Não dá para suspender acordos de leniência no atacado, defende especialista
O advogado Igor Tamasauskas criticou a ação apresentada por partidos que propõe suspender os acordos firmados na Lava Jato
atualizado
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Um dos principais especialistas brasileiros em acordos de leniência, o advogado Igor Tamasauskas criticou a ação apresentada em março por partidos ao Supremo Tribunal Federal que propõe suspender os acordos firmados na Lava Jato. Em entrevista à coluna, Tamasauskas concordou que houve erros em alguns acordos, excessivamente duros, mas ponderou que a revisão deve ser analisada caso a caso, após pedidos das próprias empresas — e não de partidos políticos, no atacado.
“Não dá para você invocar uma tese de coação geral e já querer fazer uma revisão desses acordos no atacado e renegociar todos os casos. Quem vai sentir se houve um exagero na imposição dos valores é a empresa que esteve à mesa”, afirmou o advogado. O processo foi movido por PSol, PCdoB e Solidariedade e é relatado pelo ministro André Mendonça.
Tamasauskas também atuou em acordos no âmbito da Lava Jato, em que empreiteiras assumiram a responsabilidade por ilegalidades e se comprometeram a reparar os cofres públicos. O advogado disse que naquela época o Ministério Público tinha poderes “muito acima do natural” e impôs acordos.
“Agora, temos que criar um caminho mais claro e tratar isso com critérios muito objetivos para não criar esses problemas e ter que ficar revisitando esses acordos. Passa uma mensagem política ruim”.
Leia os principais trechos da entrevista:
O STF analisa um pedido feito por partidos políticos para suspender acordos de leniência firmados na Lava Jato. Como avalia o caso?
Tenho uma concordância de partida com a premissa de que alguns acordos são insustentáveis em relação à realidade financeira da empresa ou ao conjunto de fatos que foi narrado. Há delações e acordos de leniência que taxaram doações eleitorais como propinas e, depois, no contraditório, mostrou-se que não eram. Isso me parece que precisa ser revisitado. Obviamente isso era insustentável e em algum momento essa discussão iria surgir. O que me parece é que isso tem de ser feito caso a caso. Não dá para você invocar uma tese de coação geral e já querer fazer uma revisão desses acordos no atacado e renegociar todos os casos. A própria Lava Jato tentou fazer uma revisão do sistema político brasileiro dentro de um processo judicial. Deu no que deu.
Quem deveria pedir essas revisões?
Você só consegue analisar se o acordo de leniência está dentro ou fora da capacidade da empresa se entender os seus números. Não dá para fazer de uma forma genérica como nesta ação que tramita no STF. Cada empresa que se sentir prejudicada ou achar que tem o direito de revisitar esses valores deve apresentar seu pedido. Até porque a premissa de que houve uma coação vale entre as partes do acordo. Alguém de fora do acordo, ainda que seja um partido político, tem dificuldade para entrar nesse tema do ponto de vista jurídico. Quem vai sentir se houve um exagero na imposição dos valores é a empresa que esteve à mesa.
O que levou a esses acordos que o senhor vê como problemáticos na Lava Jato?
Havia um viés mais persecutório na Lava Jato, mas também tínhamos uma legislação muito recente. A Lei Anticorrupção praticamente foi aplicada pela primeira vez diretamente nesses casos. A gente não tinha histórico, precedente, metodologia. Pegou-se uma lei com o Ministério Público com poderes muito acima do natural e o órgão praticamente impôs uma solução. Eu participei de algumas negociações com a Lava Jato. Cheguei a ouvir de um procurador que ele tinha jornalistas de confiança a quem perguntava: “Empresa tal fez coisa tal, o que você acha de eu pedir tanto?”. E a partir desse crivo da imprensa o valor de leniência era definido. Isso prevaleceu em algumas situações. Acho isso perigoso. Nem advogado, nem procurador tem competência para isso, mas o economista.
E qual é o panorama atual?
Já temos dez anos de negociações, com um histórico bem mais assentado. Hoje negociamos com a Controladoria-Geral da União (CGU), com o MPF e falamos: “Não pode ser por aqui porque seria uma cobrança maior do que deveria”. Não estamos falando para pagar o mínimo possível, mas o valor que tem de ser calculado. Recentemente a CGU baixou uma calculadora para apurar o valor de um acordo de leniência. Agora, o que vai nos competir é criar mecanismos de depuração, manuais claros de forma de cálculo, para ter um caminho mais claro e diminuir espaços para questionamentos. Temos que tratar isso com critérios muito objetivos para não criar esses problemas e ter que ficar revisitando esses acordos. Passa uma mensagem ruim. Passa a imagem de que a empresa se comprometeu a pagar 10 e agora vai pagar só 1. O que o cidadão vai achar? Vai achar que alguém fez algo para diminuir 9. É uma mensagem política ruim.
Na negociação dos acordos, como é feita a análise da capacidade financeira da empresa?
Diferentemente dos Estados Unidos, no Brasil a capacidade de pagamento implica em parcelar a dívida, mas nunca em reduzir o valor. Nos EUA, quando você constata que a consequência financeira seria impagável, eles fazem um acordo para a empresa pagar o que consegue. No Brasil, não. Você vai parcelar a perder de vista até chegar no valor total. Isso me parece um contrassenso, porque inviabiliza uma empresa por um período muito longo. Normalmente isso vai no limite da possibilidade da empresa. A companhia já vai ter uma crise de imagem por causa do envolvimento no caso. Não acho uma política interessante você liquidar uma empresa organizada, ainda que tenha tido problemas sérios envolvendo corrupção. Precisamos discutir isso de uma maneira menos emocional, menos moralista e mais pragmática.