Relatório: MPDFT diz que secretaria atuava como “filial” de atacadista
Ex-integrantes da Secretaria da Fazenda são investigados por suspeitas de ajudar o Atacadão Dia a Dia a sanar pendências com o Fisco do DF
atualizado
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O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e a Polícia Civil (PCDF) investigam um suposto esquema de corrupção que envolve o Atacadão Dia a Dia e integrantes do alto escalão da antiga Secretaria de Fazenda e atual Secretaria de Economia.
As investigações revelaram que os agentes públicos teriam ajudado a empresa a resolver pendências com o Fisco. Os alvos das investigações são o diretor da controladoria da rede atacadista Atacadão Dia a Dia, Cristiano da Silva Nogueira; o ex-secretário-adjunto da Fazenda Marcelo Ribeiro Alvim; e o então subsecretário da Receita do DF, Sebastião Melchior Pinheiro.
Por meio de duas operações deflagradas neste ano contra os suspeitos, os investigadores tiveram acesso a mensagens trocadas entre os alvos. Em uma conversa de agosto de 2023, Sebastião teria orientado Cristiano a resolver pendências tributárias. Na sequência, o diretor da rede atacadista pediu a nulidade de certidões da Dívida Ativa (CDAs) – título emitido pelo governo que atesta a existência de um débito do contribuinte.
Leia as conversas:
Em depoimento na delegacia, Marcelo chegou a negar que tinha conhecimento sobre operações para cancelamento de CDAs da rede atacadista. No entanto, os investigadores não acreditaram na versão, pois, segundo as apurações, Sebastião supostamente começou a ajudar Cristiano a pedido de Alvim.
“Algumas das comunicações entre Sebastião e Cristiano demonstraram a ligação promíscua e ilegal entre um funcionário público de alto escalão, que tem a função de fiscalizar as empresas, e um grupo econômico que deve milhões ao Distrito Federal”, destacou o MPDFT, em manifestação enviada à 1ª Vara de Fazenda Pública do Distrito Federal e à qual o Metrópoles teve acesso.
Além disso, segundo o relatório, antes da anulação efetiva dos débitos tributários, Sebastião informou a Cristiano sobre a solução das pendências com o Fisco. “As CDAs foram canceladas.” E o diretor do atacadista responde: “Ótimo. Muito obrigado”. Na sequência, o então subsecretário da Receita do DF orientou o empresário sobre os próximos passos do processo.
“Circo de horrores”
O MPDFT classificou o caso como um “circo de horrores”. Para os investigadores, a suposta defesa dos interesses do grupo empresarial perante a administração fazendária não se resumiu apenas ao indevido cancelamento de CDAs.
Em outra troca de mensagens, o subsecretário teria ajudado o diretor da rede atacadista a resolver mais pendências com a Receita do Distrito Federal. “Sem ter de seguir o protocolo normal de todos os contribuintes, para facilitar a atividade empresarial, e sem problemas com o Fisco, o que não tem o mínimo cabimento”, destacou o MPDFT no relatório.
As investigações também flagraram uma conversa em que Sebastião se desculpou por não conseguir atender Cristiano no mesmo dia do contato. Para o MPDFT, o ex-subsecretário se preocupava em atender às demandas do grupo; por isso, o tratamento ocorria de acordo com “as bases” da empresa, inclusive com repreensão de auditores.
“Não é forçoso afirmar que Sebastião, em vez de atuar de forma republicana e íntegra, comportava-se como se fosse funcionário do grupo empresarial Atacadão Dia a Dia, transformando um importante órgão do Estado em uma filial da empresa, voltada a atender os interesses corporativos, subsumindo um cargo tão relevante da estrutura governamental a consultor/despachante empresarial”, completou o MPDFT.
As apurações da PCDF e do MPDFT continuam. A defesa de Sebastião Melchior Pinheiro informou que não se pronunciará neste momento e que aguardará a conclusão das investigações.
Posicionamentos
Ao Metrópoles o advogado Jorge Ernani, representante de Sebastião, alegou que o cancelamento da CDA não levaria, necessariamente, à extinção das dívidas tributárias do contribuinte e que a anulação teria decorrido de erros técnicos no sistema de notificação dos contribuintes, mas sem conhecimento do então subsecretário da Fazenda.
A defesa argumentou, ainda, que Sebastião tinha o dever de cancelar as CDAs do atacadista, pois a empresa não havia sido notificada sobre os prazos para quitar as dívidas, sob risco de ser processado por prevaricação e para que o Estado não fosse acionado judicialmente no futuro.
Quanto às mensagens trocadas entre Sebastião e Cristiano, diretor da Controladoria da rede atacadista, não haveria qualquer ilegalidade, segundo o advogado. “Se receber a sociedade civil for uma prática irregular, é um absurdo. Promíscuo seria se as tratativas fossem feitas às escondidas, de forma não identificada. Porque é conhecimento geral que o que se conversa no WhatsApp pode ser facilmente detectado e rastreado”, afirmou
“Houve muita precipitação no processo. Com base em um juízo de valor, emitiu-se um inquérito. Tanto que, passado quase um ano, ainda não houve provas concretas de que tenha ocorrido, de fato, uma vantagem indevida ao subsecretário. São acusações indevidas e matadoras de reputações”, completou Jorge.
Por meio de nota, a empresa atacadista informou:
“O Atacadão Dia a Dia, reconhecido como o maior contribuinte e empregador do Distrito Federal, expressa total tranquilidade em relação à investigação em curso, confiando plenamente na lisura de seus processos e na inexistência de qualquer irregularidade por parte de seus colaboradores.
Destaca-se que não houve qualquer dano aos cofres públicos, pois a dívida tributária foi efetivamente paga. Quanto à anulação das CDAs, frisa-se que foram substituídas por novas, que foram devidamente quitadas. O erro no sistema da subscretaria foi reconhecido pela Gerência de Julgamento Contencioso Fiscal em 19 de julho de 2024. Por sua vez, a Coordenação de Cobrança Tributária, em 24 de maio de 2024, em data posterior ao ajuizamento da ação pelo MPDFT, entendeu como correta a anulação das CDAs.
A empresa reafirma a lisura da sua conduta em todas as instâncias de relacionamento com o poder público e, quando lhe for oportunizado o exercício do direito de defesa, provará, mais uma vez, a regularidade de todas as suas ações e mantém seu compromisso inabalável com a transparência, a ética e o cumprimento das leis. O Atacadão Dia a Dia segue firme no exercício de suas responsabilidades e na prestação de contas, mesmo diante de pré-julgamentos injustos.”
Até a mais recente atualização desta reportagem, o Metrópoles não havia conseguido contatar Marcelo Ribeiro Alvim.