Chanceler de Lula sobre mandado contra Putin: “Brasil segue Tribunal de Haia”
Mauro Vieira, chanceler do governo Lula, diz que Brasil “respeita e segue” o Tribunal de Haia, que expediu um mandado de prisão contra Putin
atualizado
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O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou que o Brasil respeita e segue as decisões do Tribunal Penal Internacional (TPI) de Haia, que expediu na semana passada um mandado de prisão contra o presidente russo, Vladimir Putin, por supostos crimes de guerra. Em entrevista à coluna, a dias de Lula embarcar para a China, Vieira ponderou que o Brasil não tem posição oficial sobre o mandado, mas, ao ser perguntado se Putin seria preso se visitasse o Brasil, admitiu que a presença do russo em qualquer país que integra o TPI poderá causar “complicações”.
Um tema prioritário na viagem do petista a Pequim será a iniciativa do Brasil de mediar conversas para acabar com a guerra na Ucrânia. O presidente chinês, Xi Jinping, esteve nesta segunda-feira (20/3) com Putin, em Moscou, para tratar do conflito.
Vieira acredita que a reunião entre Xi e Putin será tema da conversa de Lula com o presidente chinês. O chanceler disse que o Brasil não desenvolveu um plano concreto para as negociações de paz, mas defendeu um cessar-fogo e a saída das tropas russas dos territórios ocupados na Ucrânia. A visita de Lula à China começará no próximo domingo (26/3).
O chanceler tratou ainda de outros assuntos relacionados à política externa brasileira. Em recado ao Uruguai, disse que nenhum país do Mercosul firmará acordos de livre-comércio de forma bilateral e, se o fizer, estará fora do bloco. Vieira declarou que espera um “retorno à normalidade” da democracia na Venezuela e afirmou que a suspensão do país no Mercosul só terá fim quando forem “superados os fatos que levaram à exclusão”. A Venezuela foi suspensa do bloco em 2017 devido à ruptura da ordem democrática.
Por fim, Vieira sinalizou que o Brasil tem simpatia pela entrada da Argentina no Brics, mas ressaltou que a inclusão só poderá ser discutida com o apoio dos demais integrantes do bloco.
Confira abaixo a íntegra da entrevista com o ministro das Relações Exteriores.
O senhor viaja com o presidente Lula para a China nesta semana, uma viagem que marca o restabelecimento público de laços diplomáticos com um país que sempre teve relação muito boa com o Brasil, mas que passou por um processo de deterioração nos últimos anos. A visita é suficiente para esse restabelecimento ou Lula terá de fazer gestos para sinalizar ao povo chinês que as hostilidades ficaram no passado?
Devo dizer que esse convite foi formulado antes da posse e foi mantido em reserva, como deveria ser. O simples fato da presença do presidente mostra o início de um novo momento, de um novo período. A China é um importantíssimo parceiro para o Brasil, é um dos grandes investidores presentes no país. E, antes de tudo, é o maior parceiro comercial do Brasil há mais de dez anos. A visita se reveste de importância, porque cobre muitos aspectos da relação bilateral. Serão assinados mais de 15 acordos, memorandos de entendimento e declarações nas áreas mais importantes e relevantes, como ciência e tecnologia, pesquisas espaciais, saúde, comércio e investimentos. O simbolismo da visita é muito grande, porque é justamente uma virada de página para retomar um diálogo que sempre existiu e que sempre foi muito relevante.
Não será necessário um pedido de desculpas do Lula à China?
Não, o presidente Lula foi convidado pelo presidente Xi Jinping antes de tomar posse e pelo que ele representa.
É possível mensurar quais foram as perdas econômicas que o Brasil sofreu com a agressividade do governo anterior em relação à China?
Evidentemente que as relações bilaterais e comerciais poderiam ter sido maiores. Elas poderiam ter sido aprofundadas se nós não tivéssemos passado por um momento de estranhamento e de afastamento. Mas é difícil quantificar, eu não saberia dizer. O importante na diplomacia é manter sempre o diálogo e se manter falando e conversando. Isso é o que abre portas e que pavimenta uma estrada para levar os países a novos entendimentos.
O senhor mencionou que serão assinados 15 acordos nesta viagem. Quais são os ganhos concretos para o país com essa visita à China?
Existe um aspecto político na visita de Estado. O presidente Lula será recebido pelo presidente Xi Jinping, pelo primeiro-ministro e pelo presidente da Assembleia Nacional chinesa. Só esses contatos políticos abrem espaço para maior interação nas áreas de comércio, de indústria, de investimentos e de todos os outros tipos de acordo que serão assinados. Você perguntou quais áreas são mais importantes. A questão do programa espacial brasileiro e chinês, que já foi negociado e colocado em prática em 1986. É um programa antigo e que agora será renovado com a construção de mais um satélite, será o sexto satélite. Também há inúmeros programas na área de ciência e tecnologia, de desenvolvimento, de pesquisa e inovação. Isso já são ganhos enormes. Além disso, temos toda a questão comercial. A China importa cerca de um terço, se não for um pouco mais, do agronegócio brasileiro.
Há alguma previsão de acordo com os chineses na área da Defesa?
Há conversas na área da Defesa. Nós temos a produção de um avião de transporte da Embraer. A Embraer já teve experiências conjuntas com a China no passado e continuou conversando. Espero que possam avançar também.
Sobre a questão ambiental, o Brasil pretende convidar a China para contribuir e integrar o rol de países do Fundo Amazônia?
O Fundo Amazônia está aberto a todos os países que queiram participar. O convite é permanente para todos que queiram participar. Teremos, além de conversas, declarações a respeito da questão ambiental. O Brasil e a China têm muito a trabalhar juntos nessa área.
A China é cobrada recorrentemente na questão climática por não conseguir entregar o que promete. São promessas que a China e outros países não conseguem tirar do papel. Em uma viagem como essa, de reaproximação, tem espaço para o presidente Lula fazer uma cobrança ou uma sinalização de comprometimento da China em relação ao cumprimento das promessas ambientais?
Não cabe a nenhum país fazer cobranças aos outros. Existe o Acordo de Paris e a Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. São dois instrumentos que dão o marco legal para a cooperação nessa área. É dentro desse espírito e da estrutura de implementação dos dois mecanismos que os países têm que se ajustar, se portar e mostrar resultados.
Lula falou na viagem ao Uruguai sobre um possível acordo entre a China e o Mercosul. A formulação de como poderia ser esse acordo avançou no governo? Isso será tratado nessa viagem?
O Mercosul tem acordos com vários países. É evidente que a China é um grande parceiro para todos os países, e nós estamos abertos a conversar sobre um acordo dessa natureza. Os outros parceiros do Mercosul também, dentro dos moldes do Mercosul, em uma negociação em conjunto com a China. Para isso estaremos sempre abertos, como disse o presidente Lula.
Um acordo de livre-comércio entre o Uruguai e a China tiraria o país do Mercosul? O Brasil tem uma posição em relação a isso?
Não existe acordo do Uruguai com a China. Isso foram notícias de jornal e especulações, mas não existe. Eles nunca negociaram, existem conversas. Agora, não há dúvida nenhuma que uma negociação em separado, de qualquer país do Mercosul, é contra o artigo primeiro do acordo do Tratado de Assunção, que cria o Mercosul. Todas as negociações têm que ser em bloco. Esse é o entendimento do governo brasileiro e dos outros países também.
Qual é o plano de paz do Brasil em relação à guerra na Ucrânia? Na visão do Brasil, quais países deveriam estar envolvidos diretamente na execução desse plano?
O plano de paz é a disposição para conversar. O presidente Lula não apresentou um programa concreto ou um plano de paz concreto. Ele sempre disse, em todas as ocasiões em que pôde se manifestar, que tem escutado muito sobre guerra, sobre os preparativos e sobre como fazer essa guerra, mas que ouve muito pouco sobre paz. É preciso falar sobre a paz. Nesse contexto, ele declarou que o Brasil e outros países que têm contatos com os dois lados estão prontos para promover algum tipo de encontro que leve às negociações de paz. Criar um ambiente, tomar medidas que permitam a aproximação entre as duas partes e, posteriormente, uma negociação. Foi com esse objetivo que, na última resolução sobre a guerra na Ucrânia, o Brasil propôs um parágrafo específico no Conselho de Segurança das Nações Unidas, que não estava na versão original e que fazia um apelo para a cessação de hostilidades. A partir disso seria possível haver uma conversa, uma negociação e uma discussão para encaminhar um processo de paz.
A China divulgou recentemente um documento com 12 pontos que seriam necessários para a paz na Ucrânia, sendo que um deles seria o cessar-fogo. Esse documento foi rejeitado imediatamente pelos países que compõem a OTAN. Qual é a posição do governo brasileiro em relação a esse documento apresentado pela China? Essas questões serão colocadas em discussão na reunião do presidente Lula com o presidente Xi Jinping?
Essa viagem é muito importante do ponto de vista político e para a questão do conflito da Ucrânia, porque o presidente Xi Jinping viajou nesta segunda-feira para a Rússia. Creio que as conversas que ele terá em Moscou serão muito importantes e não tenho dúvidas que serão matéria nas conversas com o presidente Lula. A partir daí, podemos ter novamente um espírito de conversar, de trocar opiniões e de se oferecer como instrumento de diálogo para as duas partes. Isso vai ser muito importante. Tenha a China apresentado ou não um plano específico, eu penso que essa viagem que o presidente Xi Jinping fez à Rússia dará condições e informações para ele rever, ampliar, aumentar ou apresentar um novo projeto.
Todos os lados da guerra falam que querem a paz, mas cada um quer a sua paz. O Brasil se pronunciou nesse documento na ONU e incluiu esse parágrafo que o senhor nos descreveu, sobre a cessação de hostilidades. Lula entende que isto é uma pré-condição para o debate ou um clube da paz poderia ser criado ainda durante a guerra?
Esse grupo não existe. O que temos hoje são países que têm canais de diálogo com os dois lados e que poderiam fazer um esforço conjunto, como disse o presidente Lula.
Mas teríamos que ter a cessação de hostilidade?
A cessação de hostilidade é um dos elementos. É evidente que facilitará muito, mas creio que se todos os lados querem e buscam a paz, as conversas preliminares podem existir a qualquer momento. A contribuição do Brasil nessa resolução pode facilitar. Uma cessação de hostilidades e um cessar-fogo seriam passos adiante na procura da paz.
Por cessação de hostilidades, entendemos que o Brasil defende a saída da Rússia dos territórios ocupados na Ucrânia?
O Brasil condenou a invasão da Rússia e não poderia ser diferente. Esse é, inclusive, um dos preceitos constitucionais que orientam a política externa. Isso está nos artigos iniciais da Constituição que estabelece, entre outros pontos, o direito internacional, os direitos humanos, a integridade territorial e a solução pacífica das controvérsias. O Brasil não poderia deixar de condenar a invasão ao território ucraniano.
Mas não existe pré-condição para a formação desse grupo? Assim como não há a cessação de hostilidades, também não temos a retirada de tropas dos territórios invadidos.
Como eu disse antes, isso não é um plano concreto, é uma iniciativa. É uma proposta para que as pessoas que estão verdadeiramente interessadas na paz, e que têm um diálogo com os dois lados, possam reunir esses dois países para começar a conversar.
Zelensky, presidente da Ucrânia, convidou o presidente Lula para visitar a Ucrânia. Existe uma data para essa viagem? Lula tem interesse em visitar a Ucrânia?
O presidente recebeu esse convite, mas não existe uma data por enquanto. Ele aceitou o convite e ficamos de fixar uma data mais adiante pela via diplomática, quando houver condições. Por enquanto não existe, vamos examinar as alternativas.
Não temos nem previsão? A viagem poderá acontecer neste ano?
Vai ser no momento que for possível. Vamos ainda discutir e fixar pela via diplomática um momento que será conveniente para as duas partes.
O presidente Lula se negou a oferecer armas para a Ucrânia dentro dessa lógica, da coerência de que ele trabalha pela paz. Existe algum outro tipo de apoio que o Brasil pretende dar ou que o país esteja dando para a Ucrânia ou para o povo ucraniano, que se encontra em estado de guerra e que está sendo atacado?
O apoio político, entre outros. [O Brasil está] criticando a invasão e está fazendo a proposta de inclusão de uma menção específica à cessação de hostilidades na resolução das Nações Unidas. São gestos desse tipo que podem vir a acontecer. Esse é o apoio mais importante e mais claro que pode ser dado.
Qual é a posição do Brasil sobre o mandado de prisão expedido no Tribunal de Haia contra o presidente russo, Vladimir Putin?
É uma questão que tem que ser examinada à luz do processo estabelecido. Eu, pessoalmente, não conheço ainda e não vi. O Brasil é parte do TPI, o Tribunal Penal Internacional, que nós respeitamos e seguimos. O TPI não é integrado por todos os países, então tem também uma abrangência que não é total, não é global. É limitada. Nós temos que, sobretudo, conhecer melhor as condições. Não há uma posição firmada nem oficial sobre isso.
O presidente Putin seria preso se visitasse o Brasil, já que o país respeita o TPI?
Qualquer viagem, qualquer presença dele em um país que seja membro do Tribunal Penal Internacional pode levar a complicações, eu não tenho dúvidas.
A integração sul-americana, segundo Lula, segue prioritária neste terceiro mandato, a exemplo dos dois anteriores. Em que medida a rivalidade entre China e EUA dificulta esse trabalho, já que temos duas superpotências querendo atrair os Estados sul-americanos para o seu rol de influência? O papel do Brasil nesse esforço de integração é mais difícil do que foi no passado?
Não, não é. A integração latino-americana se dá há muito anos. Nos dois primeiros mandatos do presidente Lula e nos mandatos da presidente Dilma, [a integração] foi um objetivo permanente da política externa, também dentro do espírito da Constituição brasileiro e dos princípios que orientam a política externa. A integração latino-americana consta nos primeiros artigos da Constituição. É, portanto, um objetivo da política externa perseguido pelo governo. Os países se unem por interesses nacionais, pela proximidade e pela vizinhança. Tenho certeza que, assim como o Brasil, os demais países latino-americanos se guiarão por seus respectivos interesses nacionais. E nós temos relações próximas, importantes e densas com os Estados Unidos e com a China, que é o maior parceiro comercial dos países latino-americanos há, pelo menos, dez anos.
Existe um pedido de entrada no Brics por parte do governo do Irã e por parte do governo da Argentina. O Brasil é favorável à inclusão desses dois países no Brics?
Essa questão de alargamento do Brics tem sido falada, sobretudo, na imprensa. Antes de passarmos para a fase do alargamento ou não, teremos que passar por uma discussão consensual entre os cinco países que formam o grupo. Precisamos ver qual é a posição de todos. Se isso for adiante, sendo essa a posição de ampliação, o Brasil também terá candidatos para apoiar e terá os países que são próximos e em que há o interesse de participação. Mas, como eu disse, é preciso haver uma decisão em conjunto.
A entrada do Irã é um dos tópicos que Lula trará para a conversa com o presidente Xi Jinping?
Acho que, sobretudo, o ingresso da Argentina. É um país importante, um grande parceiro do Brasil, um vizinho estratégico. Já foi dito, em mais de uma ocasião, que a Argentina seria a candidata defendida pelo Brasil numa eventual expansão do Brics.
Mas Lula vai tratar da entrada da Argentina com o Xi Jinping?
Não, porque agora é uma reunião bilateral. Isso terá que ser tratado numa próxima cúpula do Brics para chegarmos a alguma solução. Esse tema não cabe agora.
Houve recentemente uma viagem do assessor internacional de Lula, o embaixador Celso Amorim, para a Venezuela. Qual foi o objetivo diplomático dessa ida? Por que essa viagem ficou fora da agenda? No Brasil só se soube dessa viagem porque o [ditador da Venezuela] Nicolás Maduro colocou nas redes sociais.
Olha, eu não sei se estava ou não estava [na agenda], mas foi preparada dentro do governo, em conjunto com o Ministério das Relações Exteriores. Você sabe que a Embaixada do Brasil na Venezuela ficou fechada nos últimos quatro anos e que os quatro consulados que tínhamos lá estavam fechados. Isso ocorreu apesar de haver um número importante de brasileiros vivendo por lá, hoje estimado em 25 mil, e apesar de termos uma fronteira extensíssima com a Venezuela. É um país importante e nosso vizinho na região, mas não tínhamos diálogo com a Venezuela, não tínhamos embaixada e nem consulados. Essa foi uma das instruções que o presidente Lula me deu nos primeiros dias de governo, de reabrir a embaixada, e isso foi feito ainda na primeira semana. Nós tomamos as providências, e o embaixador Celso Amorim, assessor especial do presidente Lula, foi à Venezuela para manter um primeiro contato oficial depois da abertura dos postos e para fazer uma avaliação da situação. Esse foi o objetivo da viagem, de manter e de retomar o diálogo. Celso Amorim contato em inúmeras ocasiões, nos dois primeiros mandatos do primeiro Lula, com o presidente Maduro e com as outras autoridades venezuelanas.
Esse tipo de viagem é muito importante para preencher lacunas que a falta de relação diplomática havia colocado. O senhor disse, em uma entrevista em dezembro, que as informações que estavam chegando ao Brasil eram de segura ou terceira mão sobre a Venezuela, devido à falta dessa relação. Agora que o embaixador Celso foi até lá, imagino que o governo já tenha um diagnóstico mais preciso. Qual é a avaliação do governo brasileiro sobre a situação da democracia na Venezuela?
Esse foi um primeiro contato, como você mesmo disse, e outros contatos virão. Eu estou viajando para a Cúpula Iberoamericana, no final da semana, antes de acompanhar o presidente Lula na visita à China. Eu vou me encontrar lá com o ministro das Relações Exteriores da Venezuela, com quem já tinha me encontrado em Buenos Aires à margem da reunião da Celac. Não é um único contato, uma única viagem. Na diplomacia há sinais, há gestos que criam um conjunto de conhecimento, um conjuento de gestos para desenvolver as relações. É isso que estamos fazendo. O ministro Celso Amorim esteve em Caracas, eu me encontrarei pela segunda vez com o ministro do Exterior da Venezuela. Mandamos reabrir a embaixada com um embaixador, mas que está lá na qualidade de encarregado de negócios, porque para ser embaixador precisaríamos da aprovação do Congresso. A Venezuela, por sua vez, já designou um embaixador que está plenamente em funções, que já esteve comigo e que já esteve com outras autoridades. Os contatos se multiplicam e assim deve ser.
Mas qual é o diagnóstico sobre a situação da democracia na Venezuela?
Nós estamos vendo, examinando, acompanhando e esperando que haja um retorno à normalidade. Foi o que o ministro Celso Amorim pôde constatar na sua visita. Ele esteve com todas as autoridades do Executivo e também se reuniu com a oposição. Ele teve uma conversa muito franca, muito clara e notou muitas melhoras. Foi o relato dele.
O senhor sempre fala da importância de manter canais de diálogo com países que estão em crises democráticas ou que já viraram autocracias. Mas não é preciso haver sempre uma luz no fim do túnel para que isso faça sentido? Em relação à Nicarágua, por exemplo, o senhor vê uma luz no fim do túnel para o retorno democrático ou ao menos um caminho para o Brasil, com esse canal de diálogo, conseguir influir positivamente na reconstrução da democracia na Nicarágua?
Não é uma tarefa que caiba só ao Brasil. O Brasil é uma das vozes, e por isso participamos de mecanismos na OEA e na Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra. São os mais variados mecanismos que existem, e nós já participamos de todos eles. Essa foi a primeira vez que o assunto foi tratado em Genebra no terceiro mandato do presidente Lula. O Brasil tomou uma posição muito clara de crítica, e de forma separada dos outros países, porque queríamos deixar clara nossa posição. Foi um posicionamento de crítica e de reconhecimento que a situação exige cuidados e medidas.
O restabelecimento da democracia na Venezuela vai passar, necessariamente, por uma recuperação econômica do país. O Brasil tem como atuar nessa área? Voltaremos, por exemplo, a ver o BNDES financiando obras públicas para movimentar a economia da Venezuela?
O BNDES financia, sobretudo, as exportações brasileiras, e para isso precisa haver projetos. Se a Venezuela, ou qualquer outro país, tiver projetos que incluam exportações de produtos brasileiros, de indústrias brasileiras, eu não vejo motivos para não haver recursos para os financiamentos. O BNDES não financia sem um projeto. É preciso ter um projeto para uma obra, uma obra de infraestrutura. E, para isso, é preciso que haja um componente nacional, com a exportação de bens manufaturados brasileiros. Dentro desse modelo, não vejo dificuldades.
Lula fala muito sobre o fortalecimento do Mercosul. Nesses 80 dias de governo, o que foi discutido, planejado ou executado para garantir esse fortalecimento? A suspensão da Venezuela será revertida?
Seguindo os mecanismos e os acordos do Mercosul, a Venezuela será reintegrada no momento em que o país superar os fatos que levaram à exclusão. Em relação ao fortalecimento do Mercosul, outras medidas já foram tomadas. Quando o presidente Lula foi à Argentina houve um encontro com o presidente Alberto Fernández. Eles tomaram várias medidas e conversaram sobre o fortalecimento do Mercosul. Bilateralmente foram tomadas medidas que fortaleceram a integração, e a mesma coisa ocorreu com o Uruguai. Na última quinta-feira (16/3), o presidente Lula esteve com o presidente do Paraguai e teve uma conversa muito boa, muito franca e direta, em que também foram discutidos pontos da agenda bilateral. No momento em que eles forem concluídos haverá o fortalecimento total do conjunto do Mercosul.
Qual é a diferença de ser chanceler da presidente Dilma e do presidente Lula?
Não há diferença. Há uma unidade de linha de política externa e que me dá muito orgulho de ter sido ministro das Relações Exteriores da presidenta Dilma Rousseff e de ter voltado ao cargo no governo do presidente Lula. Há uma linha de política externa que defende a inserção internacional do Brasil, a integração latino-americana, a cooperação com os vizinhos e, sobretudo, uma participação ampla em todos os mecanismos e organismos internacionais. O Brasil é um país que quer e que precisa estar presente em todos os foros.