Governo Lula usa emenda de relator como verba política; veja documento
Documento entregue a deputados por integrantes do governo Lula detalha uso de verbas dos ministérios e do orçamento; veja fotos
atualizado
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O governo Lula entregou a parlamentares, na terça-feira (29/8), uma prestação de contas sobre o uso de verba federal para atender aliados, detalhando como o Executivo tem usado o Orçamento público para conseguir apoio no Congresso Nacional.
Assim como as emendas parlamentares comuns, essas verbas são usadas para conseguir apoio em votações na Câmara dos Deputados e no Senado. Ao contrário delas, porém, são distribuídas de forma desigual, sem transparência sobre o padrinho das indicações, como acontecia com as emendas de relator de Jair Bolsonaro, chamadas de orçamento secreto.
O documento obtido pela coluna detalha, inclusive, como as próprias emendas de relator continuam sendo pagas neste governo, com novos padrinhos. O governo relata ter recebido R$ 2,043 bilhões em novas demandas de aliados da Câmara nesse tipo de emenda, das quais R$ 1 bilhão já foi pago.
O relatório foi entregue aos vice-líderes para que eles usem as informações para aplacar a pressão dos partidos da base aliada, já que deputados reclamam do ritmo lento das liberações.
O valor total em emendas parlamentares pago em 2023, segundo o relatório, é R$ 13,49 bilhões, incluindo restos do orçamento secreto. O documento foi entregue aos parlamentares por Valmir Prascidelli, secretário especial de assuntos parlamentares da Secretaria de Relações Institucionais (SRI).
O deputado Bacelar, do PV da Bahia, que estava presente na reunião, disse que o governo mostrou os números para auxiliar no trabalho dos vice-líderes de mostrar às bancadas de seus partidos que estão sendo atendidas.
“O que dizem é que as emendas estão sendo pagas numa agilidade maior que antes. Como eu não recebia antes, eu não sei”, disse Bacelar.
Outro presente na reunião, o deputado José Nelto, do PP de Goiás, disse que o relatório demonstra a transparência do atual governo. “Tudo transparente, nada secreto. É muito melhor assim.”
Nos últimos anos, investigações do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria-Geral da União (CGU) mostraram que a falta de critério técnico no orçamento secreto faz com que o dinheiro público não chegue a quem precisa. No documento distribuído, não há transparência sobre quais parlamentares estão sendo beneficiados.
As modalidades de verbas para negociação política usadas pela gestão de Lula, citadas no relatório, são as seguintes.
Emendas de relator (RP 9)
Antes da proibição do orçamento secreto, o governo Bolsonaro autorizou para pagamento R$ 10,6 bilhões nesta modalidade que viraram restos a pagar (RAP) em 2023. O governo Lula tem buscado parlamentares para um “reapadrinhamento” das verbas, como já mostrou a coluna.
Não é possível autorizar novos pagamentos porque o orçamento secreto foi proibido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no fim do ano passado, após as eleições. Mas é possível dizer que o recurso que havia sido enviado por um aliado de Bolsonaro para determinada cidade é, agora, de um governista.
Ao todo, já foram pagos R$ 2,8 bilhões em restos, R$ 1 bilhão “reapadrinhado” para novos aliados da Câmara.
Quando o STF proibiu a execução das emendas de relator, determinou também que esses restos fossem pagos de acordo com critérios técnicos, e não para atender políticos da base aliada.
O documento mostra que a decisão tem sido descumprida. No sumário do documento, essa modalidade recebe o título de “Pagamentos RP 9 – identificação de autores x demanda CD (Câmara dos Deputados)”.
Após a publicação desta reportagem, a SRI entrou em contato com a coluna para dizer que está cumprindo as regras determinadas pelo Supremo Tribunal Federal para a execução dos restos a pagar das emendas de relator e que eles “só são realizados mediante o fornecimento das informações dos parlamentares que indicaram as emendas, sob controle e gestão dos ministérios responsáveis”.
Perguntada sobre quais parlamentares indicaram as emendas que estão sendo pagas, a SRI disse que não é obrigada por lei a responder e que essa informação deveria ser buscada nos ministérios.
“Por fim, cabe destacar que o processo de empenho e pagamento de emendas segue estritamente o trâmite estabelecido na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), seguindo medidas de transparência, em nada parecido com o que acontecia com o orçamento secreto”, diz a pasta. “O material mencionado pela coluna foi confeccionado pela equipe da SRI e entregue aos líderes, reforçando a postura transparente deste processo.”
Verbas dos ministérios (RP 2 A4)
São verbas sob controle dos ministros que, segundo a lei, não podem ser usadas como emendas. Cabe ao Executivo decidir onde gastar. Apesar disso, no fim do ano passado, o governo reservou R$ 9,6 bilhões desses recursos para negociação política, e assim eles têm sido usados.
No início do governo, foi prometido que haveria transparência sobre os padrinhos desses recursos. Depois, a pedido da Casa Civil, os ministérios baixaram portarias detalhando critérios técnicos para uso do dinheiro.
Ainda assim, no Ministério da Saúde, a pressão de Arthur Lira, presidente da Câmara, fez com que a pasta perdesse o poder sobre esses recursos, hoje controlados pelo Palácio do Planalto. Algo semelhante aconteceu no Ministério da Agricultura após o titular da pasta, Carlos Fávaro, usar o dinheiro para agraciar obras em seu estado, o Mato Grosso.
São esses recursos aos quais o governo se refere como “A 4” no documento. A classificação mostra que o dinheiro estava previsto originalmente como emendas de relator para 2023, mas foi remanejado pelo Congresso após a decisão do STF que proibiu o orçamento secreto.
O relatório revela que estão em análise nos órgãos R$ 6,47 bilhões em pedidos para execução das verbas de RP 2 – A4. O valor total autorizado para pagamento até agora é bem menor, R$ 2,7 bilhões.
Emendas de comissão (RP 8)
O Orçamento de 2023 prevê ainda R$ 7,5 bilhões em emendas de comissão, cuja liberação é controlada pelos presidentes de comissões legislativas da Câmara e do Senado. O Centrão quer tornar essas emendas impositivas no próximo ano, ou seja, de pagamento obrigatório.
Assim como ocorria nas emendas de relator, para haver o pagamento, um parlamentar envia um ofício determinando a liberação para um ministério.
Foi empenhado até agora menos de R$ 1 bilhão dessas emendas, motivo de reclamações recentes no Congresso. Por isso, na “prestação de contas”, o governo explica que R$ 4,5 bilhões em pedidos de RP8 foram encaminhados aos órgãos competentes para as liberações.
Esses pedidos se dividem em R$ 2,1 bilhões para o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, de Waldez Goes, indicado do União Brasil, e R$ 2,4 bilhões para o Ministério das Cidades, de Jader Filho, do MDB. Cerca de R$ 500 milhões desse bolo foram autorizados para pagamento neste ano.
O relatório frisa ainda que na Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo a dotação é de R$ 6,5 bilhões. O colegiado é presidido por Marcelo Castro, senador do MDB do Piauí. Isso significa que Castro tem poder sobre a indicação de quase a totalidade dessas verbas, um sistema de concentração de poder muito semelhante àquele do orçamento secreto.
O repórter Dimitrius Dantas mostrou que, recentemente, Castro destinou R$ 12 milhões para uma obra tocada por empresa de seu irmão.