General fez campanha para Bolsonaro ainda na ativa e em quartel; áudio
Comandante Militar do Sudeste disse à tropa a poucos dias da eleição de 2018 que era amigo de Bolsonaro e virou voto pró-Bolsonaro
atualizado
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Quando estava na ativa do Exército, em outubro de 2018, o general Luiz Eduardo Ramos, hoje ministro da Secretaria Geral, fez um discurso a favor do então candidato a presidente Jair Bolsonaro dentro do Comando Militar do Sudeste, em São Paulo. O Exército proíbe manifestações políticas de militares da ativa.
A poucos dias do primeiro turno de 2018, o atual ministro de Jair Bolsonaro declarou aos subordinados ser amigo do então candidato Bolsonaro, criticou o PT e alegou ter virado um voto pró-Bolsonaro por mensagens no WhatsApp.
O áudio do discurso do então comandante Militar do Sudeste foi obtido pela coluna. A fala de 42 minutos aconteceu em um evento interno no Espaço Cultural do Quartel-General Integrado, em São Paulo, na primeira semana de outubro. Com cerca de 700 pessoas, o QG abriga a sede do Comando Militar do Sudeste, do Comando da 2ª Região Militar e do Comando da 2ª Divisão do Exército.
“O assunto é eleição, agora, no domingo”, disse Ramos para a tropa. Faltavam poucos dias para o primeiro turno de 2018. A disputa principal era entre o então deputado Jair Bolsonaro , do PSL, e o ex-ministro Fernando Haddad, do PT.
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Ramos admitiu aos subordinados do Exército ser amigo de Bolsonaro. Elogiando a promessa de quitar dívidas de consumidores do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), feita por Ciro Gomes, do PDT, disse o general:
“Minha sinceridade para os senhores. O Ciro Gomes prega o perdão para o SPC. Alguém acha viável essa proposta? Pessoal, vou até tentar falar com o Bolsonaro, sou amigo dele, se ele for para o segundo turno. Pasmem os senhores, a proposta é viável”.
No discurso, o comandante disse ter virado um voto por Jair Bolsonaro pelo WhatsApp no mês anterior e insinuou que os subordinados deveriam fazer o mesmo por Bolsonaro. “Os senhores têm esposa, têm irmãos… Eu recebi aqui, cadê meu celular? Eu faço questão de ler a mensagem que eu recebi”, disse passando a ler a suposta mensagem:
“General Ramos, prezado amigo, boa noite. Você tem sido a minha principal fonte de material para distribuição da campanha de Jair Bolsonaro”, disse Ramos, lendo a mensagem. E seguiu: “Você falou do Bolsonaro, você me respeitou, mas perguntou se poderia comentar comigo sua opinião de quem o conhecia desde a escola preparatória. Realmente, muito a contragosto, concordei em ouvi-lo e autorizei a passar a receber suas mensagens. Vi e ali entendi. Você quebrou todas as minhas resistências. Hoje sou fiel eleitor de Jair Bolsonaro”.
Corrupção no PT
Logo depois de ler a mensagem no celular, Ramos citou casos de corrupção do governo do PT e afirmou que os militares têm uma grande capacidade de influenciar outras pessoas. “O ex-presidente Lula até então… Do lado dele o ministro Palocci… Roubo, houve tudo… Pessoal, não dá mais. Batom na cueca”.
E prosseguiu: “Nós, militares, sou general, nós temos uma capacidade muito forte para influenciar as outras pessoas. Porque nós somos honrados, temos credibilidade, a instituição Forças Armadas tem mais de 80% [de credibilidade]. Então eu já fiz esse teste. Chega num jornaleiro, que você já conheça, e manifeste o seu voto”, disse. E citou a resposta desse jornaleiro: “Mas o senhor é capitão, se o senhor está falando isso, o senhor tem razão, vou votar…”. E Ramos arrematou: “Essa é a mensagem”.
Ramos passou o microfone à plateia poucas vezes nos 42 minutos de discurso. Todas para questionar publicamente se os subordinados eram a favor de temas como o aborto ou “ideologia de gênero”, insinuando que eram propostas do PT, o que é falso.
“Você é casada? Pretende ter filho? É a favor ou contra o aborto? Contra o aborto. Muito bem”, disse Ramos, interpelando subordinadas. Quando ouviu de uma militar que a opinião dependia da situação, ficou contrariado e tentou rir da situação.
O general também criticou, sem apresentar prova alguma, a existência, na Europa, de “meninas de quatro, cinco anos vestidas de cowboy, garotinho com cinco anos botando batom”. “O que é a ideologia de gênero? Já está em outros países. Não é mensagem de WhatsApp”, desconversou, sem dar argumentos para o suposto fato. E atacou pessoas LGBTs: “É um direito meu dizer ‘não é comum’ [ser homossexual]. Se alguém falar isso numa igreja católica, evangélica, judaica, ele vai ser preso. Porque está incentivando o ódio ao LGBT. Que ódio ao LGBT, pessoal?”, criticou o comandante militar.
Ministro e cabo eleitoral
Como mostrou a coluna no último dia 7, Ramos repetiu o expediente recentemente, em uma cerimônia na Imprensa Nacional, como ministro e cabo eleitoral oficial de Bolsonaro.
Ramos costurava esses momentos de “sinceridade” com outros em que alegava ser isento e que não poderia indicar votos em candidatos. “Não pode ter influência, eu não posso ser imoral… Por que o general falou? Não. Votem em quem vocês acharem”.
No regulamento disciplinar do Exército, manifestações como essa são consideradas transgressões: “Tomar parte, em área militar ou sob jurisdição militar, em discussão a respeito de assuntos de natureza político-partidária ou religiosa”, bem como “manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária” e ainda “tomar parte, fardado, em manifestações de natureza político-partidária”.
Com a aproximação de militares do governo Bolsonaro, a regra ficou só no papel. Em 2021, a Força isentou o general da ativa e ex-ministro Eduardo Pazuello de punição por ter dividido um palanque político com Bolsonaro. O próprio Ramos ficou um ano no Palácio do Planalto como auxiliar de Bolsonaro sendo militar da ativa. Só passou à reserva no meio de 2020.
Procurado por meio da Secretaria Geral da Presidência, o ministro Luiz Eduardo Ramos não respondeu aos questionamentos da coluna.