir as brechas e lacunas. Condições especiais não apenas são injustas como distorcem a economia de muitas maneiras. Livrando-se delas, você tem uma economia mais dinâmica. É justiça social e é positivo para a economia. Haddad está muito preocupado também com a transição ecológica, que é imperativo para o mundo, mas é especialmente imperativo para o Brasil. Proteger a Amazônia é tão importante para o mundo quanto para o Brasil. Não é apenas uma questão global, é uma questão brasileira também. Os brasileiros ainda não entenderam o quanto a Amazônia é importante para o clima no país. Se a água não evaporar, você não terá chuva no restante do país e isso impactará a agricultura. E vocês são uma economia agrícola. O que Bolsonaro fez na Amazônia, a forma como ele atacou a Amazônia, fez algumas pessoas mais ricas, mas enfraqueceu a economia brasileira.
Como o senhor disse, colocou em risco um dos pilares da nossa economia.
Exatamente. Então, na minha opinião, Haddad e o presidente Lula captaram tudo isso. E é impressionante o tanto que eles têm conseguido fazer em meio às dificuldades políticas. E isso é algo sempre admirável. Nos Estados Unidos, o presidente (Joe) Biden também enfrenta dificuldades políticas. Ele tem que navegar num Congresso controlado em parte pelo centro, em parte pela direita. E ele fez isso mesmo sendo do Partido Democrata.
Lula editou uma medida provisória há duas semanas alterando a tributação dos fundos exclusivos, os chamados super-ricos, e a oposição no Congresso afirma que isso pode afugentar investimentos ou fazer bilionários deixarem o país. Isso de fato é um risco?
Eu acho que os benefícios de taxar super-ricos são muito maiores do que os riscos. Houve um reconhecimento nos últimos, eu diria, dez, quinze anos, de que as economias mais igualitárias são mais prósperas. Existia um pensamento de que a desigualdade é boa para o crescimento, mas houve uma mudança. Há 50 anos, o presidente do Conselho de Assessores Econômicos de Lyndon Johnson, Arthur Okun, escreveu um livro chamado “Equality and efficiency: The big trade-off” (“Igualdade e eficiência: o grande perde e ganha”, em tradução livre). Essa não é a visão de hoje. Nos extremos da desigualdade nos Estados Unidos e, ainda pior, no Brasil, há complementaridade, ou seja, sociedades mais igualitárias funcionam melhor. E este não é apenas o ponto de vista dos economistas progressistas, é uma visão do FMI, da OCDE e essas são instituições muito à direita. Se eles reconhecem, o Brasil deve reconhecer isso também. Então esse é o primeiro contexto. O segundo é: sabemos a partir de dados dos Estados Unidos que, em grande parte, impostos mais altos não aumentam a migração. Não quero dizer que não tenham efeito, mas o efeito é muito limitado. Eu conheço uma das pessoas super-ricas de Nova York, e ele poderia se mudar da cidade, porque você tem mais de 10% de imposto estadual, 35% imposto federal, ou seja, 45%, 50% de impostos, ou até mais que isso. Ele poderia se mudar para Porto Rico e pagar cerca de 4% de imposto, mas ele pensa “Nova York é um lugar maravilhoso para viver”, assim como o Brasil é um lugar maravilhoso para viver. E a maioria dos brasileiros tem uma lealdade ao seu país, se sentem brasileiros, e eu não acho que eles partiriam. Agora, existem maneiras, reformas, que eu acho que iriam tornar a migração ainda menos provável. Por exemplo, nós americanos somos taxados em nossos salários pelo mundo. Então, não importa onde nós vivamos, pagamos um imposto sobre nossa renda. Nós temos uma pequena isenção por viver no exterior, mas é muito pequena. A Suíça faz a mesma coisa com os impostos. Temos de renunciar à nossa cidadania e, em seguida, pagamos um imposto adicional para compensar. Então isso é algo que o governo brasileiro deve considerar, tornando a cidadania como base, e imposto de saída. Isso reduziria ainda mais o risco de migração. Agora, sobre a taxação causar menos investimento, se ela levaria pessoas super-ricas aos Estados Unidos, olhe para o Bill Gates. Você acha que o que motiva o Bill Gates é a margem de retorno do dólar? Não. O que quero dizer é que muitas das pessoas super- ricas são motivadas por outras causas. E o que você faz com o seu dinheiro quando você é super-rico? Você investe. Você pensa em seus filhos, seus netos. Aqui está o teu lugar na história, o teu lugar na sociedade. É claro que eles querem manter o máximo de dinheiro que podem, o que eu entendo. Todo mundo gostaria de manter o máximo de dinheiro que puder. Então eles vão ter esses argumentos, vão dizer “não me taxem, porque, se você me tributa, vai ficar pior”, mas você não deve levar a sério argumentos como esse. Você não deve levá-los a sério. E mais um ponto: as isenções distorcem a economia, a economia brasileira, e o lucro que se obtém da redução das distorções mais do que compensa os efeitos negativos que elas reivindicam.
O Brasil está tentando liderar de novo a luta contra as mudanças climáticas. Ao mesmo tempo, a Petrobras pediu uma licença para pesquisar se há petróleo na margem equatorial do Rio Amazonas. Como o senhor vê isso?
Minha visão é mais ampla. Primeiro, o mundo e o mercado ainda não entenderam completamente o fato de que vamos ser carbono neutro em 2050, 2060. E o que isso significa? Leva 15 ou 20 anos para explorar e desenvolver um campo de petróleo. E campos petrolíferos se tornam mais rentáveis tipicamente só depois de 20 ou 30 anos de operação, dado o alto custo.
Sendo otimista…
Isso. Você está bem além de 2050. Não faz sentido econômico explorar petróleo na Amazônia. Vai levar a ativos ociosos, que se tornam um problema econômico para qualquer empresa, especialmente para uma empresa estatal. E esses custos quase sempre são repassados à sociedade. Então, o mercado ainda vai ter que entender as consequências econômicas completas de, em 2050 ou 2060, ser carbono neutro. Eu não sei quando isso vai acontecer. Pode ser em cinco, dez, quinze anos, mas vai acontecer. E aí há uma perda de dinheiro. Do ponto de vista econômico, eu seria muito cauteloso em fazer um investimento em qualquer coisa, exceto em um campo que você poderia desenvolver em dez anos e explorar em cinco. Se você tem esse tipo de tecnologia… Temos a Argentina, por exemplo, onde você pode ter um desenvolvimento muito rápido. Mas, do ponto de vista econômico, eu ficaria mais hesitante em relação a águas profundas ou novos campos, como na Amazônia. Também há custos ambientais enormes. É por isso que o presidente Biden, por exemplo, disse que vai cancelar os arrendamentos no Alaska. Eu concordo com o presidente Biden, e penso que o Brasil faz melhor preservando a Amazônia. O mundo obviamente faria melhor, e acho que o mundo compensaria o Brasil pelo serviço de preservação. Acho que o mundo deve algo ao Brasil, mas é interesse do Brasil também fazer isso.
Gostaria de falar sobre inteligência artificial. A disrupção que ela traz ao mercado de trabalho contribui para aumentar ou diminuir a desigualdade social?
Sim, estou muito preocupado com isso. A inovação do carro destruiu empregos, como as carroças, mas também criou mais trabalhos. A transição verde e as novas tecnologias são muito diferentes. Estão sempre destruindo trabalhos de tarefas rotineiras, que exigem uma baixa qualificação profissional. (As novas tecnologias) Reduziram a demanda para trabalho qualificado e deixaram a sociedade mais rica. Então você poderia compensar os perdedores porque você tem mais bens, mais eficiência. Mas me preocupo se isso vai acontecer, o que vai causar mais desigualdade. E mais desigualdade significa resistência a uma redistribuição da renda. Acho que podemos conduzir a inovação de modo que seja melhor para o meio ambiente. Faz mais sentido ter mais inovação para proteger o mundo do que para minar empregos de mão de obra desqualificada, que leva o governo a intervir em mercados. Deveríamos investir em inovação que leve à proteção do planeta.