Histórico das OABs em casos contra advogados alertou grupo antilavagem
Criticada por grupo de combate à lavagem de dinheiro, OAB conseguiu derrubar investigação contra advogados e não puniu Wassef
atualizado
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As críticas à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) feitas pelo Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi), uma das principais organizações multilaterais que atua no combate à lavagem de dinheiro, ligada à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), vieram na esteira de um histórico das OABs em investigações criminais e suspeitas contra advogados no país.
Como mostrou a coluna no último domingo (14/1), o documento do Gafi, publicado no mês passado, disse que a entidade mantém uma postura “conservadora” quando a investigação aponta o envolvimento de um advogado com crimes.
“Parece haver uma postura conservadora por parte da OAB quando a investigação aponta o potencial envolvimento de um advogado na lavagem de dinheiro ou crime antecedente”, afirmou o documento do Gafi, ressaltando que a OAB jamais cassou uma licença para praticar a advocacia de envolvidos no delito.
Uma das investigações que teve atuação decisiva da OAB por sua derrubada foi a Operação E$quema S. Deflagrada por ordem do então juiz federal Marcelo Bretas em setembro de 2020, a apuração foi baseada na delação premiada de Orlando Diniz, ex-presidente da Fecomércio do Rio de Janeiro.
As investigações miraram supostos pagamentos indevidos de R$ 151 milhões em contratos de Fecomércio, Sesc e Senac, todos sob influência de Diniz, com os escritórios, que teriam cometido tráfico de influência para interferir em decisões do STJ e do TCU e blindar Diniz de problemas judiciais.
A lista de investigados na operação, classificada pela OAB como “clara iniciativa de criminalização da advocacia brasileira”, incluía advogados influentes, como o hoje ministro do STF Cristiano Zanin e o sogro dele, Roberto Teixeira, compadre de Lula; Frederick Wassef, advogado da família Bolsonaro; Eduardo Martins, filho do ministro do STJ Humberto Martins; o filho do ministro do TCU Aroldo Cedraz, Tiago Cedraz; e a atual vice-presidente da OAB-RJ, Ana Tereza Basilio.
Todos sempre afirmaram ser inocentes.
Uma semana depois de a operação cumprir 51 mandados de busca e apreensão em seis estados, cinco seccionais da OAB acionaram o STF para derrubá-la. Em 3 outubro de 2020, o ministro Gilmar Mendes atendeu ao pedido e suspendeu liminarmente as apurações, então conduzidas sob as ordens de Marcelo Bretas, o juiz do braço fluminense da Lava Jato.
Em agosto de 2021, na mesma ação, a Segunda Turma do Supremo concedeu um habeas corpus de ofício, ou seja, sem que fosse antes provocado, para tirar o caso das mãos de Bretas, anular suas decisões e enviar a investigação à Justiça estadual do Rio de Janeiro.
Os ministros consideraram na ocasião que as entidades do Sistema S não estão sujeitas à Justiça Federal porque os recursos administrados por elas não são bens ou patrimônio da União.
Em abril de 2022, em uma decisão de 29 páginas, o juiz Marcelo Rubioli, da 1ª Vara Criminal Especializada do TJRJ, rejeitou a denúncia contra os acusados, trancou o processo e anulou a delação premiada de Orlando Diniz. A Segunda Turma do STF anulou a acusação do Ministério Público Federal em novembro de 2022.
Um dos alvos da operação que mirou o Sistema S e foi enterrada na Justiça, o advogado Frederick Wassef, íntimo do clã Bolsonaro, ilustra outro caso de suposta leniência da OAB com advogados suspeitos de malfeitos.
Wassef se tornou alvo de um processo administrativo na OAB-SP em junho de 2020, depois que a polícia paulista encontrou e prendeu em um sítio dele em Atibaia, interior paulista, Fabrício Queiroz. Ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro enquanto ele foi deputado estadual no Rio de Janeiro, Queiroz era investigado pelo Ministério Público fluminense como operador do esquema de rachadinhas no gabinete de Flávio.
Assim como o senador, Queiroz foi denunciado pelos crimes de lavagem de dinheiro, peculato, apropriação indébita e organização criminosa. A representação administrativa da seccional paulista da OAB sobre Frederick Wassef, no entanto, foi arquivada e ele segue com seu registro ativo e regular junto ao órgão.
Mais recentemente, em agosto de 2023, o advogado também foi alvo de um mandado de busca e apreensão da PF, por ordem do ministro do STF Alexandre de Moraes. A medida foi cumprida nas investigações sobre o desvio de joias do acervo presidencial para venda no exterior, em benefício de Jair Bolsonaro. A ação da polícia mirou Wassef por suspeitas de que ele atuou da recomprar um relógio Rolex vendido nos Estados Unidos, para devolvê-lo ao TCU.
Por ocasião da ação da PF, o Conselho Federal da OAB invocou a prerrogativa da relação entre advogado e clientes e pediu a Moraes pela preservação de informações profissionais, documentos, mídias e objetos de Wassef que não tivessem relação com as investigações do escândalo das joias. A solicitação foi atendida e um representante da OAB pôde acompanhar as perícias da PF nos celulares do advogado.
Outras críticas
Além do Gafi, outros órgãos, como a Transparência Internacional, fazem críticas à atuação da OAB em casos como estes.
O entendimento é que a advocacia é enquadrada internacionalmente como uma das atividades “facilitadoras” de esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro, mas ainda não se submeteu, no Brasil, a regulações para combater atividades ilícitas por advogados.
“Os dispositivos impõem obrigações básicas, como buscar informações adicionais ou informar a autoridades como o Coaf ou a Receita sobre transações atípicas, tais como o pagamento de honorários em dinheiro vivo ou a abertura de empresas fantasmas em paraísos fiscais”, disse Bruno Brandão, diretor-executivo da Transparência Internacional no Brasil.
Para Brandão, mecanismos de combate à lavagem de dinheiro não violam as prerrogativas de sigilo entre advogado e cliente. “Os dispositivos impõem obrigações básicas, como buscar informações adicionais ou informar a autoridades como o Coaf ou a Receita, tais como transações atípicas como o pagamento de honorários em dinheiro vivo ou a abertura de empresas fantasmas em paraísos fiscais”, exemplificou.
Advogados apontam “criminalização”
Diante das críticas, advogados apontam tentativas de “criminalizar” a atividade e que a OAB não deve dar explicações a órgãos internacionais.
“O controle se dará pelo Judiciário, que, ao processar e julgar um advogado que supostamente praticou um ato de lavagem terá a garantia constitucional de provar a sua inocência. Após o trânsito em julgado da sentença, o Gafi terá a estatística que precisa”, afirmou o criminalista André Callegari, para quem o Gafi, ao alegar falta de punições a advogados, “desconhece totalmente o sistema e nosso Estatuto” e a existência do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB.
“A OAB pune, sim, os advogados, desde que ocorra um processo justo e dentro das regras que permitem a ampla defesa e o contraditório. A mera suspeita por si só não permite a punição de ninguém. Não estamos mais no tempo da inquisição para informar “suspeitas” de participação na lavagem de dinheiro”, disse Callegari.
Por meio de nota, a OAB afirmou, sobre a nota do Gafi:
“O advogado brasileiro possui a inviolabilidade assegurada pela Constituição Federal, diferentemente do que ocorre em outras partes do mundo. A OAB defende que advogados, assim como quaisquer outros profissionais, não devem ser tratados automaticamente como suspeitos de crimes em decorrência de sua profissão. A OAB coopera sempre com os órgãos responsáveis pelo combate à corrupção, que têm obrigação de acionar a Ordem sempre que investigarem advogados em razão da atuação profissional”.