STJ autoriza ex-integrantes da Legião Urbana a usarem nome da banda
A Quarta Turma do STJ permitiu, por maioria, que Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá continuem utilizando o nome da Legião Urbana
atualizado
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A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou os músicos Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá a continuarem usando o nome da Legião Urbana.
O julgamento iniciado em abril foi concluído nesta terça-feira (29/6), com placar apertado: 3 votos a favor dos ex-integrantes da banda e dois favoráveis à empresa Legião Urbana Produções Artísticas, do filho e herdeiro de Renato Russo, Giuliano Manfredini.
A briga judicial entre os artistas e a empresa que possui o registro da marca Legião Urbana se estende há mais de oito anos. Desde 2014, Dado e Bonfá podem utilizar o nome do conjunto musical sem impedimento, em razão de uma sentença da 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro.
Naquele ano, foi expedida a decisão que autoriza os músicos a se apresentarem como Legião Urbana sempre que desejarem, sob entendimento de que eles contribuíram com a banda “durante toda a sua existência, em nível de igualdade com Renato Russo, para o sucesso alcançado”. Desde então, a empresa do filho de Renato Russo recorre contra esse entendimento.
Na Quarta Turma do STJ, a relatora do caso, Maria Isabel Galloti, votou a favor do recurso da empresa contra os ex-integrantes da banda. Na avaliação da magistrada, a Legião Urbana Produções Artísticas “é o titular da marca e dela deve usufruir com exclusividade”. O ministro Luis Felipe Salomão seguiu o voto da relatora. Porém, os ministros Antonio Carlos Ferreira, Raul Araújo e Marco Buzzi foram contra o recurso.
Advogado da Legião Urbana Produções Artísticas, Guilherme Coelho afirmou à coluna Grande Angular que espera a publicação do acórdão do STJ para recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF): “A sentença, de fato, criou um direito marcário ‘à brasileira’, no qual a marca é relativizada aqui de uma forma que não é relativizada em lugar nenhum. Existe violação expressa ao texto da Constituição, tanto na questão da proteção dos direitos dos titulares da marca, quanto em relação à preservação da competência da Justiça Federal para julgar o caso”.
Segundo Coelho, “o caminho natural da questão é ir ao Supremo”. “A gente vai seguir defendendo o posicionamento da empresa, que está ecoado nos votos da ministra Galloti e do ministro Salomão”, ressaltou.
Entenda
Os dois ex-integrantes da banda chegaram a ser sócios da empresa na década de 1980, mas venderam suas cotas minoritárias para Renato Russo, em 1987, por 1,2 mil cruzados. Assim, o vocalista e fundador da Legião Urbana tornou-se o único dono da empresa Legião Urbana Produções Artísticas, direito que foi passado posteriormente para seu filho. É essa empresa que possui o registro da marca Legião Urbana no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
Confira o registro da venda das cotas:
Outro argumento da empresa é que os direitos envolvendo a proteção da marca foram afastados a partir da decisão de que os músicos podem usar o nome da banda, sem autorização ou pagamento à dona do registro. O advogado de Giuliano Manfredini, Guilherme Coelho, disse à coluna Grande Angular que, por envolver o INPI, uma autarquia federal, apenas a Justiça Federal seria competente para julgar o caso.
Em outras palavras: o herdeiro de Renato Russo quer a anulação da sentença da Justiça do Rio de Janeiro para ter pleno exercício dos direitos da produtora, que foi criada por Renato Russo. Segundo a defesa da empresa, porém, isso não significaria que os músicos não poderiam mais tocar músicas da banda das quais são coautores, pois eles detêm direitos autorais.
“A Justiça está permitindo o uso dessa marca para quem não é o detentor do registro. É algo inédito do Brasil. Não se tem notícia de outras situações desse tipo”, afirmou Guilherme Coelho.
A defesa de Giuliano Manfredini invoca o desejo de Renato Russo de que a empresa ficasse responsável pela administração da marca Legião Urbana: “O Renato tinha uma visão empresarial muito aguçada de como funcionava a indústria da música. Ele se inspirava muito no David Bowie e nos Beatles. Desde adolescente, estudava como as bandas se arranjavam empresarialmente e buscou a formatação da carreira dele”.
Ainda que a banda não esteja mais em atividade desde a morte do vocalista, que ocorreu em 1996, a marca possui um valor agregado. É a empresa herdada pelo filho do músico que cuida, por exemplo, do relançamento de coletâneas, da divulgação de material inédito e de produções, como filmes, que envolvam o legado de Renato Russo. O advogado Guilherme Coelho disse que proteger a marca é uma forma de defender o legado e o material ligado à banda que ainda será disponibilizado ao público.
“Existe a empresa que o titular, Renato Russo, deixou, para que decida os rumos do que vai acontecer com a marca. E mais do que isso: há um acordo público de que não existiria Legião Urbana depois da morte do Renato Russo. A gravadora veio a público dizer isso, o próprio Renato Russo expressou isso em vida e os ex-integrantes também admitiram isso. Então, reavivar a banda para o público em geral, como se ela ainda existisse, é um contrassenso muito grande”, ressaltou.
“O que existe de fato e de direito é o registro da marca por uma empresa que pertencia somente a Renato Russo, muitos anos antes do seu falecimento. As marcas que identificam bandas são registradas por um ou mais integrantes justamente para que as decisões sobre a continuidade ou interrupção de turnês e gravações, a troca de integrantes e outras questões dessa natureza sejam lideradas por alguém. A narrativa de Dado e Bonfá tenta reconstruir uma história contrária à verdade amplamente documentada”, completou o advogado.
Cobrança
Após a vitória de Dado e Bonfá na Justiça do Rio de Janeiro, a Legião Urbana Produções Artísticas ajuizou outra ação, na qual pede o pagamento de um terço do lucro recebido pelos músicos ao usarem o nome da banda. Uma das apresentações mais expressivas da dupla nos últimos anos foi a da turnê Legião Urbana XXX Anos, em comemoração ao aniversário de três décadas dos discos Dois e Que País é Este.
Em segunda instância, a empresa conseguiu decisão favorável. Os ex-integrantes da banda, então, recorrem ao STJ. O processo ainda foi julgado até este momento. O valor total cobrado dos músicos ainda não foi calculado.
Contestação
Advogado de Dado e Bonfá, Marcelo Goyanes disse à coluna que a ação principal não trata de nulidade ou alteração do registro do INPI. “Como não se discute a validade do registro, não há motivo para distribuir ação dessa natureza na Justiça Federal. Por isso, a ação rescisória não tem condições de ser julgada procedente pelo STJ”, ponderou.
Marcelo Goyanes declarou que o nome da banda Legião Urbana foi criado e se tornou conhecido nacionalmente em razão do trabalho de Dado, Bonfá e Renato Russo. “Eles tiveram o direito ao uso perene porque foram criadores uma das maiores bandas brasileiras da história. Não é possível impedi-los de usarem o nome, porque foram justamente eles que o colocaram no mundo”, pontuou.
Na versão da defesa de Dado e Bonfá, a Legião Urbana Produções Artísticas foi constituída, assim como outras empresas dos demais integrantes da banda, e a venda das cotas foi realizada em 1987, por uma questão contábil e por orientação dos profissionais da área que atendiam aos artistas. “Hoje, o valor que Dado e Bonfá venderam as cotas, somadas, dá R$ 32. Não embutia a venda da marca”, frisou.
Dado e Bonfá decidiram ingressar com uma ação judicial para usar o nome da Legião Urbana em seus trabalhos porque eram prejudicados pela empresa de Giuliano Manfredini, segundo Marcelo Goyanes.
“Sempre que eles eram procurados para organizar homenagem à banda, a empresa tomava medidas. Ela notificava produtores, gravadoras e músicos, falando que não poderiam usar a marca Legião Urbana. Começava a criar situações que inviabilizavam shows de homenagem em que Dado e Bonfá tocassem Legião Urbana”, descreveu.
“Cruel”
No último dia 22 de março, Marcelo Bonfá e Dado Villa-Lobos divulgaram um comunicado oficial sobre a briga judicial com a empresa de Giuliano Manfredini. Na manifestação, dizem que, quando fundaram a Legião Urbana, há 38 anos, nunca imaginaram que “precisariam assegurar o direito de usar o nome que escolheram para batizar a banda”.
“É uma guerra que não foi deflagrada por nós, mas que, infelizmente, nos atinge da maneira mais cruel, em forma de uma disputa judicial insana, que nos atrapalha a atuar e continuar levando a música que compusemos, gravamos e tocamos, por anos, ao lado do nosso parceiro Renato Russo”, declararam.
Confira, na íntegra, o comunicado:
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