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MP diz que Educação atendeu interesse particular em compra de R$ 9 mi

O Ministério Público de Contas e a área técnica do TCDF apontaram irregularidades em contratos para compra de cursos on-line, sem licitação

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Secretaria de Educação
1 de 1 Secretaria de Educação - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

O Ministério Público de Contas do Distrito Federal (MPC-DF) indicou que a Secretaria de Educação do DF teria atendido “interesses particulares” ao contratar o Instituto NTC do Brasil para fornecer cursos a servidores, em dois contratos sem licitação que somam R$ 9,1 milhões.

Em parecer submetido ao Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) na última quinta-feira (23/5), o procurador Marcos Felipe Pinheiro Lima referia-se a trecho do relatório de inspeção da área técnica da Corte de Contas que apontou cópia da redação da proposta da empresa no projeto básico da Secretaria de Educação.

Segundo o procurador, isso significa que “a justificativa da contratação partiu do fornecedor, invertendo por completo a lógica de qualquer contratação pública, qual seja, a de a administração ter a necessidade de um determinado bem/serviço e justificá-la”.

“É digno de repreensão situações como a evidenciada, em que é o particular que busca ser contratado quem municia a administração com justificativas para a contratação. Há evidente afronta não apenas ao princípio da legalidade, mas também ao da moralidade. Não serve a administração à satisfação de interesses dos particulares que tenham intenção de contratar com o Poder Público”, escreveu o procurador.

Veja a comparação da redação do documento do Instituto NTC e do projeto básico da Secretaria de Educação:

A Secretaria de Educação contratou o Instituto NTC do Brasil em 2022, por meio dos contratos nº 57 e 109, para a aquisição de cursos que somam R$ 9,1 milhões, mas poderiam ter sido feitos de graça, conforme noticiou a coluna Grande Angular em 14 de maio.

O caso tramita no TCDF desde 2023. Em janeiro daquele ano, a Corte de Contas determinou a suspensão do pagamento referente ao contrato nº 109/2022, de R$ 4 milhões, após representação do MPC e informações do então deputado distrital Leandro Grass (Rede).

Em parecer apresentado na última quinta-feira (23/5), o procurador do MPC-DF se manifestou pela manutenção da decisão cautelar proferida há mais de um ano.

Irregularidades

O Corpo Técnico do TCDF apontou, em relatório de junho de 2023, que o contrato nº 109/2022 estimou que 3.882 servidores ocupantes de cargos em comissão e funções de confiança participariam dos cursos. Porém, à época, existiam apenas 3.624 servidores nessa situação, ou seja, 258 a menos que o citado no contrato.

Segundo o relatório, além de problemas na concepção dos contratos, houve deficiência na fiscalização por parte da Secretaria de Educação. De acordo com os técnicos da Corte de Contas, houve pagamento integral da despesa “sem efetiva comprovação do serviço prestado, mesmo antes da emissão dos certificados de conclusão dos cursos”.

Um documento interno da Unidade de Controle Interno (UCI) da Secretaria de Educação, já analisado pela área técnica do TCDF, aponta que em um dos cursos, 42% dos inscritos não estiveram presentes na aula on-line “1 segundo sequer”.

De acordo com o relatório de inspeção do TCDF, houve “planejamento inadequado do contrato, falta de comprovação da qualificação técnica da empresa em ministrar cursos com características semelhantes aos que a SEE/DF contratou, assim como ausência de justificativa plausível em relação aos preços contratados”.

O procurador do MPC-DF apontou que a execução dos contratos “também se mostrou repleta de irregularidades e desorganização por parte da SEE/DF, a ponte de a pasta sequer ter, em dezembro de 2022, a listagem nominal dos servidores que participaram dos seminários e o respectivo controle de presença”.

Entenda

O contrato nº 109/2022, de R$ 4 milhões, foi para a compra de 2.882 inscrições e o recebimento de mais 950 “cortesias” para a participação de servidores em aula sobre a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), exatamente o mesmo tema de curso dado de graça pela Escola de Governo do DF (Egov).

O contrato da Secretaria de Educação do DF com o Instituto NTC do Brasil para a realização do seminário on-line “Governança corporativa com ênfase na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)” foi assinado por Isaias Aparecido da Silva, que substituía a secretária Hélvia Paranaguá, no dia 18 de novembro de 2022.

Um mês antes, em outubro, a Egov promoveu um aulão gratuito para servidores com o objetivo de capacitá-los sobre a LGPD. Em janeiro de 2023, um mês após a realização do curso de R$ 4 milhões, a Egov ofertou, mais uma vez, capacitação sobre a LGPD, também de graça para os profissionais do GDF.

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Aulão gratuito da Egov para servidores
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Egov ministrou curso gratuito sobre a LGPD para servidores, em janeiro de 2023, um mês após o curso com mesmo tema que custou R$ 4 milhões aos cofres públicos

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Aulão gratuito da Egov para servidores

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Os servidores da Secretaria de Educação foram obrigados a participar do seminário em dezembro, que teve duas turmas amplas, cada uma com dois dias de capacitação. Uma turma extra foi aberta para servidores de duas áreas específicas da pasta. A Secretaria de Educação informou aos empregados sobre a obrigatoriedade da participação no curso de R$ 4 milhões por meio de uma circular do dia 23 de novembro. As aulas ocorreriam nos dias 7, 8, 15, 16 e 12 de dezembro.

“Trata-se de evento aberto, de âmbito nacional, a ser realizado na modalidade on-line 100% ao vivo, por intermédio da plataforma da empresa Eveton – Eventon On-line NTC. Por se tratar de ação necessária à implementação da LGPD na SEEDF, uma vez que os participantes do Seminário ficarão responsáveis pela disseminação do conhecimento junto aos demais servidores lotados no mesmo setor, a inscrição dos referidos servidores neste evento é de natureza obrigatória, amparada no art. 180, II, da Lei Complementar nº 840/2011”, diz trecho da Circular nº 7/2022.

Esse não foi o primeiro contrato sem licitação da Secretaria de Educação com o Instituto NTC do Brasil. Cinco meses antes, em junho de 2022, a pasta comprou inscrições para outros cursos da mesma empresa, desta vez com custo maior: R$ 5,1 milhões.

O objeto do contrato era a compra de 6 mil inscrições para a aula “Avaliação de desempenho da escola” e mais 6 mil para a capacitação em “Planejamento e monitoramento com com base em indicadores”.

O documento foi assinado às pressas, na véspera e no dia do curso. As aulas estavam previstas para 8 e 15 de junho de 2022. A secretária de Educação, Hélvia Paranaguá, assinou o contrato às 21h47 do dia 7 de junho, e a representante da empresa, Shirlane Porto Barbosa Coelho, registrou a assinatura às 22h08 daquela noite.

Outros dois servidores da Secretaria de Educação assinaram o contrato às 7h37 e 7h46 de 8 de junho, exatamente no dia da primeira aula comprada pela pasta. Veja:

Contrato de R$ 5,1 milhões, sem licitação, foi assinado às pressas pela Secretaria de Educação do DF

O aprimoramento técnico dos servidores públicos, por meio de palestras e cursos livres, é atribuição da Escola de Governo (Egov). O órgão tem um catálogo de cursos para os servidores, mas qualquer pasta do GDF pode solicitar realização gratuita de seminários e outras atividades não previstas na lista.

“Para a realização dos cursos/atividades de formação e capacitação mediante instrutoria sem ônus, o órgão demandante deverá demonstrar o interesse público envolvido na realização do curso/atividade”, diz trecho da Ordem de Serviço nº 02/2023, que instituiu as regras da Egov para o quadriênio de 2023 a 2026.

Processo

Em nota enviada à coluna, o TCDF informou que, por meio da decisão Nº 1/2023, determinou que a SEE/DF se abstivesse de realizar pagamentos referentes ao Contrato n.º 109/22, celebrado com o Instituto NTC do Brasil Ltda., e deu um prazo de 15 dias para que a pasta e a contratada apresentassem esclarecimentos.

“A SEE/DF e o Instituto NTC solicitaram prorrogação de prazo para apresentação de suas manifestações, ambas autorizadas por meio da Decisão nº 873/2023. Em seguida, a SEE/DF e o Instituto NTC apresentaram suas manifestações”, contou.

Segundo o TCDF, “durante a fase de análise de mérito, observou-se a necessidade de realização de inspeção, a fim de obter acesso aos processos administrativos relacionados aos Contratos nºs 57/2022 e 109/2022. A inspeção realizada pelo corpo técnico do TCDF avaliou a regularidade das inexigibilidades de licitação, bem como os pagamentos realizados”, pontuou.

“As técnicas e procedimentos utilizados na execução da fiscalização envolveram a solicitação à SEE/DF de acesso a processos administrativos, a requisição formal de documentos e a análise documental. Em 14 de março, o relator do processo encaminhou o processo para a manifestação do Ministério Público junto ao TCDF (MPjTCDF). O MPjTCDF apresentou parecer na última quinta-feira, dia 23 de maio”, afirmou.

Agora, segundo o TCDF, “o processo está no gabinete do relator [conselheiro André Clemente] para análise e elaboração de relatório voto e posterior deliberação plenária. Lembramos que, como o relatório de inspeção ainda não foi apreciado pelo Pleno, as informações constantes do documento ainda não estão acessíveis ao público”, enfatizou a Corte de Contas.

O outro lado

A Secretaria de Educação garantiu que os contratos em questão foram realizados em conformidade com as exigências previstas em lei e defendeu que os cursos ajudaram a capacitar servidores da pasta. Leia, abaixo, a resposta na íntegra:

A SEEDF esclarece que todas as decisões do TCDF são rigorosamente cumpridas em sua totalidade. A pasta mantém um compromisso firme em fornecer todas as informações solicitadas e em responder dentro dos prazos estipulados. A SEEDF informa que o pagamento referente ao contrato nº 57/2022, no valor de R$ 2.580.660, foi realizado em 23 de setembro de 2022. É importante salientar que não houve nenhuma decisão do TCDF impedindo, suspendendo ou questionando esse pagamento. A SEEDF informa que ambos os contratos celebrados com a empresa em questão foram realizados em estrita conformidade com os requisitos legais estabelecidos pela Lei Federal nº 8.666/1993. Essas contratações atenderam a todos os critérios necessários, incluindo serviços técnicos especializados, natureza singular e notória especialização, assegurando total alinhamento com os preceitos legais e constitucionais.

No que tange especificamente ao contrato nº 109, é importante destacar que ele foi firmado em plena conformidade com a legalidade, motivado pela necessidade de tratar dados pessoais de um grande número de pessoas. O curso abordava “Governança Corporativa com Ênfase na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)”. É relevante ressaltar que nem a EAPE, nem a EGOV ofereciam cursos que atendessem às necessidades específicas da SEEDF. Assim, reitera-se que não havia formação com a temática que se adequasse às reais necessidades vivenciadas por esta pasta, nem que atendesse ao expressivo número de servidores que necessitavam urgentemente de capacitação nos assuntos oferecidos pelos especialistas da empresa contratada. Nem a EGOV nem a EAPE disponibilizam cursos para essa quantidade de servidores simultaneamente.

Os servidores da SEEDF trabalham continuamente com essas questões, e surgiram muitas dúvidas nas 14 Coordenações Regionais de Ensino, nas Unidades Escolares subordinadas e nos setores centrais, especialmente no que se refere ao direito à informação e à proteção de dados pessoais, conforme estabelecido pela Lei de Acesso à Informação (LAI – Lei nº 12.527, de 2011) e pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei nº 13.709, de 2018).

Ademais, o tratamento de dados de crianças e adolescentes recebeu regras específicas que geraram dúvidas e apreensão entre os gestores, especialmente no que diz respeito à guarda, manuseio e compartilhamento desses dados. Qualquer vazamento pode acarretar a responsabilização do gestor, conforme os termos da Lei Federal nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Portanto, é importante ressaltar que não há qualquer irregularidade a ser apontada e nem qualquer dano ao erário. A SEEDF não realizou pagamentos relacionados ao contrato nº 109 e forneceu todas as informações requisitadas pelo TCDF. Qualquer pagamento futuro será efetuado somente após a devida autorização do TCDF, garantindo total transparência e conformidade com as normas legais e regulatórias vigentes”.

A coluna entrou em contato com o Instituto NTC, que respondeu após cinco dias após a publicação da reportagem. Leia, abaixo, na íntegra:

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