Ao contrário do que disse ao CNJ, juiz expôs viés político no WhatsApp
Marlos Melek disse ao CNJ que não fez comentários de teor político em grupo de WhatsApp que reunia empresários defensores do golpe
atualizado
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O juiz federal do Trabalho Marlos Melek fez diversos comentários de cunho político no grupo de WhatsApp “Empresários & Política”, cujas conversas foram reveladas em agosto do ano passado pela coluna. Empresários defendiam abertamente um golpe militar e teses antidemocráticas no grupo.
O CNJ afastou Melek das funções nesta terça-feira (20/9), como revelou a jornalista Bela Megale. Ele foi alvo do CNJ por comentar uma reportagem encaminhada ao grupo, que tinha como título “Empresários Atacam Igreja Católica”. Melek a classificou como “ideológica”.
Ao apresentar sua defesa, Melek disse ao CNJ que fez uma postagem “sem qualquer teor eleitoral ou político, referindo-se apenas a uma publicação jornalística sem relação com política”.
Melek foi adicionado ao grupo no dia 19 de maio de 2022. Naquele dia, o juiz se apresentou como “defensor ferrenho da liberdade e [da] menor intervenção do Estado”. Os empresários comemoraram a entrada de Melek ao grupo e afirmaram que sonhavam em vê-lo no Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Às 19h20 daquele dia, Melek fez o primeiro comentário político no grupo. “Ricardo Salles: uma das mentes mais brilhantes que passou pelo governo, priorizando o que deve ser priorizado com coerência e espírito republicano!”, escreveu o juiz, após Salles ter sido adicionado ao grupo.
No dia 1º de junho de 2022, às 10h58, Melek interagiu em uma conversa com xingamentos à esquerda. “Tomem, esquerdistas que tanto criticaram a reforma trabalhista….!”, disse. Dois dias depois, às 19h28, Melek sugeriu que empresas fechariam as portas com a volta da esquerda ao poder.
Às 12h02 do dia 6 de junho de 2022, Melek tornou a fazer postagem política. “Chora esquerdalha (sic)”, afirmou. No dia seguinte, às 18h34, Melek comentou a adesão de Geraldo Alckmin à campanha de Lula. “Desculpem o desabafo. Mas que nojo do Alckmin. Por quantos anos fomos enganados acreditando que esses caras eram a alternativa ao PT? Vergonhoso.”
No dia 15 de junho de 2022, às 12h57, Melek reagiu à notícia de que Luiza Trajano, a dona do Magazine Luiza, havia deixado a lista de bilionários da Forbes. “E vai entrar para a lista de socialistas caviar”, afirmou o juiz.
Melek, em outra ocasião, levantou suspeitas sobre a investigação do atentado contra Jair Bolsonaro em 2018. “Ninguém achou quem mandou esfaquear o presidente. Não podem acessar celulares apreendidos… Que República estranha”, postou o juiz, às 16h16 do dia 19 de junho de 2022.
Em 5 de julho, às 14h10, Melek comentou uma postagem que defendia o voto em Bolsonaro contra Lula. “Bem isso. Se a esquerda voltar, a exemplo da vez anterior, não sai mais do poder.”
Às 00h39 do dia 27 de julho, Melek postou: “Hoje, a Globo está destacando que a USP criou uma Carta pela Democracia assinada por mais de 3 mil pessoas. Pergunto: Quando um ex-presidente literalmente comprou o Parlamento, o “Mensalão”, onde estavam os guardiões da USP? Teve carta pela democracia?”.
Em seguida, o juiz arrematou com um ataque às urnas eletrônicas. “Ontem, o embaixador americano no Brasil disse que nossas urnas eletrônicas são modelo para o mundo. Pergunto: Por qual razão eles, nos EUA, não a usam? Afinal, perguntar não ofende.”
Melek também demonstrou admiração por Pablo Marçal, o coach bolsonarista que ensaiou uma candidatura à Presidência em 2022. “Grande Pablo Marçal, grande promessa para o Brasil”, disse o juiz, às 16h04 do dia 8 de agosto.
A participação de Melek no grupo teve fim no dia seguinte à coluna começar a publicar reportagens sobre as conversas no grupo. “Boa tarde a todos! Agradeço por ter sido acolhido neste grupo para compartilhar experiências, mas decidi me desligar de todos os grupos aos quais participo”, justificou.
O relator do caso de Melek no CNJ, Luís Felipe Salomão, disse em sua decisão que o juiz decidiu permanecer no grupo “mesmo sem ser empresário e apesar do vasto elenco de disposições legais que determinam o seu afastamento de temas que envolvam política”. Salomão também afirmou que “é de menor importância a quantidade de vezes” que Melek postou no grupo.
“Para a magistratura, a liberdade de expressão deve sofrer a ponderação com os deveres funcionais que lhes são afetos, de maneira a não envolver indevidamente a instituição em debates políticos”, declarou Salomão.