Inação do MEC no Fies provoca endividamento e abandono de cursos
Universitários financiados pelo Fies afirmam que reajustes de cursos tornaram impagável o valor a ser complementado nas mensalidades
atualizado
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O reajuste das mensalidades de cursos particulares financiados por meio do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) tem feito com que estudantes se endividem ainda mais ou até abandonem a graduação, por falta de capacidade de pagamento. Nesta semana, o Ministério da Educação admitiu à coluna que não tem prazo para apresentar as novas regras do programa, que tentariam amenizar o problema.
A crise começou a ser gerada em março de 2018, quando uma portaria do governo Michel Temer acabou com o financiamento integral dos estudos e estabeleceu um teto para o Estado auxiliar no pagamento de mensalidades.
Lideranças estudantis que vêm se organizando no movimento Fies Sem Teto, para pressionar o MEC por mudanças, afirmam que os reajustes promovidos anualmente pelas universidades privadas estão acima da inflação e tornam a coparticipação imprevisível, sobretudo nos cursos de medicina. O valor com que o aluno deve arcar supera, e muito, as simulações feitas no momento de inscrição no programa.
Estéfane Nascimento, estudante de medicina, tem 27 anos e entrou para uma universidade particular com financiamento pelo Fies em 2022. Ela disse que trancou o curso por um semestre após o valor da coparticipação alcançar mais de R$ 2 mil mensais. “Contei com a ajuda de tios e outros familiares para conseguir voltar”, afirmou Estéfane, cuja renda familiar é de cerca de R$ 1,5 mil. Ela mora com o pai, a mãe e duas irmãs.
A estudante tornou-se uma das líderes do movimento Fies Sem Teto e cobra do governo Lula a volta do financiamento integral para todos os alunos ou a implementação de medidas para controlar o valor da coparticipação. Outra demanda do movimento é a criação de um plano para renegociar as dívidas de estudantes que abandonaram os cursos devido à alta nas coparticipações.
O ministro da Educação, Camilo Santana, anunciou, em junho do ano passado, uma mudança no teto do Fies para o curso de medicina, que aumentou de R$ 52,8 mil para R$ 60 mil. Os relatos colhidos pelo movimento estudantil, no entanto, mostram que os reajustes de mensalidades tornaram a medida sem efeito. Uma estudante contou que, no segundo ano da faculdade, em 2022, sua coparticipação subiu para R$ 3.000 mensais. O teto estipulado por Camilo derrubou o valor para R$ 2.280, mas o próximo reajuste na mensalidade está calculado em 12%, o que implicará novo salto na coparticipação.
O Ministério da Educação criou, em março de 2023, um grupo de trabalho para reformular o Fies, mas não apresentou um esboço de como ficará o programa. A pasta informou à coluna que não tem uma data exata para anunciar as propostas. Não houve resposta para os questionamentos sobre a volta do financiamento integral, a nova política de coparticipação e a instituição de um tempo de carência para o pagamento de dívidas contraídas nos últimos anos.
“A discussão para reestruturação do Fies segue no âmbito do GT-Fies, grupo [de trabalho] criado pelo Ministério da Educação. O novo desenho será oportunamente anunciado, com devida aprovação pelo Comitê Gestor do Fies (CGFIES), colegiado composto por representantes dos ministérios da Educação, da Fazenda, Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e da Casa Civil da Presidência da República”, declarou o MEC, por meio de uma nota.
Professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), Catarina de Almeida Santos afirmou que as controvérsias em relação ao Fies vão demorar a ser sanadas, devido ao montante de recursos destinados às faculdades privadas. Catarina considera que o ganho com o programa seria maior se o investimento fosse voltado para o aumento de vagas nas universidades públicas, embora considere legítima a preocupação do governo com a demanda de estudantes de famílias carentes, os quais não entram nessas instituições.
“Se toda essa verba fosse para a expansão de universidades públicas, teríamos algo mais efetivo que a própria lógica do programa”, disse a professora. “Temos que pensar para onde o Estado tem que ir. É mais efetivo que o Estado injete esse dinheiro nas instituições públicas, porque haverá expansão da estrutura, e os estudantes de baixa renda não vão ter dívidas ao fim do curso.”