Mãe denuncia violência contra filhos autistas em faculdade do DF
Bolsistas do ProUni, jovens são xingados e humilhados diariamente pelos colegas. O rapaz foi expulso da Unieuro após defender a irmã
atualizado
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Capacitismo é uma palavra relativamente nova para muita gente – trata-se da discriminação contra Pessoas com Deficiência (PCDs). Porém, para Clesiana Epifânio, 49 anos, o preconceito não é necessariamente uma novidade, e atinge em cheio seus calcanhares de aquiles: os dois filhos, de 18 e 21 anos, enquadrados no Transtorno de Espectro Autista (TEA). Os dois têm sido alvo de humilhações e ataques de colegas na universidade onde cursam medicina, no Distrito Federal.
Pedro Augusto Epifânio, 18, e Paloma Epifânio, 21, são bolsistas do Programa Universidade para Todos (ProUni). Segundo a mãe, eles foram os primeiros alunos com deficiência matriculados em curso considerado de elite, na faculdade particular Unieuro, na Asa Sul, por meio de cotas para PcDs. Cursar medicina sempre foi o sonho dos irmãos. A família é de origem humilde, do Sol Nascente, maior favela do Brasil. Há pouco tempo, eles resolveram se mudar para Taguatinga, com o objetivo de facilitar o transporte e reduzir gastos.
O pesadelo começou em 15 de agosto, ainda na segunda semana de aula. Além de autista, Paloma apresenta episódios de epilepsia. Durante uma crise, um colega a ofendeu, dizendo que a jovem universitária estaria fingindo o ataque. Pedro escutou os insultos e resolveu tirar satisfação, quando começou uma confusão. Ele teve uma crise de Meltdown – crise explosiva com perda de controle emocional – correu atrás de outro aluno e tentou lhe desferir um soco. Testemunhas afirmam que o golpe não teria acertado o alvo. O aluno, porém, teria ido à reitoria e alegado que a agressão foi, de fato, consumada.
O colega supostamente agredido chegou a registrar um boletim de ocorrência na Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), onde afirmou que a agressão ocorreu. O laudo com o diagnóstico de autismo de Pedro nem sequer foi citado.
A confusão toda ocorreu na segunda quinzena de agosto, mas os episódios de violência contra os filhos de Cleisiana teriam se iniciado antes, segundo ela. “Essa deficiente acha que tudo vai ser do jeito dela”, teriam dito os colegas, de acordo com a mãe.
“Meu filho deu a ideia de que uma pessoa PcD fosse indicada como oradora da turma, para mostrar a diversidade na faculdade. Nisso começaram as represálias. E as aulas ainda nem tinham começado”, conta Cleisiana.
Segundo ela, também houve discriminação no momento de candidatura dos dois filhos para serem representantes da turma. Os alunos já estavam enturmados entre si, mas a dupla de irmãos continuava isolada.
Processo Administrativo
Sem qualquer advertência ou suspensão prévia, iniciou-se um Processo Administrativo (PAD) contra a presença de Pedro nas dependências da universidade. No procedimento, consta que a conduta do jovem “ofendeu bens juridicamente protegidos e de elevado valor, quais sejam, a incolumidade física e psíquica de membro da comunidade acadêmica, devendo ser punido com a sanção disciplinar de desligamento”. Pedro foi efetivamente expulso em 18 de outubro.
Ao final do processo, a universidade alegou que os transtornos de Pedro e Paloma não foram comprovados por meio de laudo médico e aconselhou aos dois que buscassem tratamento. “O acusado e sua irmã devem buscar apoio por iniciativa deles ou da família para o tratamento das síndromes informadas por aqueles, mas não comprovada mediante laudo de especialista da área médica.”
A mãe dos jovens enviou ao Metrópoles os laudos médicos dos filhos. O primeiro laudo de Pedro, comprovando o diagnóstico de TEA, foi feito em 14 de março de 2023. O de Paloma, em 1º de setembro. O PAD foi iniciado somente em outubro.
Com os documentos em mãos, Pedro fez um requerimento na universidade na tentativa de anular o desligamento e retomar as aulas. O processo está em andamento.
Ataques mesmo após expulsão
Após a expulsão de Pedro, os ataques continuaram, para que o rapaz não voltasse a frequentar a faculdade. Paloma recebeu mensagens de colegas dizendo que sentem nojo da cara da menina e prefeririam que ela fosse atropelada.
“Ninguém na nossa turma te suporta. Agora vai ficar sozinha, quero saber se vai suportar.” “Vou fazer até os funcionários te odiarem. Você vai desistir nem que seja a última coisa que a gente faça”, escreveu um dos alunos da universidade.
Nem mesmo Cleisiane foi poupada: “Aconselho você a tirar sua filha da faculdade, porque ela vai sofrer muito. Poupe ela dessa vergonha”, recebeu a mãe, em uma rede social.
Além das duas e de Pedro Augusto, um amigo de Paloma recebeu uma mensagem dizendo para ele se afastar de gente assim e que “ela é gorda, ridícula e se faz de coitada, sendo que nem deficiência deve ter”.
Veja imagens:
O que a faculdade diz
A Unieuro foi procurada pela reportagem na quinta-feira (9/11) e se pronunciou sobre o caso às 17h54 desta sexta-feira (10/11). Na nota de esclarecimento, a faculdade disse que recebe “com muito acolhimento todos os alunos, independentemente de serem bolsistas ou pagantes”.
A Unieuro informou que Paloma, em nenhum momento, apresentou laudo de TEA, diferentemente do irmão. A Unieuro disse que os perfis mostrados pela mãe dos alunos estão sendo investigados pela polícia, porque os alunos negam serem os autores.
Confira a resposta, na íntegra: