Ditadura intimou e vigiou Tarcísio Meira durante abertura política, mostram documentos
O ator foi chamado para depor na Polícia Federal e é citado em diversos relatórios que monitoravam os participantes das Diretas Já
atualizado
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A ditadura militar autuou e multou o ator Tarcísio Meira, morto na quinta-feira (12/8) por complicações da Covid-19, por violar as regras da censura federal, em 1978, ao ler um manifesto contra o regime no fim de uma peça de teatro em Porto Alegre. Tarcísio foi intimado a depor na Polícia Federal devido ao incidente, quando foi questionado sobre sua posição em relação ao governo. Um informe do Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão central de inteligência da ditadura militar, obtido pela coluna, mostra que a razão oficial da multa foi por ele ter “alterado a programação” autorizada pela censura para a exibição da peça. A fala fazia parte de um manifesto contra a violência policial dias antes na repressão a um protesto a favor da anistia ocorrido em Porto Alegre.
O manifesto foi lido em 8 de setembro de 1978, no antigo Teatro Leopoldina, a pedido da Associação de Artistas e Técnicos em Espetáculo do Rio Grande do Sul, ao fim da peça “Tudo bem no ano que vem”, que Tarcísio protagonizou com Glória Menezes. Dizia o texto lido pelo ator:
“A Associação Profissional de Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado do Rio Grande do Sul manifesta de público seu repúdio aos atos de violência ocorridos terça-feira, dia 5 do corrente, por ocasião da manifestação pública a favor da Anistia, quando artistas, jornalistas e populares foram agredidos a cacetadas, socos, pontapés e arrastados pelas ruas até as viaturas policiais, onde foram algemados e levados a um posto policial na estação rodoviária e posteriormente conduzidos à polícia política, onde foram identificados e submetidos a depoimento. Inconformados ante tais atos, os artistas gaúchos solidários à luta do povo brasileiro pelas liberdades democráticas conclamam as demais classes a se manifestarem de forma organizada trazendo a público seus posicionamentos, ao mesmo tempo que reafirmam a este mesmo povo sua disposição de prosseguir na luta pelo fim do arbítrio e a favor da liberdade até a vitória final”.
Ao relatar o episódio para a agência central do SNI, em Brasília, a representação do órgão em Porto Alegre foi clara sobre o real problema por trás do ato:
“Tal manifesto de conteúdo político-ideológico contrário ao regime do país contém ‘repúdio às violências policiais’ ocorridas em 05 set 78, durante manifestação pública a favor da anistia. Expressa, ainda, a rejeição a todas as repressões exercidas contra as liberdades democráticas”.
O informe do braço gaúcho do SNI informou a Brasília detalhes do depoimento de Tarcísio. Nele, não se sabe se por convicção ou pela necessidade de agradar seus interlocutores e evitar problemas, o ator disse ter “simpatia” por Ernesto Geisel.
“Tarcísio Meira prestou depoimento na SCDP/SR/DPF/RS (Serviço de Censura e Diversões Públicas da Superintendência do Rio Grande do Sul da Polícia Federal), tendo salientado que, por ocasião da leitura do manifesto da APATEDERGS, suprimiu alguns tópicos por não concordar com eles. No aspecto pessoal, o ator em questão revelou ter simpatia pelo presidente Ernesto Geisel“.
Foram dois os trechos a que o texto faz referência, que haviam sido suprimidos da versão original. Primeiro, dizia que os manifestantes haviam sido agredidos “bestialmente” — a palavra foi cortada, segundo Tarcísio teria informado no depoimento. Depois, o seguinte trecho:
“Tais violências são um reflexo do clima de insegurança em que vive o povo brasileiro, tolhido do exercício da livre expressão e de um mínimo de liberdade concedido a todo ser humano, revoltam até mesmo aos indiferentes e causam náusea somente pela sua lembrança”.
Monitoramento durante as Diretas Já
Tarcísio Meira também foi monitorado durante as Diretas Já, segundo mostram documentos também do Serviço Nacional de Informações obtidos pela coluna. O ator é citado em vários relatórios sobre sua atuação no movimento, desde falas em apoio às eleições diretas até a presença em comícios.
O ator é identificado ao lado de outras personalidades influentes na época, que participavam dos comícios a favor das eleições. Em um dos documentos, os agentes da SNI sublinharam uma fala de Tarcísio em passagem por Goiânia.
“O ator Tarcísio Meira afirmou, no dia 8 de março de 1984, em Goiânia/GO, que ‘não existe ninguém neste país que seja conscientemente contra as eleições diretas’. Tarcísio Meira, juntamente com a sua esposa Glória Menezes, faz parte do elenco que está apresentando nesta capital a comédia Toma Lá Da Cá”, cita o documento.
Em outro, o ator é identificado como um dos oradores em um comício a favor de Tancredo Neves. Entre os artistas citados, estão Maitê Proença, Lúcio Mauro, Geraldo Azevedo e Fafá de Belém. Este documento também reúne diversas reportagens jornalísticas que falam sobre manifestações a favor das eleições. Meira era citado em todas.
Manifesto Peça Teatro by Tacio Lorran Silva on Scribd