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Diretor-geral diz que PRFs não podem tudo e responderão por desvios

Diretor-geral da PRF disse que o 8 de Janeiro marcou mudança de orientação e que todo o efetivo policial terá curso de direitos humanos

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Valter Campanato/Agência Brasil
Antônio Fernando Oliveira, diretor-geral da PRF do governo Lula
1 de 1 Antônio Fernando Oliveira, diretor-geral da PRF do governo Lula - Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

O diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Antônio Fernando Oliveira, não foi chamado para participar de documentários nem reportagens especiais sobre os ataques golpistas do 8 de Janeiro, mas, ao receber a coluna em seu escritório, na sede da instituição em Brasília, contou como aquela data representou uma mudança de rumo para a PRF. Sem uma equipe própria nomeada na época, Oliveira foi pessoalmente recolher as chaves dos ônibus fretados por golpistas e apreendidos após a invasão às sedes dos Três Poderes. Os veículos ficariam dias estacionados no pátio da PRF.

“Essa foi uma demonstração clara da conduta da PRF em defender o Estado, a democracia e a lei”, declarou Oliveira. Era um gesto voltado não só à sociedade, mas ao efetivo policial. Convertida em braço político do governo Bolsonaro, a PRF atuou ativamente nos preparativos da tentativa de golpe. O ex-diretor-geral Silvinei Vasques, preso até hoje a mando de Alexandre de Moraes, organizou as blitze que tentaram impedir eleitores nordestinos de votar no segundo turno de 2022 e ignorou alertas da Abin sobre bloqueios de caminhoneiros em rodovias após a vitória de Lula.

Próximo a Flávio Dino, que deixará o Ministério da Justiça e Segurança Pública no dia 1ºde fevereiro, Oliveira não quis se alongar sobre a prisão do antecessor, mas assegurou que a resposta das instituições ao 8 de Janeiro mostra que a PRF não voltará a ser instrumentalizada pelo governo de ocasião. “Nosso arcabouço não impede que a ilegalidade seja feita, mas garante que as pessoas responderão por ela. Cabe à estrutura das instituições provar que não podemos tudo e que responderemos pelo que fazemos.”

Oliveira afirma que o mesmo vale para policiais que atuarem fora dos limites legais. Nessa entrevista, o diretor-geral critica o desvirtuamento das atribuições da PRF no governo Bolsonaro, garante que todo o efetivo policial terá aulas sobre direitos humanos e noções básicas de direito disciplinar e detalha o procedimento para implementar câmeras nas fardas dos agentes. Confira abaixo os principais trechos da conversa:

O que os ataques golpistas do 8 de Janeiro representaram para a PRF?

Posso dizer que houve uma mudança clara de orientação e de ação da PRF desde o 8 de Janeiro. Os meus primeiros diretores só foram nomeados no dia seguinte e, mesmo assim, atuamos preventivamente, fiscalizando o entorno de Brasília para encontrar ônibus irregulares e pessoas com mandado de prisão. Após o ocorrido, eu fui pessoalmente recolher as chaves dos ônibus apreendidos. Considero que essa foi uma demonstração da conduta da PRF em defender o Estado, a democracia e a lei. Foi um marco para a atuação da PRF, até porque a apreensão daqueles ônibus impediu fugas e foi fundamental para gerar provas para as investigações da Polícia Federal.

Como o senhor encontrou a PRF? Havia um sentimento golpista ou antidemocrático externado por policiais e diretores?

Nunca foi verbalizado. A polarização política alcançou a sociedade como um todo, então eu não acredito que nenhuma polícia ou instituição passou isenta por esse fenômeno. Já afirmei algumas vezes que peguei a PRF em seu pior momento histórico. Precisávamos de uma atuação forte o suficiente para demonstrar qual é a polícia que somos e qual é a polícia que devemos ser. Sem, contudo, excluir agentes por uma simples opção de voto. Quando falo para o meu público interno, digo que defendemos a democracia e que isso significa respeitar a opção de cada um. Mas a sua opção eleitoral não pode impactar o trabalho profissional. O policial fardado, como agente de Estado, deve respeitar as atribuições da PRF e os limites legais, o que inclui a própria democracia.

Arquivo/PRF
Antônio Fernando Oliveira, diretor-geral da PRF, em operação que apreendeu ônibus usados nos ataques do 8 de Janeiro

Ao falar sobre limites legais, o senhor concorda que houve uma hipertrofia das atribuições da PRF no governo anterior?

Se nós observarmos as decisões estratégicas da PRF na gestão anterior, fica claro que uma atribuição foi priorizada em detrimento de outras. A PRF nasceu como uma instituição de segurança viária. É claro que fizemos atuações fora da rodovia em 2023. Estivemos quase o ano inteiro em terras indígenas, em apoio ao Ibama e ao IBGE. Está na nossa prerrogativa atuar em áreas de interesse da União, mas não podemos abandonar as atribuições originárias. Eu acredito que podemos fazer uma segurança pública com inteligência e civilidade. Não se combate o crime cometendo outro crime. Uma polícia eficiente é uma polícia civilizada e que atua com respeito aos limites legais.

Quais medidas concretas foram adotadas para despolitizar a PRF nesse último ano?

Isso está incluído no respeito ao limite legal da nossa atuação. Em termos de medidas práticas, mudamos a doutrina da formação policial e sua organização, com a retomada da disciplina de direitos humanos. Fora do âmbito de ensino, criamos na sede da PRF a coordenação-geral de direitos humanos, para difundir os limites impostos a todos os nossos policiais.

O que muda com a reintrodução do conceito de direitos humanos na PRF?

A disciplina de direitos humanos havia deixado de ser obrigatória na gestão anterior, o que nos obrigou a recriar a matriz de ensino da PRF. No ano passado, fizemos a qualificação de novos instrutores da matéria e estamos treinando os instrutores que dão os cursos de aperfeiçoamento nos estados. Nos cursos de abordagem, por exemplo, haverá o ensinamento de letramento racial e de como devem ser feitas as abordagens a pessoas do espectro autista. Todas as turmas formadas sem a disciplina serão retreinadas. Os 723 alunos dos últimos concursos já foram para as salas de aula fazer todo o curso. Além disso, incrementamos a grade de formação com os conhecimentos básicos de direito disciplinar. Entendemos que é preciso haver uma matéria específica para a segurança jurídica do policial, em vez de difundi-la em vários cursos. O policial não tem só que agir no limite legal, ele precisa conhecer e identificar quais são os limites legais da atuação. A corregedoria da PRF já tem feito reuniões preventivas com o efetivo para detalhar quais responsabilizações são aplicáveis em cada caso de transgressão de conduta.

“Todas as turmas formadas sem a disciplina de direitos humanos serão retreinadas. Os 723 alunos dos últimos concursos já foram para as salas de aula fazer todo o curso.”

A preocupação com os direitos humanos trouxe resultados para a atuação da PRF neste ano?

Percebo que os conceitos estão difundidos nas operações práticas. Foi fundamental reativar as atuações baseadas em direitos humanos, como a prevenção à exploração sexual infantil e o combate ao crime ambiental. Isso aumentou a sensação de humanização na atuação policial. O enfrentamento puro ao crime gera um embate maior na instituição, porque sempre haverá o grupo especial que sobe o morro para trocar tiros com as facções criminosas. Continuamos combatendo as organizações criminosas, e fizemos isso muito bem no Rio de Janeiro, mas tivemos redução de 82% na letalidade global, em comparação com 2022.

Essa redução na letalidade não se justifica pela diminuição das atuações da PRF em operações nas favelas?

Continuamos participando das operações, mas nos cinturões. Legalmente, a PRF até pode apoiar as instituições que solicitam a nossa participação. Mas essa não é uma atribuição ordinária da PRF e não acho que devemos fazer esse tipo de serviço sozinhos. Para fortalecer as instituições, é preciso respeitar a atribuição de cada um delas.

Quais garantias a população terá de que a PRF não se tornará mais um braço político do governo de ocasião?

São as mesmas garantias de que a democracia não será atacada e que asseguram a boa atuação das outras instituições, como o STF e o Congresso. A atuação de uma instituição impede o desvirtuamento de outra. Está claro para mim que as instituições têm a cara de quem as gere, de quem as dirige.

Isso pode ser um problema. Não é necessário haver um sistema de freios e contrapesos próprio da instituição para evitar os episódios do passado?

Acredito que a sociedade amadurece com os fatos e, hoje, está claro que a democracia é um valor inegociável. O arcabouço jurídico e legal que nos sustenta já existe.

Mas não funcionou em 2022. 

O que não funcionou em 2022? Se existiram desvios, essas pessoas estão sendo processadas e respondem legalmente. O ex-diretor da PRF está preso. Ele está sendo responsabilizado e responde por isso. Então eu acredito que funcionou, sim. O nosso arcabouço não impede que a ilegalidade seja feita, mas garante que as pessoas responderão por ela. Cabe à estrutura das instituições provar que não podemos tudo e que responderemos pelo que fazemos.

“Nosso arcabouço não impede que a ilegalidade seja feita, mas garante que as pessoas responderão por ela. Cabe à estrutura das instituições provar que não podemos tudo e que responderemos pelo que fazemos.”

O ex-diretor-geral Silvinei Vasques ainda tem ascendência sobre os policiais da PRF?

Essa é uma questão subjetiva e difícil de responder. Se você me perguntar sobre o pensamento de polícia que ele representou, provavelmente alguns agentes da PRF devem concordar com essa linha de raciocínio dele. Mas eu posso lhe assegurar que não existe ascendência que impeça o bom andamento da instituição ou algo desse tipo.

O senhor considera que a prisão do Silvinei Vasques é justa?

Prefiro não opinar sobre essa questão, porque penso que a Justiça tem que decidir o que é justo ou não. Isso cabe a quem está conduzindo a apuração dos processos. Eu não tenho domínio sobre o conteúdo desses processos e confio muito na Justiça e no Estado.

Silvinei Vasques, ex-diretor-geral da PRF, está preso a mando de Alexandre de Moraes

Como está o processo de transferência da universidade da PRF de Santa Catarina para Brasília?

O governo autorizou a construção da universidade em Brasília e temos orçamento para isso. Estamos cumprindo o trâmite de licitação, e o edital de construção deve sair em um ou dois meses. Considero que isso será um ponto de evolução para a PRF. Discutimos anteriormente que a doutrina de formação e que a atuação dos instrutores, tidos como referências para toda coletividade, são fundamentais para a atuação da PRF. Logo, esse corpo de formadores tem que estar junto a quem faz a administração da PRF. Se eu quiser encontrar e supervisionar a atuação de qualquer uma das direções da PRF, eu desço as escadas e vou até a pétala onde trabalha o diretor. Não ter acesso direto à UniPRF é um prejuízo para a direção-geral e para a própria área de ensino. Eu defendo, inclusive, que o ensino passe a ser uma diretoria na nossa estrutura.

A UniPRF só sairá de Santa Catarina quando a sede for construída em Brasília?

Isso acontecerá quando tivermos a estrutura mínima para que não exista perda de qualidade no ensino. Ela será feita em construção modular, então não precisaremos ter todos os módulos prontos para fazer a transferência. Dizem que sou muito otimista, mas tenho esperanças de que isso aconteça ainda em 2024. Se não ocorrer, certamente a UniPRF estará em Brasília em 2025.

Outra solução encontrada pela PRF para conter os abusos de conduta dos policiais é a implementação de câmeras nas fardas. Qual é o atual estágio desse processo?

As câmeras corporais, mais do que uma proteção à sociedade, são instrumentos para proteger a atuação do policial. No ano passado, a PRF abordou 5 milhões de pessoas. Não é um número pequeno, não é uma coisa fácil de fazer. A garantia que temos é filmar essa abordagem. Qual proteção maior nós teríamos para demonstrar que estamos dentro do limite legal? Eu institui uma comissão de estudos, no ano passado, não para discutir se devemos ou não implantar as câmeras. Isso nós já sabemos. Estamos estudando como implementar de forma mais eficiente. Como será feita a gestão dos dados? Qual é a melhor forma de fazer o armazenamento? Como esses dados podem se tornar úteis para a segurança pública? Podemos associar uma tecnologia de reconhecimento facial a eles? Recebemos a doação de 200 câmeras da Embaixada dos Estados Unidos, em dezembro, que serão usadas em um projeto piloto no Rio de Janeiro. Elas passarão por testes técnicos ainda neste mês antes de organizarmos o uso experimental com os policiais.

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