Saúde pagou por teste produzido nos EUA, mas empresa aplicou marca chinesa
De acordo com os autos da Operação Falso Negativo, cúpula da Secretaria de Saúde do DF sabia da irregularidade. Testes feitos em drive-thru
atualizado
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As investigações da segunda fase da Operação Falso Negativo, deflagrada na terça-feira (25/8), revelam que a empresa Biomega, contratada para aplicar exames para detecção do novo coronavírus no esquema de drive-thru, utilizou testes de marca diferente da acordada no processo de dispensa de licitação. De acordo com os autos, a cúpula da Secretaria de Saúde sabia da troca indevida.
Segundo documentos reproduzidos no processo, a empresa afirmou que utilizaria testes da marca Cellex, produzida nos Estados Unidos. No entanto, foram aplicados nos moradores do DF atendidos exames fabricados pela China, da marca Wondfo.
“Como se isso tudo já não bastasse, a situação ainda é mais grave quando se constata que a Biomega estava utilizando mercadoria diversa da contratada e a cúpula da SES/DF tinha ciência inequívoca do embuste”, afirmam os investigadores nos autos.
O processo traz trecho de conversa pelo WhatsApp entre o então diretor do Laboratório Central (Lacen), Jorge Antônio Chamon Júnior, e o então subsecretário de Vigilância à Saúde, Eduardo Hage Carmo, interceptada pelos investigadores.
“Aos 28/05/2020, Eduardo Hage perguntou para Jorge Chamon acerca da sensibilidade dos testes utilizados no drive-thru, tendo Jorge Chamon afirmado que o drive-thru estava usando a marca Wondfo, marca diversa da ofertada pela empresa no início da dispensa de licitação, o que não enfrentou obstáculos, em razão da ausência total de fiscalização dos serviços”, descreve o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT).
Os investigadores continuam: “Ademais, a empresa demonstrou ter poder e influência suficiente sobre o secretário de Saúde para entregar a marca que desejasse, sem qualquer preocupação com o definido no resultado da dispensa de licitação”.
Confira trechos do processo:
Falso Negativo
Deflagrada nessa terça, a operação do MPDFT prendeu o então secretário de Saúde, Francisco Araújo, e outros cinco integrantes do alto escalão da pasta. O prejuízo estimado aos cofres públicos com as supostas fraudes em contratos para compra de testes rápidos da Covid-19 é de R$ 18 milhões.
Todos os alvos da operação foram afastados em edição extra do Diário Oficial do DF (DODF), publicada ainda na terça.
Outro lado
A Biomega informou, por meio de nota, que “não vendeu ao GDF kits de testes rápidos para detecção da Covid-19″.
“A empresa é um laboratório de análises clínicas que participou de um processo licitatório para prestação de serviços de exames laboratoriais de anticorpos para a Covid-19. O serviço incluiu montagem de tendas, disponibilização de mobiliário apropriado e alocação de recursos humanos nas áreas administrativa, técnica e de analistas especializados na leitura dos testes, que assinam os laudos”, afirmou.
Ainda segundo a Biomega, fez parte da prestação de serviço a locação de carros e a contratação de empresa especializada para a remoção do lixo hospitalar. “O contrato firmado previa a realização de exames em 100 mil pessoas, tendo havido aditamento para a inclusão de outras 50 mil pessoas examinadas”, disse.
A Secretaria de Saúde do DF pontuou que “sempre esteve à disposição do Ministério Público, colaborando com as investigações e fornecendo todos os documentos necessários à devida apuração dos fatos relativos à Operação Falso Negativo, desde a sua fase inicial”.
“A SES não só disponibiliza as informações solicitadas como franquia o acesso on-line dos membros do MP a todos os processos de compras e contratos da pasta, através do Sistema Eletrônico de Informações (SEI), e vem realizando reuniões semanais com os membros desse órgão de controle para esclarecer dúvidas, acatar recomendações e aprimorar os mecanismos de transparência dos atos e ações da pasta junto à sociedade”, assinalou a pasta.
Em nota, a defesa de Francisco Araújo disse que “lamenta a forma precipitada como o caso foi tratado”. Por meio do advogado Cléber Lopes, o texto assinala que “a decisão, que reproduz os termos da representação do Ministério Público, não descreve nada que possa configurar crime”.
A defesa do subsecretário afastado de Vigilância à Saúde, Eduardo Hage, afirmou, por meio de nota, que o médico “se declara inocente em relação às acusações imputadas a ele e acredita que toda a situação desta investigação vai ser esclarecida com brevidade”. O texto, assinado pelo advogado Marcelo de Moura Souza, destaca que “Eduardo Hage Carmo quer saber do que está sendo acusado, para que possa prestar todos os esclarecimentos necessários e ver cessada a prisão preventiva, medida da qual foi vítima e que considera absurda”.
A coluna não conseguiu contato com Jorge Antônio Chamon Júnior. O espaço permanece aberto para eventuais manifestações.