MPDFT revela que Saúde aprovava projetos em minutos para favorecer empresas
Informações constam no processo da Operação Falso Negativo, deflagrada nesta terça-feira (25/8). Ação investiga compra de testes de Covid-19
atualizado
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De acordo com os investigadores responsáveis pela Operação Falso Negativo, que teve a segunda fase deflagrada nesta terça-feira (25/8) com a prisão do então secretário de Saúde do DF, Francisco Araújo, e de outros seis integrantes da cúpula da pasta, os contratos de aquisição dos testes para a detecção do novo coronavírus tramitavam em questão de minutos.
O processo cita o trâmite que consagrou a empresa Luna Park Importação, Exportação e Comércio Atacadista de Brinquedos Temáticos como vencedora do processo com dispensa de licitação. “Elaborado o projeto básico em tempo exíguo, foi ele analisado e aprovado em questão de minutos, quando, também minutos após, as empresas foram convocadas para o fornecimento dos testes rápidos em 24 (vinte e quatro) horas.”
Os investigadores mostram que foram fixados prazos curtos a fim de evitar que outras empresas apresentassem propostas. “Finalizada, no mesmo dia, toda a fase interna do procedimento licitatório, no dia seguinte procedeu-se ao Aviso de Abertura de Dispensa de Licitação, que, para restringir a participação de eventuais concorrentes e, assim, garantir o direcionamento do certame, a referida publicação ainda fixou que a proposta comercial, documentações técnicas e de habilitação deveriam ser enviadas até às 15h, do mesmo dia da publicação no DODF, ou seja, o projeto básico foi aprovado às 10h37, do dia 28.04.2020, portanto, somente a partir deste horário – e até às 15h do mesmo dia – é que as empresas, oficialmente, tiveram acesso às regras básicas do certame, ou seja, no diminuto prazo de pouco mais de 4 horas.”
O processo segue citando possíveis irregularidades. “Se não bastasse, o aviso da dispensa de licitação foi publicado sem que o projeto básico tivesse sido aprovado e sem a devida pesquisa de preço, ou justificativa de sua inexistência. Surpreendentemente, e mesmo diante da exiguidade do prazo a ser cumprido, foram apresentadas propostas de 5 (cinco) empresas, dentre as quais, em 4 (quatro) delas não há referência ao e-mail de encaminhamento, vale dizer, não há nos autos nenhuma informação de como essas propostas foram encaminhadas ou em que data”, diz trecho do documento.
De acordo com os investigadores, a falta de registros deve-se ao fato de empresários encaminharem as informações por meio de WhatsApp para integrantes do grupo investigado. “Consoante constatado nas conversas pelo aplicativo WhatsApp, muitas propostas eram encaminhadas diretamente aos integrantes da organização criminosa e eles providenciavam a inserção no procedimento administrativo”, aponta o processo.
A investigação detalha, também, que a tramitação do processo de aquisição “foi surpreendentemente iniciada e finalizada em apenas dois dias, existindo fortes indícios de que o representado Francisco Araújo Filho, secretário de Saúde do Distrito Federal, por meio de ajustes escusos, já havia escolhido previamente como vencedora a empresa de brinquedos”.
Veja imagens da operação:
Biomega
O processo cita, ainda, possíveis fraudes na contratação de outra empresa, a Biomega Medicina Diagnóstica. Os investigadores afirmam, na ação, que “o projeto básico para tal contratação foi literalmente elaborado pela própria empresa, enviada ao então secretário de Saúde e este a repassou aos seus subordinados para adequação e contratação pela Secretaria de Saúde do DF”.
Segundo os investigadores, áudios e mensagens comprovariam a atuação do então secretário de Saúde, Francisco Araújo, no processo. “Também se demonstra, aqui, que o quantitativo a ser adquirido foi alterado por determinação do próprio secretário, que desejava que a empresa fornecesse 100.000 testes iniciais e não os 90.000 publicados no edital. O projeto básico foi então alterado por sua determinação, conforme mostram os áudios e mensagens constantes do procedimento investigativo e da presente medida cautelar”, afirmam os responsáveis pela apuração.
“Em mensagens obtidas pelos investigadores no celular do diretor do Laboratório Central do DF (Lacen-DF), Jorge Chamon, o secretário de Saúde, Francisco Araújo, encaminhou o projeto básico para a contratação da empresa Biomega para execução de serviços de testes no formato drive-thru. O arquivo, segundo a apuração, teria sido encaminhado ao secretário pela coordenadora de licitações da própria empresa”, continuam os investigadores.
Falso Negativo
Deflagrada nesta terça-feira (25/8), a Operação do Ministério Público do Distrito Federal e Território (MPDFT) prendeu o então secretário de Saúde, Francisco Araújo, e outros seis integrantes do alto escalão da pasta. A ação apura o superfaturamento de R$ 30 milhões em cima de contratos que somam R$ 73 milhões na compra de testes para detecção da Covid-19 pelo Governo do Distrito Federal (GDF).
Todos os alvos da operação foram afastados em edição extra do Diário Oficial do DF (DODF), publicada ainda nesta manhã.
Confira os alvos da operação desta terça:
O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), divulgou uma nota na qual lamenta “a desnecessária operação ocorrida nesta manhã e que culminou na prisão preventiva da cúpula da Secretaria de Saúde”.
A Secretaria de Saúde do DF informou que “sempre esteve à disposição do Ministério Público, colaborando com as investigações e fornecendo todos os documentos necessários à devida apuração dos fatos relativos à Operação Falso Negativo, desde a sua fase inicial”.
“A SES não só disponibiliza as informações solicitadas como franquia o acesso on-line dos membros do MP a todos os processos de compras e contratos da pasta, através do Sistema Eletrônico de Informações (SEI) e vem realizando reuniões semanais com os membros desse órgão de controle para esclarecer dúvidas, acatar recomendações e aprimorar os mecanismos de transparência dos atos e ações da pasta junto à sociedade”, assinalou a pasta.
Além de Araújo, que foi detido em casa, no Setor Noroeste, são alvo de prisão preventiva: Ricardo Tavares Mendes, ex-secretário adjunto de Assistência à Saúde; Eduardo Hage Carmo, subsecretário de Vigilância à Saúde; Eduardo Seara Machado Pojo do Rego, secretário adjunto de Gestão em Saúde; Jorge Antônio Chamon Júnior, diretor do Laboratório Central (Lacen); Iohan Andrade Struck, subsecretário de Administração Geral da Secretaria de Saúde do DF; e Ramon Santana Lopes Azevedo, assessor especial da Secretaria de Saúde. Todos foram afastados.
Em nota, a defesa de Francisco Araújo disse que “lamenta a forma precipitada como o caso foi tratado”. Por meio do advogado Cléber Lopes, o texto assinala que “a decisão, que reproduz os termos da representação do Ministério Público, não descreve nada que possa configurar crime”.
A Biomega informou, por meio de nota, que “não vendeu ao GDF kits de testes rápidos para detecção da Covid-19. A empresa é um laboratório de análises clínicas que participou de um processo licitatório para prestação de serviços de exames laboratoriais de anticorpos para a Covid-19. O serviço incluiu montagem de tendas, disponibilização de mobiliário apropriado, alocação de recursos humanos nas áreas administrativa, técnica e de analistas especializados na leitura dos testes, que assinam os laudos. Também fez parte da prestação de serviço a locação de carros e a contratação de empresa especializada para a remoção do lixo hospitalar. O contrato firmado previa a realização de exames em 100 mil pessoas, tendo havido aditamento para a inclusão de outras 50 mil pessoas examinadas”.