Pandora: Justiça do DF considera escutas feitas por Durval “prova lícita” de esquema de corrupção
“Não há qualquer evidência ou indício de fraude ou manipulação do material”, disse juiz Daniel Carnacchioni, ao condenar Arruda e mais 4
atualizado
Compartilhar notícia
Nesta segunda-feira (27/11), a Operação Caixa de Pandora completa oito anos. Embora minuciosamente fundamentadas pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), as investigações sobre uma suposta organização criminosa comandada pelo ex-governador José Roberto Arruda (PR) resultaram em poucas condenações criminais. Até hoje, ninguém chegou a cumprir pena na cadeia por pagar ou receber propina, a exemplo do que já ocorreu na Lava Jato. Os processos se arrastam nos tribunais, retardados por recursos.
Boa parte deles questiona a validade das escutas ambientais e dos vídeos feitos por Durval Barbosa. Eles são a prova mais contundente do esquema delatado. Uma recente decisão da 2ª Vara de Fazenda Pública do DF, entretanto, indica que, pelo menos na esfera cível, há o entendimento de que as gravações são lícitas e podem render à turma do Mensalão do DEM multas pesadas, reparação de danos ao erário e perda de direitos políticos.
Segundo a sentença, na gestão do ex-governador, a Linknet teria recebido R$ 63.844.481 sem lastro contratual, comprovação de serviços prestados e com valores superfaturados. O magistrado acatou os argumentos do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) de que os contratos tinham o objetivo de manter um esquema de corrupção, pagamento e arrecadação de propina, especialmente para beneficiar parlamentares, em troca de apoio político.
Ao se defenderem, os réus colocaram em xeque, mais uma vez, a licitude das gravações. Para eles, as escutas e os vídeos foram manipulados e editados por Durval Barbosa. Assim, a delação não seria nada mais do que denúncias vazias de um ex-aliado que, do dia para a noite, virou desafeto. O juiz Carnacchioni, porém, rebateu: “Não há qualquer evidência ou indício de fraude ou manipulação do material”.
Uma das principais gravações que sustentam a delação de Barbosa é uma escuta ambiental, em uma ação controlada autorizada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), feita na Residência Oficial de Águas Claras (Roac), em 21 de outubro de 2009. No áudio, Arruda, Barbosa e José Geraldo Maciel registram o modo de atuação, organização, articulação e distribuição de tarefas de todo o esquema criminoso.
O juiz destacou que a “conversa captada na gravação existiu de fato. Lembrou que Arruda, em depoimento prestado em juízo, confirmou a sua participação no diálogo, embora tenha alterado a versão sobre o conteúdo e a finalidade da reunião.
Veja trechos da sentença:
Ação acompanhada
De acordo com o magistrado, os equipamentos utilizados por Barbosa ficaram sob responsabilidade da Polícia Federal. E o fato de os áudios terem “inconsistências técnicas não significa que houve manipulação, adulteração ou fraude, até porque o colaborador estava sendo observado e acompanhado por autoridades públicas durante a ação”.
Na conversa, após serem feitas referências às propinas ligadas à Linknet, os três falam também sobre a “unificação” dos pagamentos. O esquema estaria “fora de controle” e, por isso, pessoas que se beneficiavam estavam recebendo em duplicidade. O trio combina o repasse de R$ 600 mil a políticos.
Em depoimento, Arruda e Maciel afirmaram que a conversa gravada em Águas Claras tratava de doação de campanha e ajuda de custo a aliados políticos. “As gravações ambientais e os vídeos desqualificam as teses defensivas”, contrapôs o juiz.
Dois dias depois, de acordo com o processo, Maciel teria recebido R$ 400 mil das mãos de Durval. E, no dia 30 de outubro de 2009, foi entregue a diferença de R$ 200 mil, pagamento registrado em vídeo. Outra gravação feita pelo delator, esta com Gilberto Lucena, dono da Linknet, mostra o empresário falando abertamente sobre as propinas pagas assim que os processos administrativos de reconhecimento de dívidas fossem liquidados.
Para o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPDFT, não restam dúvidas sobre a existência de esquema liderado pelo ex-governador Arruda com objetivo de roubar dinheiro público, cujo modus operandi se baseava no pagamento de mensalão para comprar a consciência de deputados. Nos últimos oito anos, os promotores conseguiram a condenação criminal de três personagens envolvidos no escândalo.
Em maio deste ano, Arruda foi condenado a 10 meses e 20 dias de prisão em regime semiaberto, por falsidade ideológica, na acusação de falsificar quatro recibos de compra de panetones para justificar o recebimento de R$ 50 mil de Durval Barbosa. Foi a primeira condenação criminal dele no âmbito da Pandora.
Os outros dois julgados pela 7ª Vara Criminal de Brasília foram os ex-deputados distritais Odilon Aires (prisão em regime fechado por nove anos e quatro meses) e Eurides Brito (prisão em regime fechado por dez anos). Todos os três recorrem em liberdade.
Suspensão do STJ
Na esfera criminal, por enquanto, a tramitação dos processos que têm como prova as escutas ambientais está suspensa. Em dezembro de 2016, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a paralisação das ações decorrentes da Operação Caixa de Pandora. A decisão beneficiou 37 políticos e empresários e sobrestou quase duas dezenas de julgamentos, atrasando ainda mais o desfecho do maior escândalo de corrupção já descoberto no Distrito Federal.
A Corte acatou pedido de Arruda e determinou que o aparelho de escuta ambiental usado por Durval Barbosa para interceptar conversas de investigados fosse periciado, sob o argumento de que o conteúdo dos áudios havia sido manipulado.
“A prova produzida nos autos não pode servir apenas aos interesses do órgão acusador, sendo imprescindível a preservação da sua integralidade, viabilizando-se, assim, o exercício da ampla defesa, por meio da efetiva possibilidade de a defesa refutar a tese acusatória”, afirmou o relator do processo, ministro Reynaldo Soares da Fonseca.
O delator teria utilizado dois equipamentos cedidos pela Polícia Federal para registrar a conversa em Águas Claras. O primeiro gravou 49 minutos e, por problemas técnicos, deixou de registrar informações. O segundo captou duas horas de áudios. É dele os principais trechos que embasam as denúncias. A perícia realizada pelo Instituto Nacional de Criminalística ainda não foi concluída.
Recursos
E é justamente baseado nessa decisão do STJ que o advogado de José Roberto Arruda pretende questionar a condenação de seu cliente no processo que envolve a Linknet. Segundo Paulo Emílio Catta Preta, as gravações utilizadas para embasar parte da sentença do magistrado são oriundas do processo criminal. “Se essa prova veio por empréstimo, a perícia também tem que surtir efeitos aqui [improbidade administrativa]”, afirmou.
No recurso contra a sentença, a defesa pretende sustentar a irregularidade da condenação lavrada a partir de uma “prova precária”. “No processo criminal está sendo feita essa perícia, por ordem do Superior Tribunal de Justiça. A nosso sentir, essa sentença não poderia ter se aproveitado de uma gravação que é questionada”, alegou.
Se haverá recurso por parte das defesas dos réus, o Ministério Público do DF e Territórios também prepara um questionamento. O órgão vai insistir na condenação de outras três pessoas por improbidade administrativa. O ex-vice-governador Paulo Octávio, o ex-corregedor Roberto Giffoni e o ex-secretário de Planejamento Ricardo Penna foram absolvidos pelo juiz Daniel Branco Carnacchioni.
Na avaliação do magistrado, as provas produzidas durante a instrução processual “não são suficientes para demonstrar que eles receberam vantagem ilícita ou indevida em decorrência dos contratos de informática da Linknet”.