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Ex-oficial cobrada por licença-maternidade acusa Marinha de homofobia

Óvulos de Danielle Barretto foram implantados na esposa; Marinha negou licença, exonerou a oficial e conseguiu bloquear R$ 100 mil

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Danielle Barretto
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No mês passado, Danielle Barretto, diretora de uma escola particular no Rio de Janeiro e ex-primeiro-tenente da Marinha, ficou surpresa quando seus cartões do banco passaram a ser recusados nas lojas. Após uma consulta à gerente do banco, descobriu que sua conta havia sido bloqueada por ordem da Justiça Federal, em uma ação movida pela Marinha, onde trabalhou por sete anos até não ter mais o contrato renovado sem explicação.

A reviravolta fez a pedagoga começar a receber o salário em dinheiro vivo, para evitar o bloqueio dos recursos e conseguir sustentar a família, e também a levou a reviver uma fase difícil. Em 2018, quando os óvulos de Danielle foram implantados no ventre da esposa e o casal teve gêmeos, a Marinha lhe negou de pronto a licença-maternidade. A militar conseguiu o direito na Justiça, mas foi desligada da corporação assim que retornou ao serviço. Agora, a Força quer o dinheiro de volta, como mostrou a repórter Anna Virginia Balloussier. Em entrevista à coluna, Danielle Barretto afirmou que a Marinha agiu com homofobia no episódio.

“Eu pedi a decisão da Marinha por escrito, e o comandante me olhou bem e disse, num tom intimidatório: ‘Você tem certeza do que está me pedindo?”, disse a pedagoga, referindo-se ao então comandante do Centro de Instrução Almirante Wandenkolk, contra-almirante Henrique Renato Baptista de Souza. A organização militar fica na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, entre o Museu do Amanhã e a Ponte Rio-Niterói.

“Quando me desligaram da Marinha, foi a configuração plena da homofobia. Eu tinha uma mulher que não trabalhava, dois filhos de seis meses e a Marinha me disse que eu não tinha direito a licença-maternidade. É revoltante. A Marinha quer passar por cima da Constituição”, completou Danielle Barretto, que também contou que se sentiu monitorada pela Inteligência da Marinha quando casou com sua esposa, em 2016.

Procurada, a Marinha afirmou que “a licença-gestante é devida às mulheres que ficarem grávidas durante a prestação do serviço militar”, e que o “acerto” da Força foi confirmado pela segunda instância da Justiça. Questionada sobre as acusações de homofobia, a Marinha não respondeu.

Leia os principais trechos da entrevista:

Como soube que a Marinha havia negado sua licença-maternidade?
Em 2018, eu pedi formalmente que a Marinha fizesse uma pesquisa jurídica sobre meu caso, que era atípico. Queria saber em que licença eu me enquadrava. Eu havia tentado engravidar por fertilização in vitro, mas uma mutação genética me impediu. Na segunda tentativa, implantamos meus óvulos na minha esposa. Os gêmeos nasceram, a minha companheira não trabalhava e não teria licença. O Comando nem sequer tentou qualquer possibilidade de analisar o caso. Eles se recusaram a fazer a pesquisa. Em uma reunião com o comandante do centro, contra-almirante Henrique Renato Baptista de Souza, fui informada de que na Marinha só havia licença-gestante ou licença-adotante. Eu pedi a decisão por escrito, e o comandante me olhou bem e disse, num tom intimidatório: “Você tem certeza do que está me pedindo?”. Respondi: “Afirmativo. Tenho plena consciência dos meus direitos”. Depois, a reunião acabou e fiquei esperando o documento. Se eu fosse casada com um homem e fizesse uma inseminação in vitro em uma barriga solidária, iam me dar licença-paternidade? E se fosse casada com outro oficial da Marinha e usássemos uma barriga solidária? Eu não tiraria a licença-maternidade?

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Você recebeu um documento por escrito, mas apenas à mão, sem registro no sistema da Marinha, certo?
Sim. Fiquei umas duas horas esperando depois da reunião, e o zero dois do comandante, o capitão-de-mar-e-guerra Ricardo Pereira da Silva, me chamou e falou: “Situação difícil a sua, né?”, ao que respondi: “A minha, não. Da Marinha. Eu sou pai?”, e ele disse: “Não, pai você não é”. E acrescentei: “Se não sou pai, sou mãe. Não é a Marinha que vai me ceifar esse direito”. Aí ele me entregou o documento escrito por ele à mão, afirmando que eu poderia tirar apenas a licença-paternidade, de cinco dias. Fui para o alojamento, tive uma descarga emocional e decidi recorrer à Justiça. Eu tinha uma mulher que não trabalhava, dois filhos de seis meses e a Marinha me disse que eu não tinha direito a licença-maternidade. Eu não tive outra escolha. É revoltante. A Constituição é clara com a licença-maternidade, mas a Marinha tem a lei dela, e acha que isso prevalece, quer passar por cima da Constituição.

Quando você se reapresentou depois de tirar a licença, estava a apenas um ano de ser efetivada na Marinha…
Exato. Os oficiais temporários precisam ter o serviço renovado pela Marinha anualmente durante oito anos. Eu estava no meu sétimo ano. Baixaram a minha avaliação de 10 para 7 e não me renovaram por ordem do comandante. A minha turma, de 2012, foi a primeira da Marinha a ter quadros promovidos a capitão-tenente. Fui desligada antes disso. Fiquei muito decepcionada. Sempre honrei aquele lugar. Eu era uma oficial super requisitada, representava a Marinha em comissões, conduzia concursos, fazia discursos em eventos militares, e de repente virei um monstro. Ali foi a configuração plena da homofobia.

Que outros sinais você teve de que sofreu homofobia na Força?
Quando eu me casei com minha esposa, em 2016, avisei a Marinha da minha decisão, como manda a regra. Na época, o comandante era outro. Me disse que a vida era minha e eu casava com quem eu quisesse. Me casei em uma cerimônia com amigas fardadas e o chamado teto de aço, com uma imposição de espadas. Fiz jus a tudo o que me cabia como oficial da Marinha. Depois, fui procurada por um suboficial da Inteligência da Marinha, que me falou: “Poxa, tenente, a senhora tem um vídeo aí do making of do seu casamento…”. E eu falei: “E daí? Tem algum problema? Não tenho nada a esconder”. Aí ele: “Não… só estou falando porque as pessoas comentam…”. Não tenho provas, mas soube que a Inteligência da Marinha ficou rastreando fotos do meu casamento para saberem se eu havia casado fardada. Lógico que não, me casei linda e maravilhosa com um vestido de noiva.

Como tem sido sua rotina depois que ficou sabendo do bloqueio judicial de R$ 100 mil imposto pela Marinha?
É um transtorno muito grande. Meu advogado dizia que estava tudo certo, saiu do caso porque estava com problemas pessoais. A Marinha recorreu, meu advogado não se manifestou e o processo seguiu. Para minha surpresa, tive o bloqueio judicial de R$ 100 mil em agosto deste ano. Como encontraram um valor irrisório nas minhas contas, agora estão buscando outros bens e podem tentar tirar minha casa. Tive de expor a situação no meu trabalho atual, estou recebendo o salário em dinheiro vivo, na boca do caixa. Não posso deixar nenhum dinheiro na conta. Não tenho a mínima condição de pagar essa dívida. É um absurdo. Me negaram a licença-maternidade, mas pagam pensão para filhas de militares que podem trabalhar.

Você foi a primeira a acionar a Marinha na Justiça por uma licença-maternidade em uma relação homoafetiva. Acredita que a Força mude de comportamento?
Espero muito que um dia esse absurdo dentro das Forças Armadas termine. São vários relacionamentos homoafetivos, vários relacionamentos extraconjugais em que as pessoas escondem com medo de serem perseguidas. Não assumem a orientação sexual, fingem uma coisa que não são para não pagarem esse preço que estou passando agora. Tomara que o que estou passando sirva para que mude algo naquele lugar e nas Forças Armadas. Entre ser perseguida e lutar pela minha família, vou sempre lutar pela minha família. Eu faria exatamente tudo de novo.

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metropoles.comGuilherme Amado

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