Embaixador de Israel: “Podemos chegar a uma guerra do Oriente Médio”
Em entrevista à coluna, Daniel Zonshine, embaixador de Israel no Brasil, disse que Israel não será “delicada” em caso de novos ataques
atualizado
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O embaixador de Israel no Brasil, Daniel Zonshine, alertou nesta quarta-feira (25/10) que a guerra entre Israel e o Hamas pode escalar para uma guerra do Oriente Médio. Em entrevista à coluna, Zonshine afirmou que Israel não responderá “de maneira delicada” caso os países vizinhos abram mais uma frente de ataque.
A guerra começou no último dia 7, depois de um ataque surpresa do Hamas a Israel. O país acusa o Hamas e o Hezbollah, grupos políticos e paramilitares da região, de terrorismo, em uma posição diferente da adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU). A Síria e o Líbano têm esgarçado relações com Israel, mas a chave do acirramento do conflito, segundo o embaixador, está nas mãos do Irã.
“Pode aumentar para uma guerra do Oriente Médio. Seria muito, muito ruim. A chave está nas mãos do Irã. Se eles decidem abrir mais uma frente contra Israel, seja diretamente ou através do Hezbollah, Israel não vai reagir de maneira delicada”, afirmou Zonshine em entrevista na embaixada.
Zonshine rechaçou as acusações de que Israel esteja praticando crimes de guerra e atacou o posicionamento do secretário-geral da ONU sobre o conflito. Depois de ter criticado a postura do governo brasileiro, o diplomata recuou e disse manter uma conversa “amigável” com o Brasil. O embaixador disse ainda que não é possível chegar a uma solução completa apenas por meio da força bélica, mas admitiu que levará muito tempo até que israelenses e palestinos voltem a conviver sem hostilidades.
Leia os principais trechos da entrevista.
Como avalia a guerra, que está prestes a completar três semanas e sete mil mortos?
A necessidade imediata de Israel foi reagir ao Hamas. Temos de estabelecer uma linha e parar os lançamentos de mísseis contra Israel, que continuam. Israel tem o direito de se defender, e isso não é só ficar sentado e esperar por mísseis. Israel foi a vítima do Hamas. Há mais de 200 israelenses reféns do Hamas. Isso é 100% crime de guerra. Nossa guerra é contra o Hamas, não contra os palestinos ou a Autoridade Palestina.
A comunidade internacional aponta que Israel tem cometido crimes de guerra ao impor um bloqueio total de água, combustível e alimentos à Faixa de Gaza, em retaliação à ofensiva do Hamas.
Não queremos criar sofrimento na Faixa de Gaza. Saímos de Gaza 18 anos atrás, deixamos tudo para os palestinos. Depois o Hamas chegou ao poder e passou a dominar Gaza. Desde que saímos, nada foi feito para melhorar a vida das pessoas lá. Se pedissem ajuda, todos ajudariam, e o primeiro a ajudar seria Israel. Desejamos ter vizinhos com boa economia e boa educação. Não temos a obrigação de abastecer Gaza. Cerca de 92% da água de Gaza vêm de fontes de lá. Tivemos um cano que levava água a Gaza e que foi destruído pelo Hamas. A metade da eletricidade de Gaza vem de Israel. O Hamas destruiu nove das dez linhas. Não vamos consertá-las, é perigoso. A Faixa de Gaza tem também o mar e uma fronteira com o Egito. Não é totalmente cercada por Israel. Algo que me irrita é que falam sobre necessidades humanitárias, mas não sobre os reféns de Israel que estão com o Hamas. Na comunidade internacional usam palavras difíceis e duras contra Israel, e se esquecem de que quem começou tudo e causou o sofrimento dos dois lados da fronteira foi o Hamas.
Israel também entrou em conflito com a Síria e o Líbano, e tem trocado declarações duras com o Irã. A batalha pode ir além de Israel e Palestina e se tornar uma guerra regional?
Pode aumentar para uma guerra do Oriente Médio. Seria muito, muito ruim. Nós e outros atores internacionais importantes, como os Estados Unidos, passamos mensagens para os libaneses, para o Hezbollah e para o Irã. A chave está nas mãos do Irã. Se eles decidem abrir mais uma frente contra Israel, seja diretamente ou através do Hezbollah, Israel não vai reagir de maneira delicada. O Hezbollah tem um poderio militar maior do que o Hamas. Se eles mandarem lançar foguetes, o Líbano [país sede do Hezbollah] e os libaneses vão sofrer. Isso não é uma ameaça, é um fato.
O que acha do posicionamento do governo brasileiro sobre a guerra?
Tivemos diferenças de opiniões e definições. Isso não é segredo. Nós achamos que esse tipo de ataque não pode ser definido além de terrorismo. O governo brasileiro, no início, escolheu não usar essa palavra [Na verdade, desde a primeira manifestação no Twitter, Lula falou em terrorismo]. Agora a situação é um pouco diferente. Mantemos o diálogo aberto. Vamos continuar discordando sobre algumas coisas.
O senhor foi convidado a uma reunião no Itamaraty na última semana. Pediram que o senhor mudasse o tom?
Nós conversamos. Temos conversas sobre muitos assuntos, de maneira aberta, direta e amigável.
O senhor concordou com o veto americano à resolução apresentada pelo Brasil no Conselho de Segurança da ONU, que não falava no direito de defesa de Israel?
Sim. Faltava o direito de se defender, mas também a necessidade de desmilitarizar o Hamas, que é a causa desta guerra, e mais uma ou duas coisas mais importantes para nós e para os americanos. Por isso a resolução foi vetada.
Israel reagiu duramente à declaração do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, de que “o ataque de Hamas não aconteceu por acaso”, e também recusou vistos para representantes da entidade. Esse choque vai se manter?
A ONU tem a visão dos países que fazem parte dela, seja no Conselho de Segurança ou na Assembleia Geral. Quando há tantos países com tantos interesses, é difícil chegar a um ponto comum. Nesse sentido, a voz do secretário-geral é muito importante. Não sei se ele pode ou deve integrar todas as vontades de todos. Para nós, faltavam coisas básicas nas palavras dele. De uma maneira geral, há pessoas que não entendem quem temos que enfrentar. Às vezes confundem Hamas com a causa palestina.
Que perspectivas o senhor tem do conflito?
A tarefa é difícil. Não podemos resolver tudo por força militar. Temos de discutir com os palestinos de que maneira eles veem o futuro: a continuação da guerra ou a paz. É necessário buscar uma solução de, pelo menos, uma convivência pacífica. Precisamos reconstruir Israel física, social e psicologicamente, e ver como conviver com os vizinhos palestinos. Ninguém vai desaparecer. É preciso pensar em uma vida lado a lado, com uma perspectiva positiva, de desenvolver e não de destruir. Vai levar tempo até chegarmos a uma situação de bons vizinhos.