MEC previa comprar R$ 3 bi a mais que necessário com mesas e cadeiras
Auditoria aponta irregularidade na aquisição de 4,7 milhões de itens. Certame tinha falhas como erro de digitação na planilha de preços
atualizado
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Em meio às suspeitas de corrupção envolvendo a cúpula do Ministério da Educação, a pasta planejava gastar cerca de R$ 3 bilhões a mais do que o necessário numa licitação que previa a compra de mobiliário escolar, como mesas e cadeiras, em todos os estados e no Distrito Federal. A irregularidade foi detectada pela Controladoria-Geral da União a tempo de suspender a licitação, inicialmente prevista para fevereiro deste ano. E não foi o único indício de corrupção, de um edital viciado, encontrado pela controladoria.
As suspeitas detectadas pela auditoria, cujo teor foi noticiado nesta quarta-feira pelos repórteres Patrik Camporez, Paula Ferreira e Aguirre Talento, foram as mais variadas. Vão de erros de digitação na planilha de estimativa de preços, superestimativa da quantidade demandada, a favorecimento dos preços estipulados pelos fornecedores. O órgão fiscalizador também ressaltou haver “potencial risco de conluio” entre as participantes da licitação, uma vez que sócios das empresas competidoras apresentavam laços de parentesco, o que pode ter servido para inflar o preço que seria pago pelo governo federal.
Com previsão de gasto de R$ 6,317 bilhões, a licitação seria feita em fevereiro deste ano pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão que passou para as mãos do Centrão durante a gestão do presidente Jair Bolsonaro e que executou R$ 45,5 bilhões em despesas em 2021. É um dos maiores caixas da Esplanada.
Após a auditoria da CGU, a licitação foi suspensa pelo MEC, e ainda não há nova data para que o certame seja feito. O órgão fiscalizador identificou que o valor apropriado para a licitação seria de R$ 3,320 bilhões — redução de R$ 2,996 bilhões em relação ao montante original. O Ministério da Educação afirmou que aplicará nova metodologia para a licitação. O valor diminuído do edital equivale a 12% do que o Ministério Público Federal do Paraná afirma ter recuperado em toda a Operação Lava-Jato: R$ 25 bilhões.
Para se ter uma ideia da discrepância entre o valor que seria licitado e o compatível com a necessidade, o MEC reduziu em 4,7 milhões a quantidade de itens a serem licitados, entre cadeiras e mesas, após o alerta da CGU. O cálculo do órgão fiscalizador levou em conta itens já comprados pelo ministério em anos anteriores.
As oito empresas que se inscreveram para participar do certame também foram alvo do escrutínio da Controladoria. Chamou a atenção o fato de uma delas, a Artemóveis, funcionar em endereço residencial, com inexistência de estrutura fabril ou qualquer espaço físico adequado para a produção do mobiliário licitado. “A pesquisa de preços com fornecedores não demonstrou se os mesmos possuem condições para favorecer os bens licitados, e se estariam aptos, portanto, a apresentar propostas competitivas e compatíveis com o porte da licitação”, ressaltou a CGU.
Foi identificado, ainda, “potencial risco de conluio”, uma vez que a responsável-sócia da Artemóveis é filha do responsável-sócio da Movesco, que também se inscreveu no certame. Os preços oferecidos pela Movesco, mais altos, serviram para elevar o preço médio dos fornecedores.
À época das irregularidades, a pasta era comandada por Milton Ribeiro. Acusado de repassar verba para municípios indicados por pastores que integravam suposto esquema de corrupção, Ribeiro deixou o Ministério da Educação no fim de março.
Procurado, o Ministério da Educação se posicionou por meio de nota enviada pelo FNDE, atualmente presidido por Marcelo Lopes da Ponte, ex-chefe de gabinete de Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil.
“Considerando que as licitações do FNDE se enquadram no rol de licitações de grandes vultos, é comum a realização de auditorias relacionadas a esses pregões. O Pregão n° 1/2022 está suspenso, por decisão do FNDE, apesar de não haver recomendação expressa da CGU, e não há previsão de republicação do certame”, disse trecho da nota.
“Quanto à pesquisa de preços, o FNDE seguiu os preceitos da Instrução Normativa n° 73/2020, do Ministério da Economia, que rege a pesquisa no âmbito da Administração Pública. As empresas citadas na referida auditoria participaram da pesquisa de preços, uma fase anterior à publicação do edital”, prosseguiu o FNDE.
Em seguida, o FNDE apresenta versão diferente da relatada na auditoria técnica da CGU quanto à existência de erros de digitação na planilha de estimativa de preços e de erro no quantitativo estimado.
“O que ocorreu foi a divergência de resultados decorrentes da busca por itens com especificações diferentes em um mesmo pregão. O que já foi esclarecido em reunião entre equipes técnicas do FNDE e da CGU. Tampouco houve erro no quantitativo estimado de itens. A CGU sugeriu um recorte diferente do que o que foi definido pelo FNDE. Diferenças essas, por exemplo, entre as demandas cadastradas e efetivamente aprovadas para 2021 no Plano de Ações Articuladas. Esse novo recorte, logicamente, alterou o quantitativo de itens e, consequentemente, influenciará a nova pesquisa de preços e o valor total estimado da futura licitação.”