Guedes está errado. Offshore pode ser legal, mas nunca do bem; análise
Paulo Guedes disse, em audiência realizada na Câmara, que “offshore é uma faca” que pode “ser usada para o bem ou para o mal”
atualizado
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Paulo Guedes disse, nesta terça-feira (23/11), na Câmara, que “offshore é uma faca” que pode “ser usada para o bem ou para o mal“. O ministro da Economia, com todo o respeito, está errado. Vamos às razões.
– Offshore pode até ser legal, mas tê-la é um privilégio que os super-ricos desfrutam e ao qual o restante da população não tem acesso.
– Quando a origem do dinheiro é lícita, como deve ser o caso de Guedes, esse tipo de empresa é criado para se pagar menos impostos. O próprio ministro admitiu isso hoje no Congresso. “Offshore é um veículo de investimento absolutamente legal. É absolutamente legal. Por razões sucessórias, se comprar ações de empresas, se tiver uma conta em nome da pessoa física, se você falecer, 46%, 47% é expropriado pelo governo americano. Tendo uma conta em pessoa física, todo seu trabalho de vida, ao invés de deixar para herdeiros, vira imposto sobre herança. Então, o melhor é usar offshore, que está fora do continente”, explicou Guedes. Offshores diferem o imposto. Quando você distribui o lucro da offshore, ele será tributado como qualquer outro lucro, mas só quando ele resgata o dinheiro, ou seja, quando ele traz o dinheiro para o Brasil. Se nunca fizer isso, o dinheiro não será taxado aqui.
– Ela é propositalmente pouco transparente, pois é uma empresa criada em uma localidade cuja legislação favorece quem quer manter seu dinheiro escondido, longe do acesso de autoridades do país onde seus donos moram. Guedes disse, no Congresso, que “tudo é declarado no Imposto de Renda anualmente” e que “não é algo que está escondido”. O ministro está errado novamente. As autoridades brasileiras não têm capacidade de fiscalizar a offshore de Guedes da mesma maneira que conseguiria monitorar as atividades de alguma empresa sua estabelecida aqui, com CNPJ em São Paulo ou no Rio de Janeiro.
O mercado financeiro e os grandes empresários brasileiros naturalizaram o uso de offshores para proteger seus recursos das oscilações políticas e econômicas do país, porque muitos deles o fazem. Houve pouca crítica quando o Pandora Papers, colaboração de jornalismo investigativo da qual a coluna fez parte, revelou a offshore de Guedes e a antiga que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, tinha. Em parte por isso: muita gente tinha telhado de vidro nesse assunto e tinha mais é que bater na tecla que não era ilegal.
Mas ninguém, ao menos não que eu tenha visto, sacou da cartola justificativas para defender a offshore como algo “do bem” ou ético. Batem na tecla da legalidade. Ok, mas quantas atitudes e decisões no Brasil são legais, porém antiéticas ou imorais? Essa pessoa teria dificuldade de apresentar eventuais argumentos num ponto de ônibus em que, com sorte, todos fossem bancarizados.
Em se tratando do ministro da Economia, há um outro desvio ético. As decisões de Paulo Guedes incidem diretamente sobre o preço do dólar. Ainda que ele não tenha tido essa intenção, tudo que fez e que causou a desvalorização do real contribuiu diretamente para seu enriquecimento. Quando o Pandora Papers publicou a reportagem, fizemos a conta de quanto foi essa apreciação. Já ministro, Paulo Guedes pode ter lucrado R$ 14 milhões com dólares de offshore.
Por fim, o ministro apresentou um último pretexto para tentar justificar o fato de ainda manter a offshore nas Ilhas Virgens Britânicas. Disse que fez um “sacrifício” para entrar no governo Bolsonaro. “Abri mão de mais de 10 anos de trabalho. Tudo o que minha mão alcança eu abro mão. É um sacrifício pelo país”, afirmou. Este argumento parece o mais furado, novamente com todo o respeito, ministro. Entrar no governo Bolsonaro foi uma decisão sua. O Brasil não tem nada a ver com isso.