CGU: Governo fez Luz para Todos exclusivo para fazenda dos Alcolumbre
Fazenda que sedia empresa de tio e primos do ex-presidente do Senado, aliado de Jair Bolsonaro, foi beneficiada indevidamente pelo programa
atualizado
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Uma fazenda que pertence a primos do senador Davi Alcolumbre, que ocupou a Presidência do Senado de 2019 a 2021 com o apoio de Jair Bolsonaro, foi a única beneficiada numa região do Amapá pelo Luz para Todos, programa de eletrificação rural do governo federal destinado a pessoas de baixa renda. A chegada do programa à fazenda foi considerada irregular pela Controladoria-Geral da União (CGU).
De acordo com a CGU, a estrutura do Luz para Todos, do Ministério de Minas e Energia, foi desvirtuada para contemplar exclusivamente a fazenda Agro Alegria, no município de Santana, no Amapá, estado de Alcolumbre. A irregularidade ocorreria, segundo a Controladoria, porque o programa se destina apenas a famílias de baixa renda.
A fazenda beneficiada, entretanto, é a sede da Alegria Industrial Ltda., que tem como atividades o cultivo de soja, feijão, arroz e milho e tem como sócios Pierre Alcolumbre, que é tio de Davi, e José Alcolumbre Moura e Marcos Alcolumbre Moura, primos do senador.
Criado em 2003, no primeiro governo Lula, o Luz para Todos é regulado por um decreto presidencial de 2011, que determina que ele deve atender somente pessoas pobres em zonas rurais. Além de levar a rede elétrica a esses locais, parte da tarifa é subsidiada pelo governo.
As irregularidades que beneficiaram a Alegria Industrial chamaram a atenção da CGU. Numa vistoria em novembro de 2021, foi constatado que a rede elétrica que atende a fazenda foi construída com recursos do Luz para Todos.
A CGU solicitou à Eletronorte a relação dos beneficiários, mas a estatal afirmou que só poderia fornecer os detalhes “após o cadastramento dos beneficiários atendidos”.
A Controladoria também estranhou o fato de, na justificativa do projeto, a Eletronorte afirmar que o Luz para Todos contemplaria a “comunidade de Igarapé do Lago e adjacências”, o que não ocorreu. As obras beneficiaram apenas a propriedade dos Alcolumbre e não chegaram a Igarapé do Lago, comunidade próxima que tem cerca de 322 domicílios, de acordo com a última atualização do IBGE, de 2010.
Escreveram os técnicos da CGU na auditoria:
“No local, não foram identificados beneficiários a não ser a fazenda Agro Alegria, a qual recebeu derivação da rede trifásica de cerca de 1,5 km, desde a rodovia AP-130. Observou-se, ainda, que a rede termina após essa derivação, cerca de 15km antes de Igarapé do Lago, e que apenas as estruturas implantadas no interior da fazenda estavam intactas.”
Prosseguiram os técnicos:
“Cabe salientar que o atendimento à fazenda Agro Alegria, pela própria natureza da propriedade, não encontra respaldo no regulamento do programa Luz para Todos, uma vez que esse tipo de beneficiário não é abrangido pelo rol de prioridades, nem pelos objetivos e premissas, estabelecidas por meio do Manual de Operacionalização, o que faz com que o referido atendimento não seja passível de financiamento com recursos do programa.”
Em posse de um boletim de ocorrência, técnicos do TCU apontaram ainda que a rede elétrica foi vandalizada em dezembro de 2020, sem que uma solução tenha sido apresentada até o momento. A irregularidade na escolha do beneficiário e a depredação do patrimônio federal, segundo o relatório, gerou um prejuízo de quase R$ 500 mil aos cofres públicos.
“Dada a situação atual da rede e a ausência de providências concretas no sentido de regularizar a situação, bem assim a ausência de condições de elegibilidade do único consumidor atendido, com base nos dados de projeto, pode-se estimar um prejuízo de cerca de R$ 495.770,99”, diz trecho da auditoria.
Ao órgão de controle, a Eletronorte apresentou a seguinte justificativa:
“A interrupção na execução das obras ocorreu após a extensão de rede construída ser vandalizada, sendo que a mesma já se encontrava em fase de conclusão e se aguardava o desligamento programado da concessionária de energia para interligação da rede”.
Procurado pela coluna, o Ministério de Minas e Energia não se manifestou.
Davi Alcolumbre se pronunciou por meio de nota enviada por sua assessoria de imprensa. “O senador Davi Alcolumbre afirma que nunca tratou deste assunto, que não tem participação de nenhuma natureza na propriedade citada e só teve conhecimento da questão pela reportagem. Mais do que isso: lamenta sofrer esse tipo de insinuação, sem qualquer prova. Causa estranheza e é um absurdo a tentativa de associação do nome do senador ao favorecimento de quem quer que seja. Além disso, vale ressaltar que o senador Davi trabalha diariamente em defesa do povo do Amapá e sua atuação é pautada exclusivamente em levar benefícios ao povo do seu estado.”
Procurado, Pierre Alcolumbre conversou com a coluna por telefone. “Não sei dizer se solicitamos o Luz para Todos. Tenho um caboclo que mora comigo há 20 anos na fazenda. Não sei se ele pediu. Posso dizer é que nunca fomos beneficiados pelo programa, uma vez que os postes foram alvos de vandalismo. Não sei por quais motivos, mas todos os postes foram quebrados”, disse Pierre, que prosseguiu:
“Quando o Luz para Todos é solicitado, instalam o programa em toda a região. Não fui só eu, Pierre, o atendido. É que, para beneficiar 70 quilômetros de outros moradores, o programa teria que chegar até mim, que estou no meio do caminho. No Amapá, todas as propriedades rurais são beneficiadas com o Luz para Todos”, concluiu.
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