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MPF e PF apuram desvio de R$ 26 milhões na verba de combate à sífilis

Divulgação de material sobre sífilis ocorreu no governo Bolsonaro e envolveu agências que, segundo o MPF, são suspeitas de desvio

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Campanha sobre sífilis investigada pelo MPF
1 de 1 Campanha sobre sífilis investigada pelo MPF - Foto: Reprodução/YouTube

O Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal (PF) estão investigando um potencial desvio de R$ 26,5 milhões em verba do Ministério da Saúde para a divulgação de uma campanha publicitária de combate à sífilis, executada no governo Jair Bolsonaro.

O contrato investigado, de R$ 49,9 milhões, foi firmado por uma fundação ligada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) com a agência Fields Comunicação Ltda, de Brasília, em julho de 2018, no governo Michel Temer, para divulgar ações de combate à doença.

O ponto de partida já é questionado pelo MPF, já que a Saúde tinha contrato em Brasília com diversas agências publicitárias que poderiam ter realizado o serviço, sem passar pela fundação ligada à UFRN.

Foi na Fundação Norte-Rio Grandense de Pesquisa Cultura (Funpec), porém, que o contrato foi firmado, sob responsabilidade do servidor Ricardo Valentim, um dos investigados. Também é citada a participação de Tiago de Souza Bernardes, que atuava informalmente como assessor do Ministério da Saúde e acompanhou a licitação mesmo sem cargo no governo.

A Fields então subcontratou empresas para produzir os vídeos por R$ 12,9 milhões, que foram ao ar em 2019. Nessa seleção, o MPF aponta que houve uma simulação de concorrência, com um processo relâmpago, de apenas dois dias, em que participaram doze empresas com indícios de serem laranjas da Fields ou ligadas à dona do contrato de alguma maneira.

A quebra de sigilo bancário das empresas envolvidas aponta que os valores de produção dos vídeos publicitários foi o “mínimo possível”, gerando uma sobra milionária depois repartida entre os investigados.

O MPF diz que os vídeos são “medíocres quando comparados com seu custo de produção”, de R$ 414 mil por episódio. “Seria como se um cliente, em um restaurante caríssimo europeu, pagasse o equivalente a uma refeição de lagostas e caviar, regada com um finíssimo champanhe francês, mas recebesse um hambúrguer com suco”, diz o procurador Kleber de Araújo.

A Vapt, por exemplo, agência de São Paulo subcontratada pela Fields, recebeu R$ 6 milhões pelo vídeos em janeiro de 2019, mas devolveu R$ 2,9 milhões para contas bancárias da própria Fields, usando um CNPJ em nome de uma laranja, segundo mostram as quebras de sigilo.

O MPF encontrou diversos outros repasses injustificados, que totalizam os R$ 26 milhões em potenciais desvios, e pediu uma busca e apreensão e o bloqueio dos bens dos investigados. A Justiça Federal acatou o pedido, levando à Operação Faraó, deflagrada em janeiro de 2023.

Entre os alvos da operação estavam Sidney Campos Silva, sócio da Fields; José Edgard Soares Moreira Filho, dono da Vapt Filmes Produções; e própria Fundação Norte-Riograndense de Pesquisa e Cultura, ligada à UFRN.

É investigada ainda a Head Produção de Filmes, Vídeos e Fotos, ligada à Fields, por um prejuízo de R$ 1,3 milhão com seu sócio, Luiz Eugênio Cardoso da Silva, e a Formiga Comunicação Integrada, de Paulo Tannuri Morais e Breno Cadavid, que teria desviado R$ 1,9 milhão.

O publicitário Mário Rosa também é investigado. Entre janeiro de 2018 e setembro de 2019, ele recebeu R$ 2,4 milhões referentes ao contrato da Funpec. Segundo ele, porque ele tinha uma sociedade por conta de participação com Sidney Silva, sócio da Fields.

Investigadores apuram se Rosa teria atuado para interferir no processo de escolha da agência, já que há suspeita de direcionamento na contratação da Funpec e das agências pagas depois pela Fields.

Procurado pela coluna, Rosa nega as suspeitas. Diz que nunca teve contato com ninguém da Funpec ou do Ministério da Saúde que cuidasse desse contrato, e que tampouco tinha ingerência sobre a Fields. Com a sociedade em conta de participação, segundo ele, ele tinha apenas o direito a receber dividendos, sem participar da gestão.

Rosa diz que, se as autoridades julgarem que os valores que ele recebeu são “questionáveis”, ele fará a restituição ao erário público. “Eu, de boa fé, não tenho problema em discutir uma restituição daquilo que for questionável, para encerrar qualquer questionamento, porque crime eu não cometi.”

O MPF, por outro lado, aponta que Mário Rosa teria feito um investimento de R$ 120 mil, que não justificaria o retorno total que teve com a empresa, de R$ 7,7 milhões. “Com efeito, constatou-se que, com esse aporte, Mário Rosa obteve um retorno de 6.298,04%.”

Os investigadores apuram a possível prática de improbidade administrativa e dos crimes de falsidade ideológica, peculato e lavagem de dinheiro.

Procurada, a Fields ressaltou que ainda não há conclusão de que houve crimes e disse que “vem prestando todos os esclarecimentos necessários à autoridade policial, com interesse máximo em contribuir com as investigações”. “Destaca, ainda, que o serviço foi prestado em sua inteireza e satisfatoriamente, uma vez que a campanha (‘Projeto Sífilis Não’), ora sob investigação, alcançou todos os resultados pretendidos e, inclusive, levou à premiação da agência.”

A empresa Fields Comunicação Ltda tem também um contrato de R$ 120 milhões firmado em 2022 com o Ministério da Cidadania, no governo Jair Bolsonaro. O contrato está vigente hoje no Desenvolvimento e Assistência Social. Em março deste ano, o governo Lula liberou R$ 7 milhões para pagamento da empresa.

Procurado, o ministério de Desenvolvimento e Assistência Social disse que “acompanha e verifica o cumprimento e a gestão de todos os seus contratos por meio dos seus controles internos” e apurações da CGU e do TCU. “O MDS trabalha em sintonia e alinhamento com todos os órgãos de controle e adota as providências necessárias imediatamente caso haja quaisquer indícios de irregularidades em qualquer contrato.”

A apuração contou com uma investigação da Controladoria-Geral da União (CGU), que enviou seus achados ao MPF do Rio Grande do Norte.

Ricardo Valentim, Tiago Bernardes e os sócios da Head Produção de Filmes e Formiga Comunicação foram procurados, mas não comentaram até a publicação desta nota. O espaço está aberto a manifestações.

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metropoles.comGuilherme Amado

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