CEO da Latam Brasil diz não ter pressa em sair da recuperação judicial
Jerome Cadier afirma que seria um mal negócio se a empresa saísse rápido do Chapter 11, mas terminasse com pouca liquidez para investir
atualizado
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O CEO da Latam Brasil, Jerome Cadier, diz que a empresa só deixará o processo de recuperação judicial nos Estados Unidos quando obtiver um plano que traga a liquidez necessária para a aérea ser agressiva no mercado. A Justiça de Nova York concordou na quinta-feira (28/10) com a extensão até 26 de novembro do prazo de exclusividade para a Latam apresentar o plano de reestruturação no Chapter 11, como é conhecida a lei de recuperação judicial americana. No prazo de exclusividade, a Latam pode negociar com os credores sem que terceiros façam propostas para cobrir os termos do plano de reestruturação. “Não tenho pressa. Eu quero sair bem, não quero sair rápido”, disse Cadier, em entrevista à coluna.
Foi a quinta vez que a Latam pediu o adiamento do prazo. “Apresentar o plano até o dia 26 interessa aos credores, aos potenciais investidores e à companhia. Mas, se não for um plano interessante o suficiente para a Latam, podemos continuar em Chapter 11. Algumas companhias, como American Airlines e Delta, ficaram três anos em Chapter 11. Apesar de não ser agradável, sair rápido e mal não é um bom negócio.”
Leia os principais trechos da conversa abaixo:
Qual é a previsão da empresa para a apresentação do plano de reestruturação no Chapter 11?
O plano está sendo ativamente negociado. Apresentar o plano até o dia 26 interessa aos credores, aos potenciais investidores e à companhia. Mas, se não for um plano interessante o suficiente para a Latam, podemos continuar em Chapter 11. Algumas companhias, como American Airlines e Delta, ficaram três anos em Chapter 11. Apesar de não ser agradável, sair rápido e mal não é um bom negócio. Um plano para sair bem será aquele que dará à Latam a capacidade de competir no futuro. Ou seja, se eu sair com uma liquidez muito baixa e com muitas dívidas, a companhia não terá a agressividade que nós queremos que ela tenha. Prefiro negociar ao máximo para ter mais caixa para investir e crescer. Não tenho pressa. Eu quero sair bem, não quero sair rápido. Espero chegar a um acordo até o dia 26. Se não chegarmos, a possibilidade para outros planos serem apresentados aos credores se abre. E aí podemos ver qual é a melhor alternativa para a companhia.
Não será um risco para a Latam perder o prazo de exclusividade?
É melhor quando você tem exclusividade, mas não é um risco. Grosseiramente, três partes estão discutindo, e acho que é importante entender o que cada uma quer. Os credores querem que a Latam pague o máximo da dívida que ficou congelada. A partir do momento que eles receberem o dinheiro, eles estarão felizes. O futuro da Latam pouco importa ao credor. Os investidores ficarão na companhia depois, seja com dívidas ou com ações, então eles querem entrar nesse plano de negociação pagando o menor valor possível, mas com o retorno do investimento. É um interesse contrário ao do credor. E a gestão da Latam quer sair com liquidez e poucas dívidas. Cada um quer puxar a sardinha para um lado, por isso a negociação é difícil. Mas, que pode ter outro plano, pode.
Como o plano da Azul?
Se um plano da Azul chegar e for mais interessante para os credores e investidores, ótimo para a Azul. Nesse caso, eles possivelmente enxergaram um jeito mais interessante de pagar credores e de rentabilizar investidores do que a forma que estamos conversando. A falha crucial no argumento da Azul é entender o quão factível é um plano que requer uma fusão entre a número um e a número dois do Brasil e que provocará uma concentração de 70% no mercado brasileiro. Ter dinheiro por ter dinheiro, não acho que a Azul terá problemas nem a Latam terá problemas, porque temos várias propostas de financiamento acima de US$ 5 bilhões. Mas nenhum credor nem investidor manifestou interesse pelo plano da Azul. Nenhuma parte está interessada num plano da Azul. Que a Azul tente, mas temos que analisar a factibilidade do que eles vão fazer.
O senhor já disse que o Chapter 11 permitiu à Latam reduzir custos operacionais. Essa é a razão pela qual a empresa está ampliando a presença no mercado doméstico ou isso ocorre para competir com a Azul e a Gol?
O Chapter 11 permitiu essa reestruturação, com a saída de contratos que não eram interessantes e a renegociação de outros sem pagar multas. Esse custo operacional mais baixo permitiu uma atuação mais agressiva no doméstico. Antes, eu olhava para alguns destinos e falava que não valia a pena abrir rotas. Hoje, a mesma conta que faço entre receitas e custos mostra que vale a pena. Em março, voarei para 56 localidades, mais do que eu jamais voei. Mas isso não é um movimento competitivo olhando para o que Azul e Gol estão fazendo. Fizemos o dever de casa que eles não fizeram, por mais que tenham tentado. Eu não defendo que o Chapter 11 é bom. É ruim de estar, é muito duro, mas tivemos o benefício da reestruturação que não conseguiríamos se não estivéssemos nele.
Qual é sua projeção para o mercado doméstico diante da queda de ocupação nos voos corporativos, provocada pela pandemia?
Isso impacta toda a indústria. Às vezes, o voo se pagava com as tarifas do corporativo. O ponto de equilíbrio mudou. Com menos corporativo, você precisa fazer com que a curva de preço seja diferente do que era antes. Talvez seja o caso de não começar com um valor tão baixo e acabar tão alto, tentar tornar essa curva um pouco mais flat. Esse é o dilema daqui para frente. Com dólar mais alto e o combustível mais alto, essa conta não fecha no curto prazo. Nós estamos correndo um pouco atrás do rabo. Mas eu não tenho dúvidas que os preços das passagens serão mais baixos do que eram na comparação com o preço do combustível e a taxa de câmbio de antes da pandemia. Em algum momento haverá esse equilíbrio no dólar e no combustível. No longo prazo, eu espero ver preços mais baixos. No curto, é difícil porque a gente precisa passar esse aumento de custo.
Como a falta de previsibilidade do governo e os sinais trocados na economia afetam os planos da Latam?
Eu quero separar o governo em dois. Quero separar o Ministério da Infraestrutura dos demais. Nunca tivemos um corpo técnico na Infraestrutura, incluindo a Anac e a SAC, tão compromissado e preocupado com o futuro do setor. Tudo durante a pandemia foi muito bem conduzido pelo ministério. Realmente vivemos o melhor momento da relação do regulador com o setor. O Ministério da Economia e o restante do governo agem no sentido contrário. Só falam sobre como aumentarão os impostos, como dificultarão a recuperação colocando mais insegurança no longo prazo. Enfrentamos uma dificuldade que faz com que o apetite da Latam e das demais companhias para investir e crescer no Brasil seja reduzido. Ficamos ressabiados, com dúvidas. Eu não defendo redução de carga tributária. Eu defendo a manutenção do patamar já elevado de impostos que pagamos aqui. Não me inventem imposto novo. Não me eliminem acordos de três décadas que existem sobre o imposto de renda sobre o leasing. Hoje, nos perguntamos se o plano que temos vai ser atingido ou se ele realmente terá de ser mais tímido em função dessa agenda que traz mais insegurança e que é conduzida por esses setores do governo, incluindo vários segmentos da Câmara e do Senado.
O senhor inclui o desrespeito ao teto de gastos nessa agenda que traz mais insegurança?
Estamos indo pela direção errada. Como governo, não estamos fazendo a lição de casa, que é fazer a reforma administrativa. Temos um estado que gasta muito e que gasta mal. Ao mesmo tempo, temos uma população que precisa do auxílio emergencial. Não vou discutir qual valor, mas o fato é que precisa haver um apoio correto nesse momento e que precisava ser financiado com uma reforma que foi empurrada com a barriga. Nos preocupa muito que essa reforma não seja feita e que sejam autorizados gastos fora do teto. O teto é fundamental. E a flexibilização do teto não é do interesse do país no longo prazo. É muito mais do interesse de curto prazo, de um interesse político que não faz a economia brasileira crescer. Apontamos para a direção errada, olhando só o curto prazo num eventual benefício de uma reeleição e penalizando o longo prazo da economia brasileira. Isso faz com que as perspectivas de crescimento e de geração de emprego sejam postergadas, assim como os planos de conectar mais cidades. Não é que não vamos crescer, mas vamos crescer mais lentamente. Esse é o grande problema do Brasil. A aviação cresceu, mas cresceu pouco. Poderíamos ter crescido muito mais.