Influenciadores negros são vítimas de racismo e ameaças de morte em SC
Rapper famoso na cidade é autor dos ataques e ameaças; A Polícia sabe da autoria dos crimes desde 2020
atualizado
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Dois jovens negros de Balneário Camboriú foram ameaçados de morte e vítimas de mensagens racistas na semana passada, em mais uma série de ataques que ocorrem desde 2019, sem punição para o autor dos crimes, que já foi identificado numa investigação. A modelo Tiane Félix, de 24 anos, e o influenciador digital Ed Rocha, de 25, afirmam que os dois anos de impunidade deram mais combustível para os ataques. Na segunda-feira 14/06, Félix recebeu em seu Instagram uma montagem comparando o amigo Ed Rocha a macacos, a foto de uma pistola e a mensagem: “Você acha que eu estou brincando, né? Olha bem para essa coisinha linda e depois você vai saber como será seu fim e do ‘Passa fome’ do Ed”.
Tiane Félix e Ed Rocha denunciam o caso nas redes sociais e na Justiça de Santa Catarina desde 2019. Naquele mesmo ano, o influenciador digital fez um debate no seu Instagram sobre a falta de representatividade negra na publicidade de casas noturnas em Balneário de Camboriú. A partir disso, começou a receber diversas mensagens racistas de perfis fakes. A modelo decidiu se posicionar em defesa do amigo e foi ameaçada de morte pela primeira vez. Foi só em 2020 que conseguiram a quebra dos endereços IP’s dos perfis, chegando assim a Misael Rangel, um rapper famoso na cidade, conhecido como MC Misa. Nada aconteceu.
O influenciador digital acredita que a impunidade pode ser um reflexo do elitismo branco predominante em Balneário Camboriú. “Eu não to brincando de denunciar racismo, eu e Tiane somos uns dos únicos jovens pretos com influência na cidade e querem calar nossa voz”, disse Ed Rocha à coluna. Ele foi indicado a influenciador do ano de Santa Catarina e Tiane Félix é modelo de marcas internacionais, como a francesa La Roche Posay.
Nos últimos ataques, que tiveram início em 9 de junho, MC Misa deixou de se esconder atrás de perfis fakes. “Você falou que eu ia preso por racismo e eu estou aqui ainda, pai”, disse o rapper, que já fez colaborações com o DJ Kondzilla, em um áudio enviado para Ed Rocha. Em seguida, imitou um macaco.
Após o episódio, o influenciador digital bloqueou Misael Rangel, que passou a mandar mensagens para a modelo Tiane Félix. “Agora quem está falando sou eu mesmo, guerra declarada”, dizia a mensagem de MC Misa no sábado, 12 de junho. E então na segunda-feira, o rapper mandou a montagem e a foto da pistola, ameaçando os dois jovens negros de morte. A modelo e o influenciador digital registraram um boletim de ocorrência na Polícia Civil de Balneário Camboriú e foram chamados para depor nesta sexta-feira.
MC Misa, que se autodeclara negro, negou, em uma reportagem publicada no Portal Uol, que tenha ofendido Ed Rocha e Tiane Félix, e diz ainda que não é racista “porque tem familiares negros”. Contudo, as ameaças e os ataques racistas estão registrados. Nesta quinta-feira, 17 de junho, Ed Rocha desbloqueou o rapper e enviou um vídeo à coluna em que Misael Rangel assume ter mandado o áudio imitando um macaco e as mensagens para Tiane, mas afirma que não tem medo da Justiça.
“Eu não tenho medo de processo, nem de delegado, nem do Artur Nitz [delegado responsável pelo caso], nem de ninguém, pai. Tenho grana para caralho [sic].”
A coluna tentou contato com MC Misa pelo Instagram, mas o perfil foi excluído. A Polícia Civil de Santa Catarina disse que foi instaurado um inquérito para apurar os fatos, mas que o delegado Artur Nitz precisa ouvir as partes antes de se manifestar a respeito.
Não se sabe exatamente o motivo dos ataques. Segundo Ed Rocha, MC Misa afirmou que os atos racistas começaram porque uma das casas noturnas criticadas pelo influenciador em 2019 seria do pai dele. “Eu sou influenciador na internet, eu estou acostumado a receber críticas, não ameaças de morte. Nada justifica o que vem acontecendo com a gente”.
Enquanto isso, Ed Rocha e Tiane Félix, além de indignados com a situação que já se estende há dois anos, vivem com medo de sair de casa. “Estão colocando em xeque os únicos pretos com voz nesta cidade e ninguém faz nada”, disse o influenciador digital.
Tiane Félix, que desde 2019 desenvolveu um quadro de ansiedade e dermatite atópica, que cria machucados em seu corpo, ainda acredita na Justiça de Santa Catarina e espera que algo seja feito. “Mas, enquanto isso, minhas feridas não fecham”.