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Alexandre de Moraes copiou os próprios textos em concurso da USP

Ministro Alexandre de Moraes transcreveu 33 parágrafos sem citação; arquivo de tese enviado à USP está no nome de ex-braço direito no TSE

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Alexandre de Moraes
1 de 1 Alexandre de Moraes - Foto: Vinícius Schmidt/Metrópoles

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do STF Alexandre de Moraes copiou ao menos 33 parágrafos de cinco textos dele mesmo, sem esclarecer que os trechos não eram inéditos, na tese apresentada no início do ano para se candidatar a professor titular na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Os fragmentos usados por Moraes, quase sempre na íntegra, incluem um discurso dele, votos no TSE e no STF, e dois artigos publicados por Moraes. A prática não é ilegal, mas pode levantar questionamentos no meio acadêmico.

Em janeiro, Moraes apresentou à USP a tese “O direito eleitoral e o novo populismo digital extremista — liberdade de escolha do eleitor e a promoção da democracia”, com 298 páginas. O trabalho é um dos requisitos para a seleção de professor titular da área de direito eleitoral na universidade, onde Moraes já é professor associado. O presidente do TSE é o único candidato concorrendo à seleção, que ficou aberta também a professores de outras instituições, mas não teve inscritos.

Doutor em direito pela USP, Moraes já ocupou os cargos de ministro da Justiça, promotor de Justiça e secretário de Segurança Pública. O ministro do STF será avaliado por uma banca de professores em 11 e 12 de abril. Fazem parte da comissão avaliadora os professores: Flávio Luiz Yarshell, da USP; Celso Lafer, aposentado da USP; Marta Teresa da Silva Arretche, da USP; Ana Paula de Barcelos, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ); e Carlos José Vidal Prado, da Universidade Nacional de Educação a Distância da Espanha.

Arquivo da tese foi assinado por ex-secretário-geral do TSE

O arquivo digital da tese de Moraes enviado à USP está registrado no nome de José Levi Mello, que foi secretário-geral do TSE na gestão de Moraes até janeiro deste ano. Levi foi braço-direito de Alexandre de Moraes no tribunal desde 2022, quando era seu chefe de gabinete. Ex-advogado-geral da União do governo Bolsonaro, hoje Levi é conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), por indicação do governo Lula. Procurado, Levi negou, por meio de sua assessoria, que tenha tido qualquer participação no trabalho e afirmou que apenas converteu o arquivo e o enviou ao sistema da USP, onde é professor. A Faculdade de Direito da USP confirmou a informação à coluna.

Pelo menos cinco textos anteriores à tese de Moraes foram reproduzidos integralmente, ou com mudanças mínimas, em 33 parágrafos na tese da USP, segundo levantamento da coluna. São eles: o discurso de Moraes no TSE em 12 de dezembro de 2022, na diplomação do então presidente eleito Lula; uma decisão do STF de 2019; uma decisão do TSE de 2022; e dois artigos jurídicos, de 2013 e 2022. Todos os textos estão disponíveis na internet. O edital do concurso para a vaga almejada por Moraes e o regimento interno da Faculdade de Direito da USP mencionam que a tese acadêmica deve ser “original”.

Na seção “Bibliografia”, ao fim do trabalho, Moraes só citou um dos artigos usados. O ministro ainda indicou referências de quatro livros de sua autoria. Durante o texto acadêmico, Moraes citou brevemente um artigo, um discurso e um voto no STF, mas sem apontar que os parágrafos seguintes são copiados integralmente desse material. Não há aspas ou qualquer indicativo de que o texto não é inédito, o que pode ser questionável do ponto de vista acadêmico-científico. Veja os trechos dos documentos na galeria abaixo:

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Em 2013, Moraes escreveu o artigo “Biografias requerem liberdade com responsabilidade”, que assinou como advogado. O material foi publicado no portal Consultor Jurídico. Quatro parágrafos da tese de Moraes de 2024 reproduzem em sua totalidade trechos desse artigo. “Jean François Revel faz importante distinção entre a livre manifestação de pensamento e o direito de informar, apontando que a primeira deve ser reconhecida inclusive aos mentirosos e loucos, enquanto o segundo, diferentemente, deve ser objetivo, proporcionando informação exata e séria”, afirmou o excerto da página 2 artigo de 2013, e da página 91 do texto para o concurso da USP.

Em 2019, Moraes votou na ADO 26, um processo no Supremo que tratou da criminalização da homofobia. Seis parágrafos da tese copiaram extratos desse voto. “Não foi diferente a atuação do Congresso Nacional ao editar a Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989, para estabelecer normas gerais que asseguram o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas com deficiência, e sua efetiva integração social, nos termos do § 2º do art. 227”, afirmou o trecho da página 27 da peça jurídica, reproduzido integralmente na página 157 da tese.

Outros 17 parágrafos do trabalho acadêmico apresentado à USP foram retirados de um artigo publicado em 2022, acessível na revista digital Justiça & Cidadania, a editora JC. O trecho é da página 2 do artigo daquele ano e da página 80 da tese deste ano: “O sigilo do voto e, consequentemente, a liberdade de escolha devem ser garantidos antes, durante e depois do escrutínio, afastando-se qualquer potencialidade de identificação do eleitor. Os procedimentos de escrutínio que acarretem a mínima potencialidade de risco em relação ao sigilo do voto devem ser afastados, independentemente de o voto ser escrito, eletrônico ou híbrido (eletrônico com impressão)”.

Durante a eleição de 2022, o presidente do TSE votou em um processo movido pela campanha de Bolsonaro. Três parágrafos da página 9 foram transcritos no documento enviado à USP, na página 96. Um deles disse o seguinte: “No entanto, não há permissivo constitucional para restringir a liberdade de expressão no seu sentido negativo, ou seja, para limitar preventivamente o conteúdo do debate público em razão de uma conjectura sobre o efeito que certos conteúdos possam vir a ter junto ao público”.

Também como presidente do TSE, Moraes fez um discurso em 12 de dezembro de 2022 no plenário do tribunal, durante a cerimônia de diplomação de Lula e do vice Geraldo Alckmin. Dois parágrafos do discurso foram usados na tese da USP. Um deles disse: “Senhor presidente eleito, a atividade política deve ser realizada sem ódio, sem discriminação e sem violência. A consequência do ódio e da violência é o ‘vazio e a mágoa’, como alertou Martin Luther King em seu famoso discurso ‘O nascimento de uma nova Nação’, proferido em Montgomery, em abril de 1957, e festejando que ‘a consequência da não-violência é a criação de uma comunidade querida. A consequência da não-violência é a redenção. A consequência da não-violência é a reconciliação”, afirmou Moraes na ocasião. A única mudança para a tese acadêmica foi retirar as três primeiras palavras: “Senhor presidente eleito”.

Especialistas questionam “integridade acadêmica”

A prática de copiar textos próprios em um material acadêmico não é ilegal. Não há qualquer prática de plágio usando textos de si mesmo. Isso pode gerar, contudo, a impressão ao leitor de que os excertos copiados são inéditos, o que fugiria, supostamente, do rigor acadêmico. A coluna entrevistou dois professores acadêmicos, especialistas em método científico e com obras sobre essas regras. Nos dois casos, os especialistas comentaram o assunto apenas em tese, ou seja, sem saber de qual obra ou autor se tratava.

A professora de direito da Universidade de Brasília (UnB) Debora Diniz, autora do livro “Plágio: palavras escondidas”, afirmou que a questão sobre integridade acadêmica seria resolvida se o autor deixasse claro que os trechos copiados já haviam sido publicados anteriormente. “Temos uma questão que pode ser chamada de integridade acadêmica. Não é plágio. Plágio é usar a palavra de outras pessoas. O autor pode ser perguntado sobre ineditismo. Uma referência, ou seja, dizer que trechos desse texto já foram publicados anteriormente, resolveria”, afirmou Diniz.

O professor Marcelo Krokozscz, pós-doutor em ciência da informação pela USP e que dá aulas da disciplina “Metodologia da Pesquisa”, afirmou, também sem saber qual obra específica a reportagem abordaria. Krokozscz citou o “autoplágio”, isto é, quando um autor copia trechos dele mesmo. “Quando alguém entrega a uma instituição um texto acadêmico, como uma dissertação, uma tese ou um relatório, a reutilização de textos precisa ser citada e referenciada. Se isso não é feito, é algo chamado de autoplágio, algo reprovado na academia e considerado uma prática inaceitável, do ponto de vista acadêmico”.

Krokoscz acrescentou: “Em princípio, por uma questão de transparência, o desejável seria que o autor dissesse para o leitor onde e como o trecho foi feito. É possível repetir? Sim, mas indicando a fonte. Quando lemos um texto acadêmico e vemos uma sobreposição numérica ou um parênteses com um sobrenome e uma data, percebemos que trata-se de uma repetição do que já foi dito por determinado autor em outro momento. O autor pode ser o mesmo, e neste caso a pessoa se cita. Coloca o próprio sobrenome entre parênteses e o ano da publicação”. O professor ainda afirmou que órgãos internacionais de integridade científica permitem a reprodução de trechos de trabalhos anteriores em até 30% do trabalho, mas apenas na seção do método de pesquisa, o que não foi o caso da tese de Moraes.

Procurado por meio do TSE na noite da última quarta-feira (20/3), o ministro Alexandre de Moraes não respondeu. O espaço segue aberto para eventuais manifestações. Procurada, a Faculdade de Direito da USP afirmou que cabe à banca examinadora da tese de Moraes, que se reunirá em 11 e 12 de abril, analisar a questão.

“Existe banca nomeada, especialista e qualificada para análise da tese. Não cabe à Faculdade — aprovada a banca pela Congregação — se antecipar ou substituir à comissão julgadora, composta por conhecedores do tema. As regras a serem observadas nos concursos públicos para professores estão na legislação e no Edital. Devem ser, rigorosamente, observadas pelos examinadores”, declarou a Universidade de São Paulo.

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metropoles.comGuilherme Amado

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