MP apontou envolvimento de 17 distritais na Operação Tenebris
Segundo investigadores, os deputados que destinaram emendas para Brasília Iluminada seriam também responsáveis por suposto superfaturamento
atualizado
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O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) apontou à Justiça que 17 deputados distritais estariam envolvidos no suposto esquema de superfaturamento no contrato do Governo do DF (GDF) com o Instituto Idheias, para a execução do projeto Brasília Iluminada.
Segundo os promotores, os parlamentares em questão “aprovaram, a toque de caixa, a destinação de valores milionários ao programa do GDF referente aos ornamentos natalinos, com inegável atropelo e vilipêndio das normas procedimentais legislativas”.
O custo total do Brasília Iluminada, de aproximadamente R$ 14 milhões, foi bancado por emendas parlamentares.
O MPDFT disse à Justiça que houve “ajuste prévio e concertado com parlamentares distritais para que o projeto espúrio fosse aprovado às pressas, ainda que o Natal tenha data fixa e, portanto, que toda a programação de festejos não exija absolutamente nenhuma urgência e possa ser organizado ao longo de todo o ano que o antecede”.
Nessa quarta-feira (2/2), ocorreu a segunda fase da Operação Tenebris. As investigações apontam uma série de irregularidades no processo de contratação do Instituto Idheias, por parte da Secretaria de Economia, para a realização do evento, o qual previa a ornamentação do canteiro central da Esplanada dos Ministérios e do Eixo Monumental, além da promoção de atividades culturais.
Embora os promotores tenham sustentado a responsabilização dos deputados, quatro desembargadores negaram o pedido de inclusão dos parlamentares, alegando impossibilidade de imputar condutas criminosas até este momento.
“Embora o peticionante indique a participação de deputados distritais no suposto esquema ilegal, do cotejo narrado e da documentação juntada, não foi possível identificar, nesta análise inicial, condutas imputadas a qualquer deles, para fixar, de plano, a competência do Conselho Especial”, escreveu o presidente do TJDFT, desembargador Romeu Gonzaga Neiva, em decisão emitida no dia 24 de dezembro de 2021, véspera de Natal.
Na ocasião, Neiva pediu para o MPDFT esclarecer se existe inquérito em andamento para apurar o caso e, se a resposta for positiva, quem são os investigados e quais condutas são imputadas àqueles com foro por prerrogativa de função.
Veja como foi a Operação Tenebris:
A 1ª Vara Criminal de Brasília autorizou mandados de busca e apreensão nas residências dos envolvidos, além do bloqueio de bens. Um dos investigados é o ex-secretário de Economia e atual conselheiro do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF), André Clemente.
O outro lado
Em nota divulgada nesta quinta-feira (3/2), os advogados de Clemente, Cleber Lopes e Eduardo Toledo, destacam que o pedido de busca e apreensão do MPDFT ocorreu apenas dois dias úteis após a apresentação da denúncia pelo deputado distrital Leandro Grass (Rede). Ou seja, os investigadores teriam tido apenas dois dias para apurar o tema e solicitar a operação.
“Ao exame dos autos da medida cautelar onde repousa a representação formulada pelo Ministério Público no sentido de que fosse deferida busca e apreensão na casa do conselheiro do Tribunal de Contas do Distrito Federal, André Clemente, a defesa compreende que a pretensão mostra-se abusiva. O procedimento foi iniciado no dia 23 de dezembro, quando se tem como certo que o deputado Leandro Grass teria estado no MP para dar notícia das pretendidas irregularidades no dia 17 de dezembro. Ou seja, se considerarmos que dia 17 se deu em uma sexta-feira, temos como consequência o fato de que o MP, em dois dias, teria investigado e formulado uma representação dessa natureza”, disseram.
Segundo os advogados do conselheiro do TCDF, o próprio autor da denúncia não afirmou que houve crime. “Importa destacar que nem mesmo o deputado Leandro Grass disse que havia crime, ou seja, não havia acusação nem investigação que pudesse justificar a medida de busca e apreensão, que exige ‘fundadas razões’ para seu deferimento”, afirmaram.
Lopes e Toledo disseram que Clemente tem foro e, portanto, o caso deve ser analisado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ): “A 2ª fase da operação está fundada na suposta prática do crime de violação de sigilo, este, se configurado, incontestavelmente, fora praticado quando André Clemente já era conselheiro do TCDF, o que leva à compreensão de que a competência é do STJ”.
Operação
A suspeita do MPDFT é que o Instituto Idheias – que detém formalmente a condição de Organização da Sociedade Civil – tenha sido utilizado como fachada, apenas para permitir a contratação sem licitação e, posteriormente, terceirizar quase na íntegra a execução dos serviços para companhias que lucraram com o contrato. Entre as empresas beneficiadas, estão a Mark Systems e a Primer Serviço de Comunicação e Eventos.
A Secretaria de Economia contratou o Instituto Idheias para a montagem do cenário iluminado na Esplanada dos Ministérios por R$ 14 milhões. A mais recente fase da operação teve como alvo, pela segunda vez, o conselheiro André Clemente, do Tribunal de Contas do DF.
Documentos que embasam a Operação Tenebris revelam o vazamento de informações antes que houvesse a primeira busca e apreensão. A suspeita do MPDFT é que os investigados tinham conhecimento não apenas do objeto da medida cautelar – busca e apreensão – como também do seu conteúdo.
Segundo informações obtidas com exclusividade pelo Metrópoles, o vazamento consta em conversas por aplicativo obtidas de celulares apreendidos durante a primeira fase da operação, no dia 25 de janeiro.
O gabinete de Clemente no TCDF e a casa do ex-secretário de Economia do DF, no Sudoeste, foram alvo dos investigadores.
Os mandados judiciais foram cumpridos pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MPDFT, e pelo Departamento de Combate à Corrupção (Decor), da Polícia Civil. A ação foi batizada de Operação Tenebris. Também são investigados a chefe de gabinete de Clemente, Edileide Oliveira Santos, e o presidente do Instituto Idheias, Geraldo Marcelo Sanches.
Confira imagens da instalação da estrutura:
Vizinhos
Para os promotores, havia interesse pessoal da Secretaria de Economia em tocar o projeto. As apurações revelaram outro fato que parece comprometer ainda mais a lisura do processo de contratação: André Clemente reside exatamente no mesmo bloco e na mesma prumada que o investigado Marconi José, no Setor Sudoeste, o que aponta para uma proximidade entre os dois e para o beneficiamento indevido das empresas da família Pupe.
O Ministério Público indica ainda que, violando as determinações legais e regulamentares, o processo de contratação e o acompanhamento simultâneo dos gastos do evento de 2020 não foram disponibilizados na internet para que a população e os órgãos de controle fiscalizassem o trâmite.
A contratação ocorreu sem a observância de prazos e de exigências legais. Também foram reunidas provas de que a estrutura do evento Brasília Iluminada, realizado entre 2021 e 2022, foi entregue fora do prazo estipulado.
Sobre o envolvimento de deputados distritais nas supostas irregularidades, o MPDFT disse à Justiça: “A toda evidência de que o cenário aviado aos autos revela que houve ajuste prévio e concertado com parlamentares distritais para que o projeto espúrio fosse aprovado às pressas, ainda que o Natal tenha data fixa e, portanto, que toda a programação de festejos não exija absolutamente nenhuma urgência e possa ser organizado ao longo de todo o ano que o antecede”.
Emendas parlamentares
De acordo com as investigações, existem indícios de irregularidades também na tramitação das emendas parlamentares que destinaram os recursos para a última edição do evento.
Uma semana após a aprovação do nome de André Clemente para o Tribunal de Contas do DF (TCDF), 17 deputados distritais decidiram remanejar recursos para o evento, cancelando o empenho de gastos com educação e outras ações prioritárias, no curso de um processo de votação acelerado e com a realização dos dois turnos necessários em poucas horas.
“Honestidade e trabalho”
O governador Ibaneis Rocha (MDB) comentou, na manhã de quarta-feira (2/2), sobre a operação de busca e apreensão no gabinete do conselheiro do TCDF e ex-secretário de Economia do Distrito Federal, André Clemente.
“Existe uma insistência muito grande do MPDFT no que diz respeito à questão do Brasília Iluminada. Já havia sido feita uma busca e apreensão e, nessa segunda, eu não vi o documento. Pelo que me foi informado, também não haveria necessidade dessa busca”, pontuou Ibaneis.
“Eu confio no secretário André, sempre reforço a minha confiança no trabalho dele. Foi um secretário de grande honestidade e trabalho e que foi indicado para o Tribunal de Contas exatamente por suas virtudes. A gente espera que haja uma apuração rápida para não ficar manchado o nome de uma pessoa que trabalhou durante mais de 30 anos para o Governo do Distrito Federal”, acrescentou.
TCDF
Por meio de nota, o TCDF informou que fiscaliza o projeto de ornamentação desde agosto de 2021. Sobre as buscas no gabinete de Clemente, a Corte explicou que vai buscar informações junto ao Judiciário, “colaborar com as investigações, se colocar à disposição para eventuais esclarecimentos e continuar cumprindo seu dever legal de fiscalizar os gastos públicos distritais”.
Veja a nota na íntegra:
“Em relação ao Brasília Iluminada, o Tribunal de Contas do Distrito Federal esclarece que fiscaliza o projeto de ornamentação de fim de ano desde agosto de 2021 – por meio dos processos 8074/21 e 13466/21 -, ao analisar as representações protocoladas pelo Ministério Público junto ao TCDF.
A Corte verifica a ocorrência de supostas irregularidades na celebração e na execução do Termo de Fomento nº 21349/2021, firmado entre a Secretaria de Estado de Economia do DF – SEEC/DF e o Instituto de Desenvolvimento Humano, Empreendedorismo, Inovação e Assistência Social – IDHEIAS, por meio do Processo 00600-00013466/2021-30.
Em janeiro, inclusive, o corpo técnico do TCDF fez visitas in loco às instalações do Brasília Iluminada no Eixo Monumental para verificar a conformidade da execução do contrato e, neste momento, os auditores do TCDF analisam a documentação relativa à contratação.
Em relação à Operação Tenebris, que envolve um membro da Corte, o Tribunal de Contas informa que vai buscar informações junto ao Judiciário, colaborar com as investigações, se colocar à disposição para eventuais esclarecimentos e continuar cumprindo seu dever legal de fiscalizar os gastos públicos distritais.
O TCDF também lembra que um dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito e da Constituição Federal é a presunção de inocência. Diante disso, o TCDF aguarda o andamento das investigações e o posicionamento da Justiça.”