Autor de livro sobre Daniella Perez diz que votaria pela condenação de Paula e Pádua
Bernardo Pasqualette, autor de livro sobre a morte da atriz, buscou ouvir também os condenados pelo assassinatos de Daniella
atualizado
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Um dos crimes que mais comoveu o país, o assassinato da atriz Daniella Perez, que completa 30 anos no fim de dezembro, é o tema de “Daniella Perez — biografia, crime e justiça”, livro que o jornalista Bernardo Pasqualette lança este mês pela editora Record. Autor de uma elogiada biografia do general João Figueiredo, Pasqualette decidiu dar espaço aos condenados pelo crime, o ex-ator e hoje pastor bolsonarista Guilherme de Pádua, e a hoje bacharel em direito Paula Peixoto, que na época chamava-se Paula Thomaz. Entretanto, a decisão, diferente da adotada pela série da HBO “Pacto brutal”, também lançada este ano e sobre o mesmo tema, não mudou sua convicção sobre quem foram os autores do assassinato.
Em entrevista à coluna, Pasqualette afirma que, se tivesse integrado o júri do assassinato da atriz, condenaria Guilherme de Pádua e Paula Thomaz pelo crime.
Advogado de formação, Pasqualette buscou ouvir pessoas envolvidas na defesa dos criminosos e da vítima. Numa rara entrevista, o advogado de Paula no caso afirmou que ela foi vítima de “publicidade opressiva”, o que teria contribuído para sua condenação. A escritora Glória Perez, mãe da atriz, chegou a conversar com o jornalista, mas decidiu não dar uma entrevista para o livro.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista à coluna.
Qual foi a sua motivação para escrever o livro?
Esse é o trabalho de uma vida. Comecei a acompanhar o caso junto à minha avó, tinha nove anos quando ocorreu o crime. Durante a década de 1990, líamos bastante sobre o caso nos jornais e revistas e recortávamos as principais reportagens. Minha avó ouvia rádio na frequência AM e tomava as próprias anotações, hábito que acabei por adquirir. O rádio era um complemento em relação ao que líamos, só que mais aprofundado. Ouvíamos os debates populares, onde múltiplos pontos de vista eram apresentados. Dessa combinação entre ler e escutar, resultou o meu livro.
Por que você decidiu ouvir a defesa dos acusados? Quem aceitou falar?
Em relação ao processo, ouvi o juiz que pronunciou os réus e o juiz que conduziu os julgamentos, além do chefe do cartório do II Tribunal do Júri. Também ouvi policiais e delegados que participaram das investigações, as duas defesas e os promotores responsáveis pela acusação. O meu maior objetivo é que o meu livro sobreviva ao tempo, então ouvir todos os lados é algo inegociável. Não sou jornalista por formação, mas por vocação, minha prioridade é a informação do público, sem filtros ou embargos. Mais que isso: ao longo da década de 1990 havia a narrativa de parcialidade da imprensa, que as defesas não tinham o mesmo espaço na mídia que a acusação, que a opinião pública estava sendo manipulada e por aí vai, então este ponto foi algo que sempre me preocupou bastante. Encaro eventuais críticas ao meu trabalho com serenidade, mas, friso, que no meu livro realizei uma escuta ativa das defesas e relatei os seus pontos de vista, independentemente de concordar ou não.
A escritora Gloria Perez aceitou conversar com você?
Tive uma reunião com a Glória e o Rodrigo Perez (advogado criminalista e irmão de Daniella) em janeiro de 2022. Foi uma conversa franca e serena, mas que acabou por não evoluir para uma entrevista. Encaro com naturalidade e como parte da própria liberdade de expressão, não se manifestar também é uma resposta. Um momento que me marcou muito em nossa conversa ocorreu quando, sentados em um sofá, um pouco distantes, mãe e filho deram as mãos. Naquele momento, Daniella se fez presente, representada por aqueles que tanto a amam e prezam por sua memória. Por uma questão de respeito a todos, não farei lançamento do livro e os dois primeiros exemplares foram remetidos à família da Daniella, antes mesmo de eu receber os meus exemplares, o que só ocorreu alguns dias depois. Foi um pedido meu a editora e assim foi feito.
Como foi a entrevista com o advogado de Paula?
Foram duas conversas no escritório do Dr. Carlos Eduardo Machado, advogado que defendeu Paula em seu julgamento. Tivemos duas conversas francas, em alguns momentos muito duras, porém sempre respeitosas e educadas. É oportuno registrar a preparação meticulosa de Carlos Eduardo para a nossa segunda entrevista, a qual ele consentiu que fosse gravada. Assessorado por seu filho Ignácio Machado, o advogado tinha revisitado diversas peças do processo (que inclusive foram consultadas durante a entrevista), mencionou matérias jornalísticas e demonstrou profundo conhecimento sobre tudo aquilo que estava nos autos ou que fora publicado pela imprensa sobre o caso. Preparação igual eu só vi quando entrevistei a equipe econômica do ex-presidente Figueiredo para o meu trabalho anterior, sobretudo quando conversei com os ex-ministros Delfim Neto e Ernane Galvêas.
A tese da publicidade opressiva lhe convenceu?
Não posso negar que houve a espetacularização do passado dos acusados, muitas vezes sendo noticiado fatos sem qualquer relação com o crime. Respeito a visão da defesa, li a bibliografia que me foi sugerida e retratei no livro a argumentação central, inclusive tendo entrevistado uma especialista sobre o tema, cuja opinião também está registrada no trabalho. Entretanto, não estou convencido de que este fato foi determinante para a condenação dos réus. Algumas vezes, foram publicadas notícias sobre a pretensa sexualidade e supostos hábitos íntimos dos então acusados, sem qualquer relação com o crime. Por exemplo, chegou a se relacionar a suposta sexualidade do Guilherme ao crime, o que é preconceituoso. A Paula sofreu processo semelhante, com acusações públicas misóginas e sexistas que nada tinham a ver com o processo. As pessoas devem ser julgadas pelo que fizeram e não por suas supostas escolhas em suas vidas pessoais, que, frise-se, diz respeito somente a elas. Vivemos um em país em que ainda há muito preconceito e, principalmente, violência contra minorias, então levantar essas questões de maneira objetiva e serena me parece fundamental. Quando, por exemplo, se coloca que o condenado teria sido “stripper” isso só estigmatiza determinados grupos e reforça estereótipos preconceituosos, pois, este fato, independente de verdadeiro ou não, não tem qualquer relação com o crime. Da mesma forma, quando se relaciona o crime à pretensa sexualidade do acusado, isto, na minha visão, é homofobia e tampouco é possível estabelecer qualquer conexão deste suposto fato ao assassinato. É o meu modo de ver as coisas.
Quais são as provas circunstanciais que incriminaram a Paula?
Uma testemunha ocular do crime a reconheceu por meio de uma foto publicada na capa de um jornal carioca no início de 1993. Posteriormente, um teste de luminosidade realizado pela perícia técnica no local do crime atestou que a testemunha tinha condição de reconhecer uma pessoa naquelas condições. O porteiro do prédio onde ambos viviam afirmou que viu o casal sair no dia do crime com um lençol e, naquele mesmo dia, outra testemunha percebeu um estranho volume coberto por um lençol no banco traseiro do carro do casal, pouco antes do crime ter sido praticado. Para a acusação, seria Paula Thomaz escondida dentro do veículo. Esta última circunstância pode ser considerada como um indício da premeditação do crime.
Você se convenceu da culpa ou da inocência dela?
Em suas últimas declarações públicas de que tenho conhecimento, Paula reforçou sua inocência. Sua mãe, cerca de 15 meses após o julgamento, desmentiu publicamente tal versão, afirmando que ela, de fato, esteve no local do crime junto a Guilherme de Pádua. Ressalto estes fatos para mostrar o quão complexa é esse tipo de questão. No entanto, não vou ficar em cima do muro: se eu fosse jurado, teria votado pela condenação dos dois acusados. Mas, reconheço que é uma questão subjetiva, tanto que no julgamento da Paula o resultado do júri foi apertadíssimo: 4×3. Apenas um voto selara o seu destino.
A motivação do crime até hoje não é clara. Pelo que você pesquisou, qual foi a motivação?
Ao longo dos anos muitas possibilidades surgiram, mas, confesso, que até hoje para mim é algo completamente inexplicável. Até o jurista Evandro Lins e Silva, possivelmente o mais renomado criminalista brasileiro e que à época do crime contava com nada menos que sessenta anos de experiência forense, se declarou publicamente “incapaz de encontrar uma explicação para a morte de Daniella”.