A carta de Annie Ernaux para a irmã que morreu antes de ela nascer
Livro “A outra filha”, de Annie Ernaux, será lançado este mês no Brasil; escritora francesa venceu o Prêmio Nobel de Literatura em 2022
atualizado
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Quando tinha 10 anos, no verão de 1950, a escritora francesa Annie Ernaux, vencedora do Nobel de Literatura em 2022, escutou uma conversa da mãe e descobriu que antes dela, seus pais haviam tido outra filha, morta aos 6 anos de difteria. A mãe contou a uma confidente que haviam escondido de Annie a existência da irmã para não entristecê-la, e emendou: “ela era mais boazinha do que aquela ali”.
Quase 60 anos depois, Ernaux recebeu um convite para participar da coleção francesa Les Affranchis, em que escritores são convidados a escrever a carta que nunca foi escrita. Com a oportunidade de abordar um trauma de infância, Ernaux escreveu “A outra filha”, livro que a editora Fósforo lança este mês no Brasil.
O episódio dos anos 1950 foi a única vez que a irmã mais velha foi mencionada, fora um lapso aqui e outro ali de familiares. Ernaux também manteve o segredo até o lançamento do livro. “Tenho a impressão de que o silêncio nos convinha, a eles e a mim”, escreveu.
A carta, dirigida à irmã, acaba sendo uma forma de Ernaux exorcizar o peso que ela, e de imagem sacralizada, exerceu sobre ela. Chega a conectar a morte dela com o próprio princípio de sua existência. “Eu vim ao mundo porque você morreu e eu te substituí”, disse, em outro trecho.